Apesar da minha ansiedade para vê-la, Alina não apareceu o resto da semana. Eu sabia que não a veria no corredor, ou na hora do almoço, por isso sempre a procurava na biblioteca, no final das aulas.
Comecei a ficar preocupado. E se algo sério houvesse acontecido?
— Acho que ela percebeu que é bonita demais para você — disse Ra na sexta-feira, assim que entrei no seu carro para irmos para a escola. Fiz careta ao perceber que ele falava m*l dos meus ombros largos, meu queixo retangular e minha estatura mediana.
— Não fale m*l de mim só porque é alto e tem um cabelo bom — resmunguei e, como para se esnobar, ele tirou seu chapéu e passou os dedos pelos cabelos loiros e lisos, fazendo pose como se fosse modelo. Observando minha expressão de insatisfação, ele o colocou de volta, um sorriso de canto nos lábios.
No entanto, as provocações de Ra não me atingiam. Eu acreditava que a causa era os tais "problemas pessoais" de Alina. Nas aulas, eu ainda percebia o olhar distante e preocupado de Robert. Toda a preocupação e o sumiço de Alina me fizeram questionar se ela tinha algum problema de saúde. Talvez o motivo de ela não frequentar a escola não fosse somente a qualidade do ensino, mas sim também alguma doença que a restringia.
Na semana seguinte, Alina também não apareceu. Na quarta-feira, enquanto todos os alunos deixavam a sala, Robert me chamou. Ele parecia calmo e cansado, mexendo em seus papéis enquanto esperava o último aluno deixar a sala. Eu sentia que o assunto não era minhas notas na sua matéria.
Ajeitei a alça da mochila no meu ombro, desconfortável. Alina teria contado a ele sobre o encontro na quarta? Ele teria descoberto?
— Olá, Matthew — Robert me cumprimentou quando me aproximei da sua mesa e redirecionou seu olhar a mim. Mexi novamente na alça da mochila.
— Oi, professor.
— Você andou conversando com minha filha, Alina, não foi?
— Ela contou ao senhor?
— Achei esquisito vê-la chegando em casa, toda ensopada e feliz, mas feliz do que com os livros.
Dei um leve sorriso orgulhoso.
— Por que ela não apareceu nesses dias? — Perguntei após questionar-me internamente de deveria soltar a pergunta ou não. Robert mudou o apoio de pé e suspirou. Identifiquei o ato como sendo o de que ele confiava em mim para contar a causa.
— Minha esposa, Joanne, anda muito doente e Alina sempre ficou em casa, cuidando dela para que se houver alguma recaída, ela não esteja sozinha.
Fiquei surpreso. Então não era Alina que era doente, e sim sua mãe, por quem ela passava o dia responsável.
— Ela me disse que vocês não a deixaram ir para um colégio, por isso nunca estudou em um.
Robert deu uma risada fraca. Parecia um pouco desconfortável ao ser questionado sobre isso por um aluno.
— É, é verdade. Eu sempre cuidei da educação dela — ele suspirou e deu dois tapinhas no meu ombro. — Eu te acho alguém bem legal, Matthew. E minha filha parece gostar de você. Espero que não a decepcione.
Apesar de não ter ouvido isso de Alina, fiquei feliz em ouvir isso do seu pai. Mostrava que ela sentia algo, ou que começava a sentir, por mim.
— Eu não vou.
Robert e eu deixamos a sala e nos separamos no corredor. Caminhei até o estacionamento dos alunos, onde metade dos carros já havia ido embora. Encontrei o carro de Raphael ali, que me esperava. Ao me aproximar, percebi que ele não estava nada contente com a minha demora.
— Cara, sei que conversar com o sogro é importante, mas pelo menos avisa que eu posso aceitar o convite da mina para dar uns pega. — Ra disse assim que entrei no carro e fechei a porta.
Revirei os olhos.
— Então vai lá ter os seus pega com a mina, Raphael. Eu espero.
— Agora ela já foi embora.
Bufei.
— Então você tá esperando o que pra gente ir embora?
— Você escolher se vamos passar no McDonald’s ou no Burguer King. Hoje é na sua conta.
Ah, é. Eu havia esquecido que havíamos planejado passar num drive-thru para comprar um lanche na minha conta — não na conta do galã rico que não precisa aparar grama alheia para pagar a conta de energia.
— Vamos no Burguer King.
Fomos em silêncio, ouvindo músicas pop. Após esvaziar a minha carteira, fomos para casa de Raphael.
Ele estacionou na rua, já que guardar o carro na garagem era desnecessário — no final da noite ele teria que me levar em casa. Raphael morava numa casa grande com sua avó que, ao contrário da dona Gertrude, era mais reservada e séria, e isso refletia nos tons marrons e cinzas espalhados pela casa. O quarto de Ra era um ponto colorido no meio de tudo aquilo, com paredes azuis e pôsteres de diversos esportes e bandas coladas por tudo quanto era canto.
Depois de cumprimentar a sua avó, subimos para seu quarto, e eu caminhei de frente aos seus diversos videogames e DVDs de jogos, decidindo qual iríamos jogar — já que, como eu havia p**o os lanches, ganhava o direito de escolha.
Liguei o Xbox e a tevê 42 polegadas, tirei meus tênis para pisar no tapete verde macio e sentei em um dos pufes. Ra já estava no do lado, consumindo as batatas-fritas e pegou o console que o estendi sem se preocupar com os dedos gordurentos.
— Se você não começar a comer, vai ficar sem. — Eu enchi a mão de batatas e as enfiei na boca, apertando o botão START com força para chamar a atenção de Raphael. — NÃO É ASSIM NÃO, JUMENTO!
Eu estava indo buscar um livro para outro trabalho de literatura quando encontrei Alina no colégio, a primeira vez em duas semanas. Ao invés de estar no meio das estantes, ela estava sentada numa mesa pequena de madeira que possuía apenas duas cadeiras e ficava de frente para uma janela que ia do teto ao chão.
Para variar, a garota da biblioteca estava absorta entre as páginas de um livro. Ao seu lado, uma pilha com 10 exemplares. Enquanto ela os leria em poucos dias, eu levaria, de certo, algumas semanas — ou até mesmo meses.
Dei a volta por uma das estantes e me aproximei-me em silêncio, por trás, e me abaixei ao seu lado. Ela ainda continuava com os olhos pregados no livro.
— Esses são o da vez? — Questionei em um sussurro, ao lado do seu ouvido. Ela deu um pequeno pulo de susto, virando os olhos grandes e assustados para mim.
— É, são — disse, recompondo-se. Deu um pequeno sorriso.
Beijei sua bochecha e vi suas bochechas avermelharem. Sentei na única cadeira disponível ali.
— Vai com calma, garota da biblioteca. Assim vai ler todos os livros que tem aqui.
Ela riu, e arqueou uma sobrancelha para mim, como se demonstrasse superioridade.
— Já li boa parte deles.
Abri a boca, surpreso.
— E o que você me diz deles?
Ela cerrou os olhos e mexeu nos óculos, como se avaliasse mentalmente todos os livros que havia lido para dar-me uma resposta.
— Os clássicos e os visivelmente escritos para adolescentes estão bem equilibrados.
Ri pela forma que ela se expressou, e ela fez sinal para que eu falasse mais baixo. Eu sorri envergonhado e abaixei o tom da minha voz e riso. Meus olhos se fixaram na sua pilha.
— Esses são sobre o quê? — Perguntei, mexendo na pilha.
— A maioria são histórias, mas eu achei esse aqui — ela disse, puxando um livro grosso. — É O mundo de Sofia. É sobre filosofia.
— Oh! Você gosta desse tipo de assunto?
— Só sei que nada sei — ela disse, tentando fazer uma pose séria, mas no final, riu.
Eu fingi bater palmas e falei com um público invisível capaz de ouvir meu sussurro.
— Temos uma filósofa aqui, pessoal.
Alina sorriu, e mudou de assunto.
— O que você veio fazer aqui? — Questionou, encarando-me curiosa. Eu tive que lembrar do motivo para poder respondê-la.
— Vim buscar um livro para uma resenha que, inclusive, eu havia me esquecido dela. — Dei um sorriso envergonhado e cocei a nuca. Encarei seus olhos. — Você me faz esquecer esses meros detalhes da vida.
Ela corou e arqueou uma sobrancelha para mim.
— Então você está esperando esquecer novamente do livro? — Arqueei as sobrancelhas em surpresa.
— Você tem razão. Eu vou procurar um interessante — respondi e Alina riu, voltando para seu livro. Levantei e me embreei entre as prateleiras à procura do que ler. Depois de 15 minutos, encontrei um título que me parecia interessante.
Ao voltar, Alina estava tão concentrada em seu livro que eu não quis interrompê-la. Sentei na cadeira de frente a ela e comecei a ler o livro que havia escolhido. Porém, não conseguia me prender por mais do que dois parágrafos, alternando meu olhar entre as páginas e Alina, que tinha a atenção no livro já a meia-hora.
— Okay — eu disse, desejando ter um pouco da sua atenção. — Vamos combinar assim: você lê esse tal livro da Sofia e depois vamos arguir sobre ele.
Ela riu.
— Arguir? Bela escolha de palavra.
— Você sendo uma grande leitora, muito inteligente, preciso testar palavras diferenciadas para tentar impressionar.
— Oh, então é para impressionar? Ótima tentativa.
Fiz uma careta.
— Ela funcionou?
Alina me encarou com um sorriso fraco.
— Tudo bem então — por fim respondeu. — Quando terminar, eu te ligo para que você vá na minha casa.
— Na sua casa? Por que não poderia ser na minha?
— Não te conheço o suficiente para me expor a este risco.
— Ouch — coloquei a mão no peito, fingindo sentir dor. Ela riu.
— Meu pai não iria deixar que eu saísse de seu olhar com um garoto. — Ela disse a verdadeira razão depois.
— Oh, entendo — Alina havia passado a maior parte da vida dentro de casa, era natural que seu pai não confiasse em deixá-la ir na casa de um desconhecido. — Tudo bem então.
Ela pegou sua mochila do chão, onde ela colocava os livros, e tirou um caderno e caneta. Escreveu seu endereço e rasgou o papel, me entregando. Empurrou o caderno para mim e lhe passei meu número.
— Eu te ligo quando terminar — avisou, guardando o papel. Guardei seu endereço dentro do livro que estava lendo.
— Vou estar esperando.
— Não vou ler tão rápido assim.
— Pretende me deixar esperando? — Arqueei a sobrancelha. Alina fingiu desapontamento.
— Adivinhou meu plano...
Eu dei um leve sorriso.
A biblioteca estava vazia, mas isso não impediu de Guadalupe vir atrás de nós, pronta para xingar, mas ao nos ver, suspirou e voltou para sua mesa. Aquilo era um tipo de milagre, porque aquilo nunca teria acontecido normalmente, e só havia acontecido graças a Alina, quem Guadalupe parecia gostar.
Inconscientemente, pus minhas mãos ao redor do rosto de Alina e beijei sua testa. Ela arregalou os olhos, sem entender o motivo.
— O que foi, Matt? — Perguntou. Olhei-a nos olhos. Seus orbes escuros mostravam surpresa.
— Você é demais — eu disse, e deixei mais um beijo em sua testa. Ela riu. Em seguida, me afastei, levemente envergonhado por ter agido no impulso. Guardei meu livro na mochila. — Eu tenho que ir para casa agora. Ainda tenho que andar os seis cachorros da vizinha.
— Seis cachorros?! — Ela arregalou os olhos. — Não sabia que você gostava tanto de cachorros.
— Nem eu — ri. — Mas fiquei apegado a eles a medida do tempo. É meio difícil controlá-los, mas eu me viro. — Alina balançou a cabeça, mostrando que entendia. — Você vai desaparecer de novo?
Ela desviou o olhar, sem parecer certa da resposta.
— Veremos.