Dois

983 Words
Rússia, Moscou. Dias atuais. __ Por favor, Elisa, nunca te pedi nada. Que Mentirosa! Eu não sei como fui arranjar uma amiga tão pidona assim meu Deus. Penso revirando meus olhos, divertida. __ Kátia, pare de mentir mulher, você vive me pedindo coisas... Deusa faça isso, deusa faça aquilo. Digo com a cara feia fazendo gestos com minhas mãos enquanto terminava de lavar a louça e Kátia enxugava. __ Assim você me ofendi amiga. __ Ela declarou enxugando a última panela e guardando-a no armário. __ Enfim acabamos, agora podemos conversar direito. __ Amiga você sabe que não me importo em te fazer favores. __ Digo enxugando minhas mãos na toalha de prato que estava em suas mãos e caminho em direção a sala. __ Mas isso é demais para mim. __ Completei me jogando no sofá e tocando o colar em meu pescoço. Das poucas lembranças que sobraram de mamãe. A cinco anos eu e Kátia viemos para viver uma nova vida. No avião Kátia recomendou que eu não fosse dizendo que os russos têm preconceito com negros. Para constar, eu nem sabia disso. Ela comentou que mesmo tendo sangue russo, branca e sabe a língua local, se sente acuada. Imaginar eu que não era nada disso. Isso me preocupou. Como eu sendo n***a ia conseguir entrar em uma escola de balé conceituada como a escola de Balé Bolshoi? Infelizmente meu medo se concretizou. Não consegui entrar na escola de balé. Descobri na pele que a Rússia é um país lindo, racista e homofóbico. Kátia pensa que Vladimir, o seu chefe, é "gay" e não se assumi. Eu mesma demorei para me sentir à vontade no país. Imagine um homem "gay" ou uma mulher lésbica que nasceu aqui? Hoje trabalho como garçonete em um restaurante no centro de Moscou e meu sonho de ser uma grande bailarina como minha mãe, foi posto de lado. Pela manhã, Kátia trabalha na área administrativa, em uma empresa que seu pai é sócio, na noite de sexta e sábado, ela trabalha como dançarina em uma "boate" de "stripper". Como Kátia gosta de se chamar: Dançarina exótica. Para ela, "stripper" a faz parecer vulgar e será uma boa desculpa para quando meus tios descobrirem. Hoje é sábado e ela me pediu para cobri-la porque ela precisa viajar ao Brasil. É aniversário de casamento dos pais dela, a peste nem sabe quando volta e eu vou ficar aqui morrendo de saudades. Eu queria ir também, mas prometi a mim que não voltaria lá outra vez. E mesmo que eu mudasse de ideia, não me sinto preparada para isso. Kátia nem precisa trabalhar na boate, seus pais são ricos, são naturais da Rússia, mas moram no Brasil desde quando nos conhecemos como gente. Todo mês mandam um bom dinheiro para ela, queriam mandar pra mim também, só que eu não deixei. A quatro anos Kátia me confessou que eles abriram uma conta de emergência pra mim, caso eu precise usar, ela me passou os dados. Eu disse não, mas me senti m*l, liguei para eles e agradeci. Talvez eu use esse dinheiro pra ir para outro país, um país que me permita realizar meus sonhos. Penso. __ Para quê você quer esse emprego Kátia? Você nem precisa mulher. __ Eu já disse a você. __ Ela diz sentando ao meu lado. __ Gosto da adrenalina que ele me passa. Gosto do jeito que os homens me olham e Vladimir me protege quando querem f********o comigo. _ Coro envergonhada ao ouvir as suas últimas palavras ditas de forma tão natural. __ Se seus pais descobrir vai arrancar seu coro. __ Avisei. __ Eu sei disso. __ Ela afirmou frustrada. __ Prometo que esse é meu último ano... promessa é divida, amiga. __ Sorriu sabendo que realmente ela vai parar. __ Eu não consigo fazer isso Kátia. __ Como não? Você me ensinou a dançar minha deusa do Ébano. Ela sabe que gosto quando ela me chama assim. Conheço as artimanhas dela. Aprendi a dançar com minha mãe, ela era bailarina iniciante, me ensinou um pouco de tudo, principalmente Balé, tango, kizomba, pagode e claro, não posso me esquecer do samba, a final somos carioca da gema e o samba está em nossas veias. O funk e Pole Dance aprendi praticamente sozinha, observando e assistindo a muitos vídeos online. Eu só assistir os vídeos ensinando polidence porque Kátia me pediu pra ensiná-la, sou muito boa em ensinar, assim como minha mãe foi um dia. Minha mãe era uma mulher branca de família rica. Ela não me falava muito sobre meus avós, só sei os nomes. Cristiano Maim e Elane Maim. Eles nunca me procuraram e confesso que me sinto magoada por nenhum familiar meu me querer de verdade. Só mamãe me quis, mas infelizmente a vida não quis o mesmo que ela. Seus lindos olhos verde sempre me acalmavam a noite quando tinha pesadelos, ela sempre me deixava trançar seu lindo cabelo. Seu cabelo loiro acastanhado era tão intenso, sua postura tão elegante que ela chamava atenção por onde passava, mesmo a gente sendo pobre. Aos vinte anos ela ganhou uma bolsa em uma companhia de dança muito famosa, mas nessa mesma época ela conheceu meu pai, um n***o lindo, apaixonante e dez anos mais velho que ela. Por um deslize minha mãe acabou engravidando de mim, viu seu sonho arruinado e seus pais a abandonaram com a mão na frente e outra atrás. Que tipo de pais faz isso com a filha? São tão monstros quanto o meu próprio. Penso. Grávida e sozinha, minha mãe foi pedi abrigo a meu pai, ele logo aceitou, achando ela que era por amor. Aquele homem nunca amou ninguém, a não ser ele mesmo. Volto a pensar. Logo ele mostrou suas garras. Humilhava e agredia minha mãe em todo tempo, mesmo ela grávida de mim e até depois de me dar a luz.
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