Capítulo 01

1679 Words
“Uma mulher como você e um homem como eu não se esbarram muitas vezes na face da Terra.” - Joseph Conrad ✽ ✽ ✽ KALI LEMAIRE — Tudo pronto? — Sim, Donovan. Pego a maleta com o mostruário de joias e entrego a Wells, que leva até o carro blindado que irá nos conduzir a Vancouver. — Lembra do que eu disse? — Donovan pergunta outra vez enquanto me segue até a saída da joalheria, onde paramos no carpete estampado com uma flor de lis. A Splendor possui esse logotipo como uma referência a monarquia francesa, dona de grande influência aqui pelas províncias do Canadá. — Nada pode dar errado — repito. — É isso aí! Eu não vou tolerar erros, Kali. Em pouco tempo, você se tornou uma das minhas melhores vendedoras, por isso eu quero que você vá. Não ouse me decepcionar agora. Olho para ele, colocando as mãos nos seus ombros. — Você quer fazer o favor de relaxar? Vai dar tudo certo. — Essa vai ser uma das compras mais importantes! É do Andy Montgomery que estamos falando, o Insig... — Eu sei. E também estamos falando de mim, a pessoa em quem você precisa confiar. Ele sorri. — Você tem razão. Boa sorte. — Obrigada. Donovan é um doce, mas às vezes é exagerado demais. Não o culpo. A pressão de ser o nosso gerente não deve ser fácil de lidar. Desço os três degraus e vou na direção do carro. Wells — um dos seguranças e motorista — ja está a postos no volante; Jason no banco de trás e Miller, o terceiro segurança, me ajuda a subir no banco do carona. Em seguida, ele se senta ao lado do Jason e Wells dá a partida. — O Donovan te encheu muito? — Um pouquinho. — Não seja boazinha — Miller intervém do banco de trás. — Huum... — Abro um sorriso. — Ele só está nervoso. — Ele É nervoso — diz Wells —, o cara parece uma dinamite a ponto de explodir a qualquer momento. — Eu acho que é só o jeito dele. Parece que todo mundo fica meio nervoso quando o sobrenome "Montgomery" está no meio. — É mesmo. Vocês viram a notícia que saiu sobre ele? — Eu não. — Eu vi. Quer dizer, a minha mulher me mostrou — Miller explica —, o cara teve coragem pra chamar ele de louco, mas não teve pra se identificar. — Eu acho que talvez não se identificar faça parte da jogada. Olho para Wells. — Como assim? — O Montgomery com certeza sabe quem é esse cara que falou dele... se o que o o****o afirmou sobre os dois terem se encontrado for verdade. — Uhum... — murmuro, tentando compreender. — Acontece que os dois podem ter se desentendido e o i****a fez algum tipo bem covarde de vingança — Vingança... — pondero. — É, tipo um aviso. Pro bilionário ficar esperto. Bem baixo da parte dele. Mas tem sentido, vocês não acham? — É, pode ser. — Você é mais fofoqueiro do que a minha mulher — Miller provoca. Wells ergue o dedo do meio para ele. Jason continua em silêncio o restante do trajeto. Ele é desse jeito: quieto, introvertido. Ouvi sua voz pouquíssimas vezes durante os meses em que trabalho aqui e não sei quase nada sobre meu colega. Mesmo assim, tenho o costume de sempre olhar para trás para checar se está tudo bem. Ele nunca diz nada, apenas me olha e sorri de canto como em agradecimento. É impressionante como um sorriso, mesmo que sutil, consegue demonstrar tantas coisas para quem se atenta a observá-lo. ✽ ✽ ✽ — O senhor Montgomery teve um imprevisto, senhorita Lemaire. Mas já virá ver você. Pode aguardar aqui. — Tudo bem. — Sorrio para a mulher de óculos e coque alto. — Foi com você que eu troquei os e-mails? — Ah, foi sim. Muito prazer, eu sou Petal Jones. Aperto sua mão. — O prazer é todo meu. Ela sai, me deixando sozinha no grande escritório — grande demais para uma pessoa só, a propósito. Então é aqui que tudo acontece. É aqui que muitos repórteres já tentaram entrar; que todos os meus colegas gostariam de vir. Mas a ganhadora do privilégio sou eu. Não tem muita coisa além de paredes de vidro, um aquecedor, cadeiras de couro branco e uma grande mesa com um Macbook, celular, pastas e uma garrafa de cristal com o que julgo ser whisky. Sinto meu coração acelerar. "Ah, não." Por que diabos ele precisa ter bebida aqui? Mordo o lábio inferior. "Respira fundo, Kali. Se concentra. Você pode controlar. Você pode!" Desvio minha atenção para um quadro que está a minha esquerda. Percebo, então, que não é uma pintura. E sim um desenho. Uma coruja. Não é realista, mas continua sendo impressionante a firmeza dos traços e o uso das cores. Tudo com muita personalidade, porém sem assinatura. "Por que o Insigne Bilionário com seu dinheiro para comprar toda uma galeria teria um simples desenho como peça de decoração?" — Desculpe o atraso. Me viro ao ouvir uma voz forte e masculina. Junto a ela, sinto um perfume de orvalho. Andy Montgomery. Eu já havia visto fotos dele antes, claro, mas vê-lo assim tão perto é incomparável. Seu terno é impecável, arrisco afirmar que foi feito sob medida para o corpo atlético. O cabelo castanho claro não exibe nada de topete, nem mesmo foi penteado para trás: é longo e cai sobre seus ombros de um jeito meio bagunçado. A barba, por outro lado, é muito bem aparada. Bonito, muito bonito... Parece mais um guerreiro medieval do que um empresário. Dono de uma beleza rústica e exótica. Ele se aproxima de mim com uma expressão feroz, e de repente, me sinto um cordeirinho esperando pelo ataque do lobo. Mas me mantenho onde estou. — Eu tive um imprevisto. — Acontece. Sempre tive curiosidade de saber a cor dos seus olhos. Com ele tão perto, posso ver que são um mistério, assim como o próprio Andy. Nas fotos, eu podia jurar que eram âmbar. Aqui, vejo que possuem um tom de verde esmeralda. Posso ver sua fúria neles. Seria por conta da notícia que os rapazes mencionaram? — Andy Montgomery — se apresenta ao mesmo tempo em que me estende sua mão. Cumprimento-o. — Kaliyah Lemaire. — Sente-se, senhorita Lemaire. Faço isso, e ele se acomoda a minha frente. Destravo a maleta assim que coloco-a sobre a mesa, onde noto que há uma rachadura no vidro. Percebo também que a mão esquerda do Insigne B. está enfaixada. "Não deve ser mera coincidência..." Ouço a garrafa de whisky ser aberta, e o cheiro do álcool vem até mim. Respiro fundo para me acalmar — uma burrice, porque inalo ainda mais o aroma. O barulho do líquido sendo despejado no copo com gelo me desperta uma vontade avassaladora. A culpa vem juntamente ao desejo de tomar uma dose. — Whisky? — Andy oferece. "Ah, não, não, não, não. Você consegue, Kali, você consegue. Você é forte. Vamos lá!" — Na... não, obrigada. Suspiro de alívio. Eu consegui recusar! Com a maleta já aberta, retiro as caixas de veludo preto que contém os colares. — O senhor, então, precisa de um colar... deve ser pra alguém muito especial. — É, sim. "Huuum..." — Pra que tipo de evento seria? Uma formatura, um casamento... — Um aniversário. "Um aniversário?!" — Certo. O copo de whisky parece brincar comigo... me provocando, me desafiando a resistir a ele. Tento focar no que preciso fazer. Levanto a tampa de uma das caixinhas e Andy observa a peça com interesse, passando a mão pelo queixo. Ergo um dos colares. — Ahm... Bem, pérolas. São... são um ótimo exemplo de sofisticação — É muito bonito. — É, sim. Esse é um colar triplo, feito com pérolas Akoya. Elas tem um diâmetro menor em comparação as tradicionais e... e... Engulo em seco. Não consigo me concentrar. Quero beber, PRECISO beber. Noto que Andy me olha com estranheza. "Ai, não." — Tudo bem, senhorita Lemaire? — S... sim?! — Você parece nervosa. — Eu estou bem. Onde estávamos? — Pérolas Akoya. — Ah, claro, eu... eu... Só me dá um instante. Preciso sair daqui. Não posso beber, não depois de toda minha luta para ficar sóbria... Mas preciso realizar essa venda. Preciso ficar aqui, mesmo que diante da tentação. Preciso me manter forte. — Você tem certeza que possui a aptidão necessária pra esse trabalho? — A voz dele me desperta. Percebo, então, que me observa com descaso. — Desculpe? — Você não me parece muito bem preparada. Minha situação vai de mau a pior. A bebida fica cada vez mais convidativa. — Eu trabalho com isso há anos, senhor Montgomery. Conheço cada uma dessas peças. — Não é o que parece. Uno as sobrancelhas. — O que você quer insinuar? — Eu sou um homem ocupado, senhorita Lemaire, e não tenho tempo pra enrolação de uma vendedora destreinada. Tenho uma agenda lotada... Compromissos. Me sinto enjoada de repente. — Eu não sou destreinada. Sei muito bem o que faço e como devo fazer. — Então pode me explicar o que acontece aqui? Porque a sua falta de atenção e o pouco caso que fez ficaram bem nítidos. Seu tom é mais alto agora, cortante. "Isso não pode ser sério." — Eu só tive um problema, senhor. Apenas um problema. — Devia ter resolvido antes, então. Sinto meus olhos marejarem. "Não, eu não vou chorar. Não aqui." Ajeito minha postura, olhando nos seus olhos. — Eu acho que cometi um erro vindo até você. Minha voz sai carregada de desprezo. Pouco me importo. — Eu também acho. A raiva que ele me transmite, mesmo que eu não queira admitir, é dolorosa. Suas palavras são ditas de forma tão dura e grosseira que me surpreende alguém com esse tipo de comportamento ser tão admirado. — Vai pro inferno! E finalizo nosso breve encontro me levantando e dando-lhe as costas.
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