Prólogo •

3099 Words
5 Meses antes... | Vicent De Lucca. O caixão fora fechado, me fazendo suspirar de alívio. Meus dedos estavam cruzados na frente do meu corpo, enquanto eu mantinha a mesma expressão séria no meu rosto. Meu pai estava nesse caixão, com seu habitual terno preto — acho que o vi poucas vezes sem ele, uma gravata azul-marinho que ganhou de presente de minha mãe, e seus sapatos caros — que jurou que deveriam ir com ele para o caixão. Meu pai, aos cinquenta e seis anos, morreu de um infarto fulminante, sem nenhuma causa específica. Minha mãe e minha irmã — Donatella De Lucca e Bianca, respectivamente — choravam desoladas, uma nos braços da outra, procurando por um conforto que não viria. Jurei ao homem, em seu último suspiro, que honraria o seu legado e mataria a todos que ousassem me desobedecer. Agora, cá estava eu, pensando em tudo que teria que aguentar a partir de hoje. Não que eu me importasse com muita coisa. Mas a minha vida mudaria completamente a partir de agora, além de uma esposa e um filho, eu teria de me meter no meio de inúmeras guerras onde — todos, sem exceção — tentariam me atingir e agora, além de me proteger, eu teria de proteger a pessoa que eu colocaria do meu lado. Não por amor a pessoa, é óbvio que não, eu não amo ninguém e sinto que essa "benção" vá cair sobre mim, não sinto interesse absurdo nisso também, de qualquer maneira. — Vicent? — Ouvi meu nome ser pronunciado por Lombardi. Revirei os olhos atrás do óculos escuro, e me virei devagar, encarando o homem um pouco mais baixo que eu e gordo também. — Lombardi. — Falei, duro. Eu odiava esse cara. Ele era o ser mais repugnante que eu já havia conhecido na vida. Apenas a sua esposa — uma mulher ótima e simpática, principalmente, por aturá-lo — aguentava seus surtos e falas. O homem era um porre, e ninguém aguentava mais ter que viver no mesmo ambiente que ele. O homem só falava bobagens e tratava a todos que eram de uma casta menor que a dele como lixos. Se tem uma coisa que aprendi, é que devemos valorizar o soldado, mais do que ao bundão que fica atrás de uma mesa, bebendo whisky e dando ordens. Carlo era baixinho, muito gordo, com bochechas vermelhas e uma camada de suor na sua testa. Seu blazer m*l fechava em sua barriga enorme e ele complementava com um chapéu — estilo mafioso de filme dos anos oitenta — e um bocado de cordões e anéis de ouro. — Sinto muito pelo seu pai. — Ele disse, tocando meu ombro. — Espero que não deixe o legado dele de lado. — Não vou, Lombardi. — Falei, tirando a sua mão do meu ombro. — Fui muito bem treinado para isso, achei que soubesse. — Claro, Claro. — Ele riu. — Mas, sabe como é, pirralho, muita gente acha que você não é o suficiente. — Quem acha, Carlo? — Pousei meus olhos nele. — Você? Eu sabia que o sonho de Carlo Lombardi era levar a sua família ao topo e ele daria tudo para fazer isso. — Ah, não. — Ele riu. — Bom, sinto muito, seu pai era um homem bom. Falso. Pensei. — Sim, ele era. — Disse rude. — Bom, nós nos encontramos por aí, Vicent. — Ele sorriu de lado, fazendo-me querer socá-lo ali mesmo. — Espero que não. — Falei rude, virando-me para o caixão quase todo tampado novamente. Quando acabou, suspirei aliviado por poder me livrar de todo esse falso choro e infelicidade que todos tentavam demonstrar. Todos queriam uma chance comigo, mas nem todos queriam. Se achavam o meu pai implacável, com certeza, ainda não haviam me conhecido. °•°•°•°•°• | Isabela Lombardi Encarei Beatrice atônita, sentindo o sangue me fugir o rosto, enquanto tentava juntar todos os cacos de vidro jogados pelo chão e jogá-los dentro da sacola descartável. Beatrice tentava ser tão rápida quanto eu. Sabíamos que não teríamos tempo. Beatrice tinha apenas dezesseis anos e havia esbarrado em um dos vasos favoritos de nosso pai. Um homem sem escrúpulo algum, que só pensava em si e no quão perfeitas pareceríamos. Senti o corte que ocorrerá no meu dedo e gemi de dor, levando o indicador até os lábios, tentando ignorar o sangue que começará a pingar no chão. Meu coração batia forte no meu peito. O senhor De Lucca havia morrido na manhã passada, seu corpo iria ser velado hoje — depois do horário do almoço, e por isso, eu e Bianca ficamos sozinhas dentro da casa enorme. — Que p***a aconteceu aqui? — A voz grossa do meu pai gritou, me fazendo tremer, antes de me virar aos poucos até meus olhos encontrarem os seus. Senti o sangue me fugir o rosto e o encarei estática, observando minha mãe me encarar chocada. Seus olhos estavam esbugalhados e ele tinha uma das mãos no rosto. Ela sabia o que aconteceria, só não tinha como ajudar. — Quem quebrou o vaso? — Ele berrou. — Custou vinte mil euros. Engoli o seco, tomando coragem para deixar que as palavras escapassem por entre os meus lábios. — F-fui eu, papai. — Murmurei, o encarando. — Sempre você, não é? — Ele berrou. — Sua inútil. — Me desculpe, foi sem querer. — Falei, me levantando. — Cale a boca. — Ele me acertou um tapa no rosto. Meus olhos se inundaram de lágrimas. — Cala a p***a da boca, isabela. Suas mãos foram até os meus cabelos, enquanto ele me puxava escada a cima. Podia ouvir os pedidos de minha mãe para que ele me deixasse em paz, mas foram em vão. Meu pai me arrastou até o meu quarto, lugar onde me jogou na cama e retirou o cinto de seu corpo. Agradeci a Deus por estar usando calças Jeans e blusa com mangas hoje, ao menos, ajudariam a não sentir o impacto sobre a minha pele. — Vire-se. — Ele ordenou. O encarei, perplexa. — Está surda? Vamos, Vire-se. — Papai. — Tentei falar. — Cale a boca e se vire. — Mandou, entredentes. Senti meus olhos pinicando e funguei, engolindo um seco. Me virei para a cama de costas para ele, encarando a janela e um pequeno pássaro pousar sobre ela. Queria ser como ele, livre para ir e vir. Livre do meu pai e dessa maldita máfia — cuja qual, eu jamais sairia. A primeira cintada foi sentida com força, gemi pela dor e deixei uma lágrima escorregar pelos meus olhos. Então, veio a segunda… A terceira, A quarta, A quinta, A sexta… Incontáveis outras cintadas que pegavam em lugares aleatórios do meu corpo. As lágrimas saiam dos meus olhos, enquanto os gritos eram sufocados dentro da minha garganta de maneira dolorosa. Eu estava sentindo as forças saindo do meu corpo aos pouco. Cada parte de mim, amolecendo e a minha visão ficar turva aos poucos. A dor era tanta, que eu sentia que desmaiaria a qualquer momento. — Carlo. — Minha mãe chamou, com a voz tremida. — O marido de Nina está aqui, está mandando chamá-lo. — O que ele quer? — Ele perguntou, ríspido. — Estou ocupado, não está vendo? — E-ele não veio como genro, veio como Consigliere. — Ela murmurou. — Entendi. — Ele franziu os lábios. — Se salvou dessa, isabela. Assim que ele saiu do quarto, deixei que meu corpo se chocasse contra a cama e as lágrimas saíssem dos meus olhos com certa rapidez. Eu o odiava. Odiava meu pai com todas as forças, sentia meu corpo dolorido e cada parte de mim arder. Era como se eu estivesse queimando. E isso me doía, me doía como o inferno. Eu me sentia uma inútil, eu só queria fugir daqui para sempre. •°•°•°•°•°•°•°•°•° | Vicent De Lucca — Você, como meu Consigliere, precisa me ajudar a encontrar uma esposa. — Falei, bebendo um gole de whisky. — Eu? — Ele franziu os lábios. — Eu não. — Claro que tem, ou não estará fazendo seu trabalho de maneira descente. — Brinquei. — Posso arranjar as moças para você, mas sabe que terá de escolher sozinho. — Murmurei. — Tio Vicent. — A voz da pequena Pietra ecoou pelos meus ouvidos. Sorri, vendo-a se aproximar e me abraçar, seguida por Nina, a esposa do meu melhor amigo. — Vicent, como vai? — Perguntou, sorrindo. — Desculpe a Pietra, ela acabou de chegar do colégio, não é piccola¹? — Sì! — Seus olhos verdes piscaram para mim. — Não se importa de eu cumprimentá-lo, não é? — Não, claro que não. — Ele riu. — Como vai, Nina? — Muito bem, obrigada por perguntar, Vicent. — Ela sorriu. — Tuo marito² precisa me ajudar a encontrar uma nova esposa em alguns dias, tem alguma dica? — Perguntei. Nina Lombardi, filha do homem mais inescrupuloso que conheci, era a mulher mais adorável e doce do mundo. Além de extremamente educada, tinha meu melhor amigo — Henrico Rossi — na palma de sua mão. Principalmente, após encontrar dar à luz a coisa mais linda e perfeita desse mundo — Pietra Lombardi Rossi. Pietra era adorável, com seus cabelos de fogo — idênticos aos da mãe e bochechas rosadas. — Pietra, vá tomar banho com a babá. — Nina mandou, fazendo a mais nova choramingar e pular do meu lado no sofá, antes de subir as escadas correndo. — Na verdade, eu tenho sim. — Ela sorriu fraco. — Minha irmã acabou de completar dezoito anos, é uma moça encantadora. — Não sabia que tinha uma irmã. — Murmurei, a encarando com atenção. Se a outra Lombardi for tão linda quanto a esposa do meu amigo — com todo o respeito do mundo —, eu teria sorte de tê-la ao meu lado para conseguir usar e abusar do seu corpo como eu quisesse. Joguei esses pensamentos para longe da minha cabeça, voltando a encará-la. — Tenho, mas como eu já lhe disse, meu pai é rígido demais conosco e m*l saímos de casa. — Murmurei. — Eu ainda tive sorte de frequentar um colégio particular, minhas irmãs estudam em casa com professoras que aprendem o que o meu pai permitir. — Entendo. — Respirei fundo, encarando a parede. — Grazie³, Ninna! Ela apenas assentiu com a cabeça, murmurou um "com licença" e saiu da sala, deixando a mim e a Henrico sozinhos. O encarei, levantando a sobrancelha sugestivo. — Se machucar a minha cunhada de alguma maneira, sabe que posso esquecer que somos amigos, não sabe? — Ele perguntou. — Está me ameaçando, Enzo? — Levantei a sobrancelha. — Não, Fratello⁴! — Ele me encarou — Porém, a pobre menina já sofreu demais e ainda sofre na mão do pai, não merece ter um crápula como marido. — A coloque na lista e envie um convite para a família dela. — Mandei. — Tenho que ir, tenho alguns negócios a tratar. — Até depois. — Ele Murmurou, enquanto eu me levantava e dava a volta no sofá. Aparentemente, Henrico se importava o suficiente com a cunhada para querer o nem dela. Isso mostrava que a garota deveria ser bondosa, afinal, Henrico não gostava de muitas pessoas e muito menos, as protegia. Mas, se a garota fosse minha, eu não iria querer nenhum figlio di puttana⁵ se metendo no nosso relacionamento. Entrei no meu carro, dando partida e indo para a minha casa — que não ficava muito longe dali, pensando em qual mulher eu dormiria hoje. °• Um dia depois.. | Isabela Lombardi Sentia minhas costas marcadas arderem pelas cintadas que havia ganhado do crápula do meu pai. O choro queria vir novamente, enquanto tentava me demonstrar uma mulher forte e super capaz. Cada parte do meu corpo tremia, quando ouvi duas batidas na porta, me fazendo encará-la com um pouco de medo. — Querida? — A voz de minha mãe soou abafada. Soltei todo o ar dos meus pulmões. — Tuo padre⁶ está esperando na sala, Ragazza⁷! — Já vou, Mamma⁸! — Falei, engolindo o choro. Sai do box e me enrolei na toalha, sem coragem de me olhar no espelho. Abri a porta devagar, observando se mais alguém estava no quarto e sai a passar rápidos até o closet. Optei por um vestido florido, que ia até os meus joelhos e deixava minhas pernas e braços a mostra. Observando daqui, não tinha hematomas aparentes, apenas um ou dois no braço. Nada que meu Papà⁹ repararia e se estressaria. Deixei meus cabelos soltos, sentindo o meu couro cabeludo dolorido pelos puxões que levei. Não passei maquiagem, apenas um pouco de perfume e desodorante. Vesti um par de sapatilhas e sai do quarto a passos lentos, tentando prolongar os minutos. Ao chegar na sala, me deparo com Henrico e mais um homem parados sobre a sala. Meu pai os encarava sorridente, enquanto eu me encolhia um pouco e encarava o chão. Sabia das regras, ah! As regras. "Nunca olhar diretamente para um homem e nem dizer nada, até que esse lhe tenha dado permissão. Abre-se exceção para maridos e filhos, conforme o acordado pela Famiglia." — Olhe para cima, isabela. — A voz de Henrico, meu cunhado, ecoou pelos meus ouvidos, fazendo-me encará-lo imediatamente. Não queria ser punida pelo meu pai. Sabia que, agora, Henrico era um consigliere. Meu pai estava radiante, afinal, era sogro do braço direito do Don, que homem da máfia não desejaria isso? — O que aconteceu no seu rosto? — Ele perguntou, franzindo a testa. Levei a mão até as minhas duas bochechas, desviando meus olhos dos seus e procurando uma maneira de mentir. — Eu cai. — Menti, descaradamente. O homem ao seu lado me encarava atentamente, deu um passo a frente e segurou meu rosto com certa brutalidade, analisando-me mais de perto. — Sou Vicent De Lucca, Don. — Ele disse. — E você? Se apresente, Ragazza. — S-sou Isabela Lombardi, Signore⁹. — Falei, com a respiração falha, tentando encará-lo. — Quanto anos tem? — Perguntou. — Acabei de completar dezoito. — Falei, passando a língua nos lábios. Ele encarou Henrico e assentiu. Meu cognato¹⁰ enfiou a mão em um dos bolsos e puxou de dentro um envelope dobrado, o esticando para mim. — O que é isso? — Meu pai perguntou. — Quando formos embora, você poderá abrir. — Henrico disse. — A menina, eu digo. — Sim, sim. — Meu pai passou a língua nos lábios e assentiu frenético. — Temos que ir, ainda temos que passa em alguns lugares. — Vicent disse, tirando seus olhos de mim. — Grazie, Capo! — Murmurei. — Odio essere toccato dalle mie cose, Carlo. — Ele disse em um perfeito italiano, fazendo-me esbugalhar os olhos, me afastando um pouco dos homens. — Até mais, Isa. — Henrico beijou minha testa delicadamente, antes de saírem. Encarei o papel dourado entre os meus dedos trêmulos, antes de sentir eles serem puxados por entre os meus dedos. — Tinha de vir com todos esses hematomas, não tinha? — Meu pai disse. — Se alguém reclamar de algo, Isabela, eu mato você. Senti meu corpo estremecer, enquanto ele abria o envelope sem qualquer delicadeza. Sua expressão suavizou e um sorriso se formou em seus lábios nojentos. — Parece que você serviu de algo, Figlia. — Ele sorriu abertamente. Ele me entregou o envelope, antes de sair a passos largos da sala, gritando a minha mãe e me deixando sozinha. Comecei a ler as linhas, sentindo-me estranhamente surpresa e com um pouco mais de medo agora. Eu era uma das pretendentes do Capo, e para piorar… eu não tinha escolha. Minha única saída dessa situação, seria a morte. °•°•°•°•°•°•°•°•°•°•°•°•°•°•°•°•°•°•°•°•°•°•°•°•°•° Explicações sobre a Máfia: No topo da hierarquia está o Capo (Vicent De Lucca), coloquialmente conhecido como Don. Por ele passam todas as decisões acerca da família, e para ele devem chegar uma percentagem dos lucros de todas as operações de seus membros; • Logo abaixo do Don, está o Sottocapo (Subchefe; Enzo De Lucca). Serve como substituto temporário no caso da ausência do chefe e também como intermediário entre este e os outros membros abaixo na hierarquia; • O Consigliere (Henrico Rossi) atua como conselheiro do Don, é o único que de fato pode ponderar as ações do chefe, servindo como uma segunda opinião. Normalmente é um posto ocupado por alguém de muita experiência e perícia para intermediar conflitos e negociações; • Subordinados diretamente ao Subchefe estão os Caporegimes, conhecidos também como Capitães ou erroneamente como Capos (como dito anteriormente, este nome designa o próprio "Don"). Cada um destes, comandam um regime ou equipe, que são compostos por soldados e associados. Um percentual de todo lucro obtido por esta equipe é passado diretamente ao chefe da família em forma de tributo; • Os Soldatos ou Soldados, é o posto básico da hierarquia. São membros efetivos da organização, conhecidos como homens feitos. São eles os responsáveis por conduzir as operações nas ruas e executar os serviços de maior importância. O requisito básico para se tornar um m****o efetivo da família é possuir ascendência italiana; Predominante no caso da máfia ítalo-americana, e completa no caso da Cosa Nostra siciliana; • Os Associados são membros externos da organização. Embora não façam oficialmente parte da família, atuam como colaboradores de seus membros efetivos. Dependendo de sua influência e poder, o associado pode atuar inclusive junto aos postos mais altos da hierarquia de uma família. Um exemplo real de um influente e poderoso associado foi Meyer Lansky. Caso a origem de um associado seja italiana, este pode vir a ser convidado a tornar-se um soldado. Observação: Mulheres, raramente, conseguem lugar de poder na máfia, apenas se for a única herdeira e não tiver se casado ainda. (para que isso aconteça, não deve haver a existência de primos, irmãos, tios, avós ou qualquer outro parente homem.) •★• Dicionário: Piccola¹ : Pequena Tuo marito²: Seu marido Grazie³: Obrigado! Fratello⁴: Irmão Figlio di puttana⁵: Filho da puta tuo padre⁶: Seu pai. Ragazza⁷: Moça, Menina, Garota. Mamma⁸: Mãe signore⁹: Senhor Cognato¹⁰: Cunhado. Figlia¹¹:Filha
Free reading for new users
Scan code to download app
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Writer
  • chap_listContents
  • likeADD