Superar etapas

2515 Words
Acreditando que não teria que voltar a ver Belial, tentei manter minha mente ocupada na universidade. Estava perto de fazer as provas, e logo teria que apresentar meu trabalho de pesquisa, mas o pensamento de encontrar um emprego não saía da minha mente, caso contrário, o dinheiro que tinha economizado iria embora. Então, com toda a atitude do mundo, e após terminar minhas aulas, saí da universidade, sem imaginar que enfrentaria meu pesadelo. —Você está satisfeita agora!? Uns braços me surpreenderam enquanto eu caminhava distraída pela calçada. —O— o que aconteceu, Belial? —Era o que você queria! Conseguiu! Você me ferrou! Eu não entendia. Seu olhar era aterrorizante, como se estivesse injetado de sangue e as veias em seus braços estivessem dilatadas. Nunca o tinha visto tão furioso. —Não tenho tempo para você, adeus. —Ela perdeu o bebê! —gritou com tanta força que muitos ouviram—. Você fez com que o meu filho morresse! Depois de insultá—la, fez com que ela ficasse doente e... isso eu nunca vou perdoar, Ana! Qual era a culpa do meu filho? Qual era a culpa dele!? Você me destruiu! —Ela perdeu o bebê... —murmurei surpresa, mas com uma estranha sensação de medo, ao pensar que eu poderia passar pelo mesmo—. Não venha me culpar por algo que eu fiz. —Então, quem fez isso!? —sua raiva o levou a sacudir meus ombros—. Era o meu filho! Você sabe como me sinto? —Já chega... eu não fiz nada! —quando finalmente consegui que ele me soltasse, senti uma dor no meu ventre, uma que consegui disfarçar—. Vá culpar outra pessoa, eu não tenho nada para conversar com você. Ele entrou em seu carro e saiu atrás de mim. —Ana! Eu ainda não terminei! —Já disse que não te conheço! Dessa forma, fui embora sem olhar para trás, mas ao descobrir que ele estava me seguindo, senti as pontadas no meu ventre aumentarem. Eu tinha que encontrar uma maneira de perdê—lo de vista, ele não podia saber da minha gravidez. Então, comecei a correr, mas sem perceber, acabei trombando em algumas pessoas, meus óculos caíram no chão e uma delas me olhou com espanto. Era uma ruiva que já tinha visto antes, mas assim que peguei meus óculos, escapei. Quando finalmente consegui despistar Belial, me apoiei na parede de um beco, no entanto, a dor aumentou e olhei para baixo, percebendo que minhas calças estavam manchadas de sangue. —Meu bebê... —sussurrei, sentindo que estava ficando sem ar—. Meu bebê... Ai! —solucei com a dor cada vez mais intensa. —Sem clientes novamente... Que ótimo dia! Uma voz reclamando de seu dia r**m surgiu pelo corredor, me encontrando encolhida de dor. Era uma mulher bastante maquiada e com uma vestimenta sugestiva, mas ao ver meu estado, ela correu para me ajudar. —Ei, o que aconteceu com você? Meu Deus, você está perdendo muito sangue! —Meu bebê... —consegui dizer apenas—. Me ajude, por favor... Depois disso, perdi a consciência e não me lembro como aconteceu, nem como cheguei lá, mas ao acordar me deparei com olhos verdes verificando meu estado. —Você acordou, não se mexa, vou chamar o médico. Aquele cara foi embora e voltou com o médico que eu já conhecia, também amigo de Rogelio. —Ai, Ana, que susto você deu. Então, lembrei—me. —Meu bebê! Como está meu filho? —Agora descanse. Você teve um risco de aborto por estar sobrecarregada de estresse, e sua doença também não ajuda muito. Você está com apenas quatro meses de gravidez e veja como está... Ana, não vou mentir para você, as coisas vão ficar piorando. Sei que a morte de Rogelio também não tem sido fácil de aceitar. —Mas meu bebê... —Sim, ele ainda está vivo —respondeu resignado, compreendendo que meu único interesse era a vida do meu filho. —Então, se ela está preocupada com o filho, também deveria se preocupar com você —acrescentou aquele sujeito de olhos verdes—. Lembre—se de que o bebê sente tudo o que você passa. —Quem é você? —perguntei. —Oh, ele é Josh, residente de medicina. —Nunca o tinha visto. —E falando em ver, a mulher que te trouxe está esperando na sala. Você teve sorte de encontrá—la —ele comentou. Lembrei—me da mulher de cabelo avermelhado e pedi ao médico que permitisse a entrada dela. —Tem certeza? Ela não parece confiável. —Se ela me trouxe e está me esperando, é o suficiente. Rendido, ele concordou e se afastou, me deixando sozinha com aquele cara que lia meu histórico médico. —Estou tão m*l assim? —perguntei sem olhá—lo. —Bem, o que posso dizer? Uma mulher grávida com Leucemia não é algo que se veja todos os dias. —Você é bem delicado ao falar as coisas —soltei um pequeno sorriso. —Sim, já me disseram isso —ele devolveu o sorriso—. Às vezes, com o tempo, a gente vai perdendo as emoções. —Tomara que isso aconteça comigo. —Deixe—me adivinhar, problemas com o pai do seu filho? —Não quero falar sobre ele. —Então acertei, mas sabe uma coisa, eu também tive um relacionamento sério, ela me deixou por causa do pouco tempo que eu tinha, na verdade, pensei que me sentiria vazio, mas eu foquei minha vida em ser o profissional que eu quero ser. Você tem uma vida crescendo dentro de você, não procure fora o que você já tem consigo. Ele deixou meu histórico na pequena mesa, planejava seguir com sua jornada, mas justo quando estava na porta, ele parou. —Olhos bonitos, não apague seu brilho. E quando ele saiu, vi a mulher que entrou com certa desconfiança, até que ela me viu. —Ai mulher! Quase desmaiei quando te vi com tanto sangue.. Tinha que agradecer a ela, ela havia salvado minha vida, estivemos conversando por um bom tempo, e aos poucos ela ia me agradando mais, mas lembrei de Will e soube que deveria ligar para ele. Efetivamente, assim que ele ouviu minha voz e soube do que tinha acontecido, foi me ver. O olhar de preocupação, era o mesmo com que ele via Rogelio, parecia temer o pior, mas eu não iria desistir facilmente. Quando finalmente fui liberada, deixaram claro que eu deveria ser muito cuidadosa com minha gravidez, então nos próximos dias, Will me acompanhou à universidade, eu já havia perdido aulas e só me restavam as provas para recuperar minhas notas. Cada vez faltava pouco para conquistar meu diploma e dizer que consegui... O mesmo que direi quando essa doença desaparecer do meu corpo. O otimismo tinha que continuar, afinal, ainda não morri. Foi uma manhã em que Will não havia chegado para me acompanhar no caminho de volta para casa. Parecia que ele tinha tido um problema pessoal, então ele me ligou para se desculpar, para mim não tinha problema nenhum, afinal, que problema ele poderia ter? De repente, uma notificação chegou ao meu celular, as notícias nunca paravam, mas ao ver a capa, minha pele arrepiou. —Ele se casou —disse em palavras quase inaudíveis, mas isso era algo que ia acontecer, não tinha motivo para me surpreender. Eles eram iguais. Eu estava na calçada tentando encontrar um táxi, quando percebi uns uivos lastimosos, levada pela minha curiosidade entrei num beco sujo, onde numa velha caixa de papelão havia um pequeno cachorro cheio de lama e aparentemente com muita fome. —Oi pequeno, está sozinho? Esse m*l conseguia abrir os olhos, de tão sujos que estavam. —Também te deixaram sozinho, não é? Sei como pode ser, no começo dói, mas quando menos espera, alguém chega. Pegando—o nas minhas mãos, tirei—o da caixa, era um filhote de Husky, não entendia como alguém poderia abandonar um animal tão bonito, mas essa não foi minha única surpresa, meus olhos não puderam acreditar, quando ele abriu totalmente os olhos, revelando a coloração azul e verde em cada olho. Era como eu, e imediatamente me senti mais identificada. Meu peito doeu e não pude evitar lembrar da minha situação, o pequeno animal representava o que haviam feito com minha alma. Suja, abandonada, maltratada, mas com vontade de viver, e assim seria. Levei o filhote para casa, tendo a surpresa de encontrar Will e o advogado do meu falecido marido. —Aconteceu algo? —Aconteceu tudo, Ana —disse Will animado—. O advogado do meu senhor trouxe esses papéis. Neles fica claro que você é dona e senhora de tudo. —Dona? Não entendo. —Um juiz ordenou que os intrusos se retirem —com lágrimas nos olhos, Will me abraçou—. Ana, você é a herdeira absoluta. De repente, o advogado começou a explicar tudo. —Essa família queria se aproveitar da sua fraqueza. Eles fizeram Rogelio assinar uns papéis, ele sempre suspeitou que um dia os usariam para algo r**m e não estava errado. Então eu tive que fazer com que esses papéis fossem invalidados, para apresentar o último desejo do meu cliente. Eu ainda estava surpresa. —Isso significa que... —Você pode deixar esse lugar e voltar para sua casa, sua vida. Senhora Ana Ardley. Eu jamais iria esquecer de Rogelio, que mesmo não estando neste mundo, continuava me ajudando. Jurei a mim mesma que nunca abaixaria a cabeça, que me esforçaria o dobro. Era hora de enterrar o passado. ... Assim, depois de tanto esforço, me formei, era uma mulher que nem a doença conseguiu deter. Os meses foram passando, meu ventre ia tomando forma, assim como as manchas no meu corpo aumentavam. O cansaço era dobrado, o desconforto não abandonava meu corpo, tudo indicava que eu não conseguiria, mas eu tinha decidido alcançar, nada ia me derrotar. E enquanto nas notícias Belial aparecia junto com Ratja, e de como o negócio estava indo bem, além de serem um casal muito unido, eu tive meu bebê. Debilitada e quase à beira da morte, meu único suporte foi ver minha filha entre meus braços. Ali eu tinha meu motor. —É uma linda, bebê —disse a médica que colocou minha filha no meu peito. As lágrimas foram inevitáveis e chorei com força, consegui segurá—la enquanto ela chorava para encher seus pulmões. —Está tudo bem, está tudo bem... —repeti, aconchegando—a no meu coração—. Mamãe está aqui... mamãe não deixará que seu choro não tenha consolo, mamãe vai te proteger, mamãe vai te amar para sempre. Pouco a pouco, o seu choro foi cessando, e instintivamente embalei—a com o amor do meu coração. —Você é o meu brilho do sol... O meu único brilho do sol... Você me faz feliz quando o céu está cinzento... Você nunca saberá, meu amor, o quanto eu te amo... Por favor, não tire o sol de mim. ... O tempo passou, e a minha vida não parou. Trabalhei para me superar e venci a minha doença. Eu podia enfrentar o mundo, e o meu trabalho era amplamente reconhecido, os meus desenhos eram considerados refinados e requintados. Um gosto que despertava o interesse de mais de uma empresa de moda. Eu tinha tudo, e era feliz. —Ana, posso entrar? Deixando o pequeno quadro na minha secretária, assenti. —Sabe que sim, Will. Ele entrou com alguns papéis, percebendo o meu sorriso radiante. —Vejo que está muito feliz. — E como não estaria? O último desfile foi um sucesso, mas sabe? Estou pensando em aceitar a proposta de uma das empresas que me ligou, poderia fazer uma colaboração especial. —Sobre isso... Chegou isso — ele me entregou um documento que, ao ver as iniciais, reconheci o logotipo. — Bercelli? Não entendo. — Parece que o presidente não saiu bem. Nos rumores, dizem que ele está literalmente falido, muitas pessoas perderão seus empregos. —Como pode ser? Há pouco tempo eles anunciaram a nova coleção. —Foi um fracasso. As perdas foram milionárias. Agora o seu ex—marido, digo Belial Bercelli, está prestes a falir a marca. — Uau... — fiquei surpresa. — E isso é enviado por ele? —Não, na verdade acho que nem está sabendo, esse documento é enviado pelo patriarca dos Bercelli; o avô de Belial. Ele está pedindo a sua ajuda. —A minha ajuda? Deve ser uma piada. O patriarca foi o único que me aceitou com prazer nessa família, e tenho carinho por ele, mas... Me pedir isso? É um absurdo. —Quando o potencial é alto, se reconhece. Você é uma ótima designer e tudo o que faz com as suas mãos se torna um sucesso. —Mas o que vai acontecer quando eles virem a Vera? —Ninguém sabe que você teve uma filha, e nem precisam saber. Will estava certo, seria apenas trabalho, mas mesmo assim, tinha propostas melhores. Se Belial tinha se metido nesse problema, que o resolvesse sozinho. De repente, Will foi surpreendido por uma ligação. —É o patriarca dos Bercelli — ele me disse ao ver o número. — Eu dei o meu número, não pensei que ele ligaria, eu atendo? — É um homem mais velho e é o único dessa família que não me fez nada. Faça isso. Will atendeu e imediatamente me entregou o seu celular. —Ele quer falar com você. Aceitei responder, apenas por respeito, e ouvi depois de anos a voz do senhor. —Ana? —Senhor Ber, há quanto tempo? —Querida Ana, fico muito feliz em receber a minha ligação. Imagino que já saiba pela crise que estamos passando. —Estou a par, não sabe o quanto sinto muito, mas sobre a sua proposta... —Ana, eu imploro, Bercelli é uma marca que fundei quando ainda era solteiro, não quero morrer vendo a minha empresa ruir. —Senhor... —Rogo a você, Ana. Somente as suas mãos podem nos ajudar. Eu não sabia o que responder, mas foi nesse momento que as portas do meu escritório se abriram, revelando um rosto cheio de felicidade ao lado do cachorro que corria pelo meu escritório. —Mamãe! —Você está ocupada? — ele perguntou sério. —Eh... Está bem, eu aceito — respondi apenas para evitar que ouvisse a voz da minha filha. — Amanhã estarei em “Bercelli”. Desliguei e só então percebi no que havia me metido. —Mamãe, quem era? A minha filha de cinco anos tinha todos os meus traços, exceto pelos meus olhos, que eram iguais aos do pai dela. Azul claro. —Trabalho, minha filha. É apenas trabalho, nada com o que se preocupar. Bom, era isso. Não importa quem estava na minha frente, eu sou uma profissional, os meus desenhos são os melhores e tenho muita confiança em mim. Eles são apenas mais um cliente.
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