Capítulo 04

1402 Words
“O perdão é o perfume que a violeta espalha sobre o pé que a esmagou.” - Mark Twain ✽ ✽ ✽ KALI LEMAIRE Não bastou o nosso encontro caótico na matriz da Magnificence naquele maldito dia. Não, não bastou. Ele ainda precisa vir aqui no meu emprego sapatear em cima da minha derrota. Será que veio reclamar sobre nossa discussão? Veio exigir que eu seja demitida? Veio me processar? Droga! Não vou dizer que não pode ficar pior, pois sei que pode. Giro meus calcanhares, pretendendo voltar de fininho e não aparecer até o ilustre visitante ir embora. Porém, a voz do Donovan me impede: — Kali, venha aqui. Viro de frente. Meus colegas pararam tudo o que estavam fazendo para ficar ao redor do sr. Montgomery, que de braços cruzados observa todos os cantos da joalheria. E então, ele me olha. Há um homem asiático ao seu lado, que suponho que seja seu segurança. — Você precisa de alguma coisa, Donovan? — pergunto, indo até a entrada como quem não quer nada quando tudo o que quero é sumir daqui. — Sim. Cumprimente o senhor Montgomery. Ele pegou um avião só por causa da Splendor. Nunca vi um homem com um sorriso tão ensaiado quanto o do meu chefe neste momento. Chega até a ser um pouco ridículo. Mas é isso o que dinheiro faz, afinal. Como meu pai sempre me diz: "uma grande quantidade de notas pode comprar uma grande quantidade de almas." Com a expressão mais natural possível, desvio minha atenção para Andy, notando que sua mão direita permanece enfaixada. — Olá, senhor. — Senhorita Lemaire, é um prazer revê-la. "Duas caras!" — O senhor Montgomery estava me contando sobre o encontro de vocês — Donovan explica. Arqueio uma sobrancelha, olhando diretamente para os olhos claros do meu problema. — Ah, sim?! — Sim. Kali, por que você não me contou? É agora que eu entro pelo cano? Sim, é agora. — Porque eu não queria perder o meu emprego! — Perder o seu emprego? — Sim. Donovan gargalha alto. — Por persuadir o Insigne Bilionário a vir até a nossa loja?! Depois dessa você vai ganhar é um aumento, garota! "Ok, é oficial: alguém enlouqueceu aqui." Provavelmente fui eu. — Pois é — Andy concorda —, a senhorita Lemaire foi tão gentil e eficiente em me mostrar as peças e todos os detalhes, que fiquei tentado em vir até aqui conferir de perto. Por isso eu adiei a compra. Vou realizá-la agora. Lentamente, começo a entender. "Ele está... me ajudando?" — O senhor Montgomery faz questão de ser atendido por você, Kali. Pisco algumas vezes, ainda raciocinando tudo. "Só pode ser piada." — Eu estou resolvendo uma questão com outro clien... — Kaliyah. Atenda. Ele. Agora — Donovan ordena baixinho, entredentes. — Ahm, claro. Pedindo assim com tanta gentileza... — Olho para o sr. Montgomery. — Me acompanhe. Passo para o outro lado do balcão de vidro, sentindo vários olhares curiosos em nós dois. — Pode me esperar no carro, Bran. — Ele diz para o segurança, que obedece sem hesitar. — Um colar, certo? — indago. — Isso. Paramos em pérolas Akoya. Procuro algum sinal de deboche no seu rosto. Mas não há nada. Ele fala sério. Coloco o expositor em forma de b***o em que está o colar sobre o balcão. — Essas pérolas são de água salgada, cultivadas mais no Japão e na China em ostras perlíferas, as menores do mundo. Por isso o tamanho. Percebo que ele parece muito interessado não só na peça, mas também na minha explicação. Me sinto bem por isso. Me sinto capaz novamente. — Temos vários tipos de pérolas. As Tahiti... — Quais as suas favoritas? — Huum, as barrocas. Ao invés de mostrar outro modelo, afasto um pouco o tecido da minha blusa para que meu colar fique mais visível. — Essas são tanto da água doce quanto da salgada. Não têm uma forma definida, já que não adquiriram cem por cento do formato esférico. E possuem vários tons. Com os corpos pouco afastados pela bancada, congelo quando seu rosto vem na minha direção. Seus olhos, muito verdes e muito atentos ficam a centímetros do meu queixo, observando logo abaixo meu colar como um verdadeiro especialista faria. Seu hálito quente aquece minha pele exposta. E olho para outro lugar o mais rápido possível, nervosa com tanto atrevimento. — E por que você gosta? — pergunta, finalmente se afastando e me permitindo recobrar a postura. — Porque são diferentes. Rústicas e ao mesmo tempo delicadas. A imperfeição é o que as torna tão bonitas, na minha opinião. Seu olhar, de repente, fica perdido — o mesmo olhar de alguém que se recordou de alguma coisa importante. Bom, apenas suponho, na verdade. Se dando conta da distração, Andy volta a se concentrar no assunto: — Eu não acho que a minha irmã goste muito de pérolas. Uma irmã... Eu nunca tinha ouvido nada sobre sua família antes. Existem rumores de que ele nem tem uma. Acabo de confirmar que são apenas rumores, certamente, como imaginei. — A sua irmã... do que ela gostaria, então? — O que você recomenda pra uma adolescente esquisitona, com um estilo próprio e totalmente eclético? Seu tom é brincalhão, e acho graça. Meu irmão me descreveria da mesma forma há alguns anos. — Que tal algo mais inusitado? Alexandrita, talvez. Alcanço o expositor que exibe a corrente e os brincos, tudo em ouro branco e diamantes. A pedra principal se destacando em formato de gota. — As alexandritas são raras e possuem um diferencial. — Que seria...? — A mudança de cor. Do verde pro vermelho. Como uma esmeralda e um rubi em uma só pedra. — Isso é bem diferente. — Com certeza é. Andy pensa por um instante, alternando o olhar entre mim e as joias. — É a cara dela. — Sua boca se curva um pouquinho para cima. — É isso, senhorita Lemaire. Eu levarei. Sorrio largo, sem me importar com quem está olhando. Eu realizei a venda! Meu vício não me destruiu por completo. Ainda posso trabalhar... ainda tenho minhas capacidades... ainda sou eu! Não fui vencida. Não desta vez. ✽ ✽ ✽ As burocracias da compra são resolvidas enquanto Donovan insiste com as bajulações. Eu, por outro lado, continuo onde parei no meu computador, sem conseguir deixar de pensar que a presença do Insigne B. não foi somente por conta do colar. Ele poderia muito bem visitar outra joalheria. Isso teve a ver comigo. Mas porque se dar ao trabalho de fazer isso, me ajudar a recuperar o crédito? Me levanto e abro a porta, caminhando pelo corredor que leva até os banheiros. Porém, paro de andar quando avisto uma figura de terno e cabelo castanho vindo na minha direção. — Oi... de novo — Andy Montgomery diz, afastando o cabelo acastanhado para trás. Seu aroma de orvalho invade minhas narinas deliciosamente. — Oi... de novo. — Eu já vou voltar pra Vancouver. Obrigado pela ajuda. — De nada. É o momento perfeito para sanar minha duvida. — Eu posso fazer uma pergunta? Outra pergunta, na verdade. — É claro. — Você veio aqui realmente só pra isso? — O quê? — Você sabe a que me refiro. Sua língua desliza pelos lábios, umidecendo-os. Minha indagação o pegou de surpresa. — Eu queria me desculpar com você. — Se desculpar...?! Custo a acreditar, mas suas palavras transparecem sinceridade genuína. — Eu pensei em te mandar flores, mas não achei que fosse o suficiente. Eu não tinha o direito de te tratar daquela maneira, por mais infernal que o meu dia tenha sido. — Não tinha mesmo. — Sorrio com os lábios unidos. — Mas eu também não quis ser grossa com você. — Ah, não? — Na verdade, eu quis sim. Mas o objetivo aqui é uma retratação, então vamos apenas fingir que nada aconteceu. — Parece ótimo pra mim. — Sendo assim, desculpas aceitas. Sorte a sua que eu não sou rancorosa. — Mas tem uma língua bem afiada — Uma coisa compensa a outra. — Justo. Ajeito uma mecha do cabelo para trás da orelha. — Obrigada pelo que fez, senhor Montgomery. Foi muito importante pra mim. Ele me estende sua mão, que aperto com firmeza. — Trégua? — Trégua. Então sorri, mais lindo do que nunca. — Tchau, Kali. — Tchau, senhor Montgomery.
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