—Acabou de adormecer — disse, depois de ter deixado minha menina no seu quarto —. Ela adormece muito rápido, só me pede para contar uma história e seus olhinhos se fecham em poucos minutos.
Will me esperava no escritório com meus documentos na mão.
—Coitadinha, ela se cansou de tanto brincar com o Ben. O cachorro é enorme em comparação a ela — comentou.
—E ela o adora — afirmei, voltando para minha mesa —. Sabe? Ela me pediu para contar mais sobre o Rogelio.
—De novo? Ele também me pediu.
Olho para o quadro que repousa na minha mesa e o seguro entre minhas mãos, olhando a lembrança do meu falecido marido.
—Vera o ama como se fosse seu pai, orgulhosamente carrega o sobrenome dele, como ele queria. Mesmo sabendo que não têm laço sanguíneo.
—É verdade, mas ela é uma menina muito inteligente. Sabe que ele não é o pai biológico, mas ainda assim o chama de papai. O senhor Rogelio ficaria muito feliz.
Os belos momentos com ele nunca me abandonariam.
Ao devolver o quadro ao seu lugar, abri o primeiro documento, enquanto Will começava a me passar um relatório.
—É verdade, três coisas aconteceram enquanto você estava com a Vera.
—Adiante, me diga —respondi, sem tirar os olhos do relatório de vendas da minha recente colaboração com uma marca reconhecida.
—Bem, primeiro; a Zia ligou, diz que já tem os safiras prontos; segundo, o patriarca dos Bercelli ligou novamente e disse que queria se encontrar com você esta noite. Para discutir acordos; e por último, mas não menos importante; o Josh.
—O Josh? Eu pensei que ele estivesse na Alemanha, para a reunião anual que eles organizam.
—Sim, ele ainda está por lá, só queria saudar e saber da pequena. Você sabe que eles são como amigos.
—Suponho —suspirei, terminando de dar uma olhada nos documentos—. Ele é um tanto maluco, mas tem um grande carisma. Imagino que o senhor Bercelli queira discutir os pontos do contrato. A verdade é que espero trabalhar sem precisar ter encontros desagradáveis.
—Você pede o impossível, Ana.
—Nada é impossível, você mesmo dizia que ser modelo não ia acontecer, e você se saiu muito bem no desfile da última coleção.
—Certo, foi por uma emergência, mas veja o que ganhei.
—É admiração.
—Não n**o, mas sinto que enganei aquelas mulheres. A vida é imprevisível, tenho minha caixa de entrada cheia de mensagens de amor das minhas admiradoras, e eu suspirando por um i****a. Com certeza, não voltarei a modelar, e mandarei aquele i****a que não me valoriza para o inferno.
—Bem, não insistirei, mas nunca diga nunca, eu pensei que nunca mais casaria.
—Ana, o seu caso foi especial, além disso, se o senhor me tivesse pedido isso, eu aceitaria com prazer.
Soltei um meio sorriso diante das piadas de Will, enquanto pegava meu celular.
—Com você, a palavra tédio não existe. Agora, gostaria de te pedir um favor. A Vera vai acordar da soneca em uma hora, preciso entrar em contato com o senhor Bercelli, você poderia...?
—Claro que sim, embora o Ben vá me tomar o lugar, mas vá tranquila.
—Você é um sol, Will.
—Eu sei, minha rainha. Brilho com luz própria, mas não mais que você.
—Tão engraçadinho.
...
Depois de entrar em contato com o patriarca dos Bercelli, ele me convidou para visitá-lo em sua casa. Ele era uma pessoa idosa e o esforço na idade dele não era muito recomendado.
Fui recebida por uma das suas empregadas, que abriu os olhos com surpresa, mas me convidou a entrar.
—O senhor vai recebê-la na sala.
—Obrigada.
Só se passaram três minutos, quando ele apareceu atrás de mim.
—Querida Ana! —Me surpreendeu, e imediatamente me levantei do sofá.
—Senhor Bercelli —sorri ao vê-lo com essa atitude tão amável.
Ele me abraçou como se eu realmente fizesse parte da sua família, quando na verdade não fazia.
—Deixa eu te ver —pediu, afastando-se para me ver em detalhes—. Você está linda. Me lembra sua avó.
—Eu não cheguei a conhecê-la, mas se você diz, confio em suas palavras. Aliás, não vi sua esposa.
De repente, ele mudou sua expressão para uma de desconforto.
—Bom, querida... Acho que você conhecia um pouco da atitude da Mérida, nós nunca conseguimos nos dar bem, e apesar dos anos de casamento, nunca houve amor verdadeiro. Simplesmente não quero passar meus últimos dias ao lado de uma mulher como ela. Eu sei que posso ser c***l, ela é mãe do meu filho, mas eu não consigo mais me enganar.
Eu entendia perfeitamente o senhor. A senhora Mérida sempre foi uma mulher orgulhosa, que até gostava de humilhar.
—Prefiro passar meus dias em solidão, do que em um casamento amargo, mas não falemos mais de mim —ele me convidou a sentar novamente—. Sei que você está indo muito bem profissionalmente, embora não saiba nada sobre o resto.
—Estou bem, minha vida nunca esteve mais perfeita do que agora.
—A última coisa que soube de você foi que você se casou e logo enviuvou, você voltou a...?
—Não, e na verdade não estou procurando um marido, acredito que sou capaz o suficiente para viver sem um esposo.
—É um bom ponto, embora admita que nunca concordei com a separação que você e meu neto tiveram.
—Esses são assuntos do passado, senhor. Estou aqui apenas por um assunto profissional.
—Até em caráter você é como sua avó, entendo, não vou te sobrecarregar com minhas perguntas. Então, vou direto ao ponto. Ofereço metade das minhas ações na empresa para você.
—Como!?
Diante da oferta, quase engasguei com minha própria saliva.
—A metade?
—Bem, com a crise nos assombrando, as ações têm caído, e prefiro dar para alguém que vai utilizá-las bem. Lamento ser eu a dizer isso, mas Belial tem arruinado tudo o que construí. Desde o divórcio entre vocês, só tem tomado más decisões, e essa última nos custou muito dinheiro, por isso entrei em contato com você. Você é a única que pode nos ajudar.
—Mas metade das suas ações? O que os outros vão dizer?
—Ninguém poderá te dizer nada. É minha decisão.
Pensei com calma e soube que era uma boa oferta.
—Está bem, vou aceitar, mas quero que sejam feitas mudanças importantes na empresa.
—Claro, todas as suas decisões serão minhas ordens. Você será apresentada oficialmente amanhã.
Ciente de que talvez tivesse que encontrar Belial e sua maldita esposa, me apresentei sem medo algum, não era eu quem deveria abaixar a cabeça. Isso era apenas um trabalho.
Por ter que levar minha filha para a escola, me atrasei alguns minutos além do esperado, porém, cheguei, e a secretária me conduziu para a sala de reuniões, onde as portas se abriram para algo inimaginável.
Imediatamente, todos prestaram atenção em mim, alguns sorriam, outros estavam completamente sérios, e um em especial nem me olhou, mas ao ficar na frente deles, aquele rapaz levantou seus olhos e encontrou os meus por alguns instantes, mas da mesma forma, me dirigi aos outros sem me preocupar com ele. Eu estava aqui para fazer meu trabalho, e assim seria.
—Ouvimos falar do seu trabalho, ficaremos encantados em ter alguém tão importante como você na Bercelli —disse uma das senhoras, depois que fiz minha apresentação.
—É um prazer saber disso.
—Bem-vinda, senhorita Ana.
Fui apertando as mãos daqueles que se aproximavam, incluindo a secretária, até que finalmente a sala ficou quase vazia, digo quase porque alguém permaneceu de costas na cadeira.
É claro que era de se esperar, mas eu não ia jogar o jogo dele, então saí. Planejava ir para o que seria meu novo escritório.
Foi no meio do caminho que notei o sombrio do lugar. Era como um lugar assombrado. Não havia muitos funcionários, eles teriam sido demitidos? Estavam tão m*l assim?
Peguei o elevador que me levaria ao meu andar, e quando as portas se abriram, apenas algumas pessoas me receberam.
—Bom dia, vocês estão em horário de descanso? —perguntei antes de tirar conclusões.
—Não, senhorita, recentemente muitos perderam seus empregos, nós somos parte dos que ficaram.
—Oh, bom... Certo, continuem com o que estão fazendo. Vou chamá-las depois, vou dar uma olhada no meu escritório.
Assim que entrei, respirei fundo.
—Será que tomei uma boa decisão? Este lugar está...
O barulho que minha porta fez ao bater na parede me fez dar um salto de susto.
Belial estava na minha frente, segurando a porta com uma mão e com a outra fazendo um punho.
—Você pode me dizer o que está acontecendo? Como ousa entrar sem bater?
—Faço o que eu quiser porque sou o presidente da Bercelli! E porque me dá na telha!
Franzi a testa e, batendo na mesa com a palma da minha mão, o encarei desafiadora.
—Vejo que você continua sendo o mesmo m*l-educado e arrogante, você é como uma semente m*l plantada. Não cresce, o que você quer?
—Aqui você não vai me insultar, Ana. Talvez você tenha o favor do meu avô, mas eu também sou seu chefe.
—Certo, mas me diga, que mérito você fez para conquistá-lo? Você se candidatou como outros funcionários fazem?
—Não venha falar de benefícios para mim, você é a menos indicada. Tem o dinheiro do seu falecido marido, nem precisa trabalhar.
Não pude evitar, então ri sem me importar com sua cara vermelha de raiva.
—Certo, eu tenho dinheiro, mas por acaso vou me sentar e contar? Eu não sou acomodada.
Pela expressão dele, parece que acertei em cheio, sendo esse o momento em que ele fechou a porta atrás de si, se aproximando para me ver com mais detalhes.
—Está claro que você não é acomodada. É apenas uma mulher que aproveitou a oportunidade de se casar com um homem moribundo para ficar com seus milhões.
De jeito nenhum eu ia ficar calada, ele jogou a pedra, mas eu ia bater com a rocha.
—Você se refere a mim como oportunista, mas e você? Porque eu só vejo um filho de papai, cujo único mérito foi nascer sob o sobrenome mais importante deste país —ele ficou em silêncio—. Talvez eu tenha sorte, mas não fiquei estagnada, senhor. Trabalhei para conquistar, não deixei as coisas virem até mim. Agora, se me permite, vá embora, tenho trabalho a fazer.
Belial retrocedeu um passo e negou com a cabeça.
—Não te reconheço.
—Ótimo, o mesmo acontece comigo em relação a você —forcei um sorriso—. É isso que combinamos, não é?
—Costumava ser mais amável, sua única virtude.
—Não, isso não era ser amável, era ser conformista e medrosa, razão pela qual desenvolvi outras virtudes, uma delas sendo o motivo de eu estar neste lugar.
—Imagino, você é rápida para mudar, assim como não esperou nem um dia para se casar com outro. Você fingiu decepção e dor, quando com certeza já tinha um amante antes do divórcio.
—Não tenho que te responder isso. É minha vida pessoal.
—Bem, lembro que sua vida pessoal era minha, você foi minha esposa e, mesmo que doa, essa lembrança pesará para sempre.
Apertei minha mandíbula, mas mantive o controle. Ele só queria me provocar.
—Tudo bem, mas aquela vida deixou de ser sua, porque depois pertenceu a outro, além disso, você tem muita cara-de-p*u de me falar disso, quando você também se casou.
Então, ele piscou, desconcertado.
—O quê?
—Por favor, não finja surpresa, isso saiu nas notícias.
—Você deve estar alucinando.
—Agora a louca sou eu.
—Bom, é o que eu acredito. Eu não me casei com ninguém depois de você.