Os primeiros raios de sol daquela manhã de segunda finalmente apareceram, trazendo consigo uma sombra densa que se erguia sinistra sobre o horizonte de Sandrine, tal como se fosse a própria materialização do desgosto a se infiltrar em cada recanto de sua alma. A noite passada havia sido uma apresentação de dança de bastante desespero, uma coreografia desencontrada entre o ódio e a frustração. As carícias desajeitadas do seu namorado, que mais lembravam os ensaios falhos de um aprendiz inexperiente, deixaram um amargor acre na sua boca e um vazio palpável no seu ser e a mesma acordou se odiando ainda mais, por ter que se deitar para t*****r com aquele homem que busca o seu próprio prazer e nada mais, tratando-a como um simples depósito de fluidos.
Ao despertar para um novo dia, os berros estrondosos do seu pai ressoavam pelas paredes da mansão em que nascera, como trovões ameaçadores, prontos para desabar sobre a sua cabeça a qualquer momento. Não era cena nova para Sandrine. Não... Aquele espetáculo era um espinho cravado na sua memória desde o fim de sua primeira infância, se tornando uma tragédia cotidiana que se repetia implacavelmente dia após dia. E a vítima silenciosa, o alvo das descargas furiosas do megafone ambulante que era seu pai, era ninguém menos que a sua mãe, Adrienne.
Adrienne, uma figura de quase cinquenta invernos, exalava uma aura de resignação mesclada com uma determinação silenciosa. O seu corpo magro, porém com curvas acentuadas, parecia carregar o fardo dos anos com uma graciosidade sombria, enquanto os seus olhos negros refletiam a tempestade contida por trás da máscara de serenidade. Seus cabelos tingidos de n***o, uma tentativa vã de desafiar o inexorável avanço do tempo, caíam em fios lisos sobre os ombros, contrastando com a palidez da pele e a curvatura classicista das suas formas.
Ela, que em tempos remotos fora o brilho nos olhos de um magnata do ramo de estofados, agora parecia uma escultura de ferro, esculpida pelas chamas das adversidades, moldada pela pressão implacável de uma vida de aparências e desgostos. Ainda assim, era possível encontrar uma dignidade melancólica na sua postura, e um resquício de elegância que resistia bravamente às tormentas da existência que a mantinham de pé como uma amazona que já havia enfrentado inúmeras batalhas e mesmo assim ainda seguia, marchando sozinha nesse deserto de formalidades.
Na intricada trama da vida cotidiana, onde os fios do destino se entrelaçam num emaranhado misterioso, lá estava Adrienne: uma mulher de beleza excepcional, aprisionada num casamento que, à primeira vista, parecia ser um refúgio de tranquilidade e felicidade, mas que com o passar dos anos trouxe nuvens carregadas para dentro do seu ser e as mesmas se instalaram como um inverno eterno em seu coração. Sob o teto de um lar adornado com cortinas tecidas de sonhos, tapetes persas e caríssimos móveis provençais que contrastavam com a gama de eletrodomésticos e aparelhos eletrônicos, ela e sua filha compartilhavam um espaço de aparente conforto e p******o.
No entanto, por trás da fachada reluzente, escondia-se a sombra de um homem cujo coração era mais sombrio que os recantos mais profundos de um antigo e abandonado mausoléu. O seu esposo Charles, um verdadeiro usurpador de esperanças alheias, era guiado pela ganância como um espectro conduzindo uma carruagem fúnebre cuja lanterna fora apagada para economizar a luminosidade, fazendo com que o mesmo não se importasse em viajar pela estrada na total escuridão. Com uma habilidade digna dos mais ardilosos vilões, ele não apenas a convencera a abandonar a sua próspera carreira como estilista, mas também a subjugara a um papel de mera serva dos seus caprichos, renegando-lhe o título de esposa de magnata, se tornando uma simples governanta de mansão, sem direito a empregados que lhe ajudassem nessa árdua tarefa de enfrentar os caos e estabelecer a ordem.
Como um mago das finanças, Charles concedia-lhe apenas migalhas do tesouro que deveria ser compartilhado igualmente, mantendo Adrienne amarrada aos grilhões das despesas domésticas e às necessidades da filha, como se fossem espinhos a ferir a sua alma que nascera para ser livre, mas ainda não perdeu o seu sonho de liberdade. Os seus talentos artísticos bastante vívidos e a sua paixão pela moda foram aprisionados numa masmorra de desespero, enquanto o brilho dos seus olhos, outrora radiantes de criatividade, foram totalmente obscurecidos pela escuridão do controle opressor daquele que deveria estar-lhe a dar apoio, mas a única coisa que faz é-lhe retirar a pouca luz que ainda resta, no âmago de Adrienne.
Assim, entre os salões soturnos envoltos em tapeçarias opulentas e os suspiros que ecoavam como lamentos enclausurados, Adrienne se via aprisionada num labirinto de s******o, onde cada passo era um eco da suas escolhas postas à sombra dos seus atos. O véu de ilusões que outrora a envolvera antes e nos primeiros anos de matrimônio, agora se desfazia lentamente, revelando a verdade amarga de um amor corrompido pela avareza e pela manipulação, onde ela fora acusada, julgada e condenada, sem saber direito qual era o crime que havia cometido.
Naquela mesma tarde melancólica de segunda, enquanto Adriane reunia coragem para confrontar Charles sobre as suas necessidades financeiras, ela encontrou-o na sala principal, absorto no seu jornal, a sua face impávida denotando pouco interesse além dos seus próprios anseios. Inspirando profundamente, ela decidiu iniciar a conversa, ciente de que poderia desencadear uma tempestade de emoções sombrias.
- Charles, eu preciso falar com você... – Adrienne abriu os seus lábios, mas ao invés de medo, a sua voz saiu hesitante e determinada.
Charles ergueu o olhar do jornal, olhando por cima dos óculos e os seus olhos frios acabaram encontrando os dela.
- O que é agora, Adrienne? Não posso ser interrompido a cada instante que estou em casa. Hoje eu dei-me folga, mas nem por isso vou perder o meu tempo com assuntos triviais.
- Desculpe, querido, mas é importante. Preciso de alguns cosméticos e... – Adrienne começou, mas foi rapidamente interrompida.
- DINHEIRO... DINHEIRO! VOCÊ SÓ PENSA EM GASTAR O MEU DINHEIRO, ADRIENNE! - Charles esbravejou, levantando-se da poltrona e jogando o jornal para cima.
Adrienne fechou os olhos por um momento, tentando conter a frustração.
- Deixe de falar alto, Charles! Não quero que a Sandrine escute. Além disso, estou a precisar comprar alguns cosméticos para mim. O que você deixa em casa é contado e m*l dá para as despesas minhas e da nossa filha.
- Eu não vou dar mais nada do que eu já dou a vocês! E se quiser ter vida de luxo, se vire, mas sem descuidar da casa! – A voz de Charles ecoou pela sala, cortando o ambiente calmo daqueles cômodos, como um chicote.
Enquanto os ecos daquela discussão tensa vibravam bruscamente pelas paredes da antiga mansão, que mais parecia uma casa abandonada por só morarem três pessoas, sem mais nenhum empregado, Sandrine encontrava-se recolhida no seu quarto tranquilo. Ali, envolta pela suave brisa que se filtrava pelas frestas das cortinas leves, ela tentava concentrar-se nos seus estudos, embora as vozes dos seus pais se misturassem num murmúrio distante de frustração e descontentamento.
Cada palavra proferida pelos pais ressoava como o sussurro destrutivo de um demônio que fica no nosso ouvido esquerdo, nos fazendo abraçar a tentação, com uma delicadeza que despertava uma sensação de desconforto. Ela suspirava, sentindo a leve pressão da tensão pairando sobre os seus ombros, como se fosse uma brisa passageira a acariciar a sua pele delicada, trazendo consigo memórias de um passado extremamente sombrio.