Capítulo 05

1557 Words
“Nem a fortuna nem a grandeza são, por si sós, suficientes para sermos felizes.” - Jean de La Fontaine ✽ ✽ ✽ ANDY MONTGOMERY É estranho estar em casa. Olhando pela janela do avião, tenho uma vista ampla e quase completa de Toronto. Já corri por muitas dessas ruas quando criança, e mesmo que eu tenha mudado completamente, as casas continuam as mesmas. Os prédios continuam incrivelmente altos e as luzes maravilhosamente belas. Nada mudou, absolutamente nada. E o estranho, no fim das contas, sou eu. Claro, já se passaram muitos anos desde aquele dia, muitos anos desde que minha visão sobre tudo se tornou outra. Quem diria que o garoto que observava o céu e almejava tocá-lo, hoje estaria vendo tudo daqui de cima, da primeira classe, sonhando em voltar àqueles dias tranquilos. Estar aqui sempre é melancolicamente reflexivo. Essa é a cidade onde nasci, o lugar onde cresci e aprendi a sobreviver. O local em que morei antes de me tornar o Insigne Bilionário. Aqui, sou apenas o Andy, aquele garoto rebelde que queria mudar o mundo. — Tudo bem? — Brandon pergunta, também olhando pela a janela. — Tudo, sim. — Você parece chateado. — Impressão sua. ✽ ✽ ✽ Toco a campainha. A porta não demora a abrir, revelando uma adolescente baixa de longos fios castanhos e mechas coloridas. Seus grandes olhos cor de âmbar brilham, e é impossível não reparar na sua meia calça listrada e o vestido neon que quase me deixa cego. — VOCÊ VEIO! QUE SAUDADE! A garota me abraça como se eu fosse um dos pop stars que ela é fã. Sorrio, afagando seu cabelo. A alegria das minhas irmãs sempre faz com que meu esforço em visitá-las valha a pena. — Feliz aniversário. — Obrigada! Oi, Bran. — Olá, pequena Montgomery. Os dois se abraçam também. Bran está comigo há tanto tempo que é praticamente um m****o da família. Entrego o embrulho com o presente, que Harlow analisa com certa dúvida. — Não é um rato de controle remoto como da última vez, certo? — Não. A Cory me deu uma ajudinha. — Ah, que alívio. Entramos. Sinto o cheiro de lavanda que exala de todos os cômodos. Minha família se mudou para esta casa há alguns anos. Foi um presente meu. Mas acho que não importa o local que minha mãe esteja, sempre terá o mesmo cheiro. Passo pela sala, onde há três adolescentes. Amigas da Harly, suponho. Cumprimento-as brevemente enquanto sigo até a cozinha. — Mãe — chamo, fazendo-a desviar a atenção do forno para me olhar. — Andy... meu menino. Recebo seu abraço, meu verdadeiro lar. Suas duas mãos tocam meu rosto e um sorriso embeleza o seu. Foi dela que herdei o tom verde dos meus olhos. Minha mãe parece mais velha desde a última vez em que a vi, suas pálpebras estão mais caídas. No entanto, continua linda. Nunca deixa de ser linda. Tão delicada que aparenta ter sido moldada em porcelana. — Eu senti sua falta. — Eu também, mãe. — O que aconteceu com a sua mão? — Ela observa o curativo, preocupada. — Ah, eu só... só me cortei com um caco de vidro. — Ah. Eu não imaginei que você viria. — A Coral não te contou? — Não. — Foi ela quem me convidou... — Uno as sobrancelhas. — Em seu nome. Mamãe sorri novamente, balançando a cabeça para os lados ao compreender a armação da caçula. — Essa peste... Mas e você, está sozinho? — Não, o Brandon veio junto. Ele está na sala com as meninas. — Eu vou levar um lanche pra ele. Vocês devem estar famintos. — Eu nem tanto. A Cory e o papai...? — Lá em cima. — Eu vou vê-los. Beijo a lateral da sua cabeça e subo as escadas que levam para os quartos, observando atentamente as paredes. Basicamente, elas são nossa retrospectiva de vida, e o que quero dizer com isso é que são todas lotadas de fotos. Fotos minhas, da Harlow, da Coral e dos nossos pais. Em uma delas estou sozinho, sorrindo com dois dentes faltando. Em outra, seguro uma garotinha e uma bebê em meu colo. Na próxima, minhas irmãs já estão crescidas, sozinhas e vestidas com fantasias — a da Harly é uma princesa com asas de borboleta, cartola, óculos escuros e pantufas; a da Cory é de um jacaré com o triplo do seu tamanho. Não consigo conter o sorriso ao me recordar de todos esses dias. Minhas irmãs têm somente três anos de diferença, com Harlow completando seus dezoito hoje. As duas são muito parecidas: o mesmo tom castanho no cabelo, o mesmo âmbar dos olhos, o mesmo narizinho pequeno e as mesmas bochechas rosadas. Dá para confundi-las, exceto pelo estilo e personalidade. A maioria das pessoas sabe quem é Harlow por conta das roupas exóticas que usa, seu jeito nada tímido e as opiniões sempre expostas no Twitter. Harlow é o barulho, uma música eletrônica e alta que todos param para ouvir. Já Coral é como o vento nos dias de sol: suave, silenciosa e agradável. Uma música clássica, instrumental. Somente a ouve quem se interessa pelos detalhes. Sua marra, seu sarcasmo, muitas vezes ocultam isso. Mas nunca por muito tempo. Chegando perto do quarto dela, ouço a voz do meu pai, e paro na porta antes de entrar. — Vamos lá, Cory! — Não, eu não ligo. — Mas é o aniversário da sua irmã. — E eu ainda não ligo. — Mas só falta você. — E eu continuo não ligando. — Tive a impressão de ouvir a voz do Andy. — Agora eu ligo. — Abafo o riso. — Ele está aqui mesmo? — Eu não sei. Tira esse pijama e desça. Eu não vou pedir de novo. Sinto que meu pai se aproxima da porta. Acompanho com o olhar sua saída do quarto, então vejo-o se virar e olha para mim, que estou encostado na parede. Levo um dedo aos lábios em sinal de silêncio. — Shhh. — Que bom que você veio, filho — ele sussurra. Papai me abraça um pouco desejeitado e rapidamente. Sorrio para ele, que aperta meus ombros antes de se dirigir as escadas. Bato na porta. — Eu já vou, pai. Meu Deus! Sentada na cama, minha irmã traja um pijama estampado com pequenas estrelas e planetas. O cabelo, como sempre, está preso por um lápis em um coque bagunçado. Coral ergue seu rosto do caderno em que desenha e me observa atentamente com seus olhos de águia. Noto que um sorriso quer escapar, mas ela reprime. — Andy! E não é que você veio?! — Você me chamou. — Beijo seu cabelo e sento ao seu lado na cama. — O que está desenhando? — Um lobo. — Eu vou poder ver? — Só quando estiver pronto. O presente da Harly deu certo? — Sim. Me recordo da Kali e do seu sorriso ao ouvir minhas desculpas; da pérola no seu colar; da paixão que demonstrava a cada peça que me oferecia... — Não é um rato de controle remoto, não é? — Por Deus, não! Vocês precisam esquecer isso. Eu segui o seu conselho e comprei um colar. — E o que houve com a sua mão? — Eu quebrei um copo de vidro. Ela me olha como se quisesse dizer: "não acredito em uma só palavra". — A Harly me mostrou a matéria que saiu sobre você. — "Ah, não." — Fica tranquilo. Não contamos nada pra mãe e o pai. Relaxo a postura. — Aquele da coruja está na minha sala, na empresa. Quem sabe esse não fica ao lado... — digo, me referindo ao seu desenho em uma tentativa ridícula de desviar o assunto. — Pode ser. — Ok... Você não vai me dizer mais nada? — Hum? — Tipo: "eu senti a sua falta, meu irmão favorito"?! — Muito careta. A Harly diria isso. O som do seu lápis trabalhando preenche nosso silêncio, que começa a se tornar incômodo. — Você vai ficar por quanto tempo? — Só até a noite. — Você nunca fica mais do que isso. — Você está chateada? — Por você sumir por meses e eu ter que implorar pra aparecer? Por que ficar chateada por isso? — Não tem nada a ver com você, Cory. Suas mãos abandonam o lápis e o caderno — Então tem a ver com o que, Andy? Apesar de ter apenas quinze anos, Coral é uma das pessoas mais inteligentes que conheço. Nada escapa do seu instinto de detetive. Uma observadora detalhista e reflexiva desde criança. Sei que não vou conseguir omitir a verdade dela e da Harlow por muito tempo. Me preocupo com isso, visto que não faço ideia de como contar o que realmente aconteceu naquele dia. — Andy! Coral! — meu pai grita do andar de baixo —, desçam já! p**a que o pariu, ninguém me obedece nessa casa! — Melhor a gente ir — sugiro, sentindo um alívio imediato por escapar novamente dessa conversa. Minha irmã assente, me acompanhando até a porta. Os olhos de águia me analisam uma última vez antes de descermos as escadas. Sei que não posso continuar adiando. Da próxima vez não terei tanta sorte como hoje. Uma hora ou outra terei que contar.
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