**Capítulo 1 - Antonella narrando**
Eu tô deitada na cama, me enrolando no lençol, enquanto observo Toco andando de um lado pro outro na sacada com o telefone colado na orelha. Ele tá inquieto, falando baixo, mas pela postura dá pra perceber que o papo é sério. Quando finalmente desliga a chamada, enfia o celular no bolso e volta pro quarto, ele me encara.
— Que foi, Antonella? — pergunta com aquela cara de poucos amigos, o humor que ele reserva só pros piores dias.
— Eu que te pergunto, tá cheio de marra por quê?
— Problemas, sabe o que é isso? Não sabe, né? Vive na vida boa de madame que eu te dou — solta, com a arrogância no tom.
— Baixa a bola aí, Antônio — retruco, firme.
Ele para e me encara.
— Preciso resolver umas paradas.
— Que parada? Tu tá nervoso demais — insisto, desconfiada.
— Depois da morte do Medrado... — ele começa, mas para, como se escolhesse as palavras. Ele dá um passo na minha direção. — A facção tá no meu pé, cobrando resposta pra tudo.
— Resposta de quê?
— De tudo, Antonella. Tão querendo explicação de todas as movimentações.
— Mas tu não é o dono desse morro?
— Sou, mas perto deles, eu sou só peixe pequeno.
— E que graça tem ser "dono" se tu tem que abaixar a cabeça pra eles? — rebato, estreitando os olhos, provocando.
Ele fica calado por um segundo, me olhando como se tentasse decidir se ia ou não explodir.
— Não me enche o saco com essas perguntas agora, não, mulher — dispara. — Cê sabe muito bem que também tem tua parcela nessa p***a toda.
— Ah, agora tu vai me colocar no meio? — rebato, me levantando.
— Tu é minha fiel, certo? Fechamento total. Não esquece que a gente tem coisa pra c*****o escondida aqui dentro. Ou melhor, que EU escondo pra proteger VOCÊ.
— Não tenta jogar a culpa em mim, não, Toco — falo, cruzando os braços.
— Não tô jogando. Tô sendo realista.
— Ah, claro, "realista". Tu quer botar a merda que tu faz na minha conta. A facção nem sabe que eu existo, e cê sabe disso. Se tão te cobrando, é porque tu tá pisando na bola com eles. Tá perdendo a linha.
Ele respira fundo, visivelmente irritado.
— Preciso descer na boca. Depois a gente conversa.
Ele sai batendo a porta, me deixando sozinha. Vou até a sacada e vejo ele descendo o beco, passando nervoso. Acendo um baseado, puxo devagar e olho lá pra baixo. Ele tá lá, falando grosso com os vapores, gesticulando, dando ordens.
— Que p***a cê tá aprontando, seu filho da p**a? — murmuro, sentindo o peso de uma desconfiança que não consigo ignorar.
Toco tá perdido. Não é de hoje que eu percebo. Desde que o Medrado foi pro saco, ele anda estranho, tenso demais. Tudo bem que o cara era um dos braços fortes da facção, mas ainda assim... algo tá fora do lugar.
Eu trago mais uma vez e penso em tudo o que ele disse. "Tu tem tua parcela nessa p***a toda." Até parece. Quem tá lá embaixo, brincando de chefão, é ele. Quem tá se enrolando com a facção, tentando segurar um título que não vale nada, também é ele. Eu tô aqui, no meu canto, quieta, sem nunca ter me metido diretamente nas tretas dele.
Ou será que me meti?
As palavras dele ecoam na minha cabeça. "A gente tem coisa escondida aqui." Claro que tem. Coisa que, se a facção soubesse, não ia só me colocar no radar deles, mas também botar nossa cabeça a prêmio. O problema é que, por mais que eu odeie admitir, Toco tem razão em uma coisa: eu dependo dele. Essa vida boa que ele joga na minha cara não veio do nada.
Mas até quando essa "vida boa" vai durar?
Lá embaixo, a movimentação na boca é frenética. Vapores correndo de um lado pro outro, entregando e recebendo. E Toco lá no meio, gritando ordens, batendo no peito como se fosse invencível. Só que eu vejo além dessa pose. Vejo o medo por trás da marra, a insegurança de quem sabe que o título de "dono do morro" não significa p***a nenhuma quando os caras grandes entram no jogo.
Eu apago o baseado na beirada da sacada e suspiro. Não dá pra viver assim pra sempre. Uma hora, essa corda vai estourar.
E eu só espero que não seja do lado mais fraco.