O coração de Sandrine se retorcia em agonia, como se fosse aprisionado por garras invisíveis, sempre que os seus olhos se deparavam com a imagem da sua mãe, Adrienne, imersa na dolorosa aflição diária que a consumia. Cada suspiro de Adrienne ressoava como um lamento funesto, ecoando pelos corredores sombrios da casa, lançando uma sombra macabra sobre os móveis antigos e os quadros emoldurados que testemunhavam o tormento da família.
A alma compassiva de Sandrine gemia em desespero diante do sofrimento silencioso da sua mãe, como se o próprio ar ao seu redor se tornasse pesado com o peso insuportável da tristeza. Os seus lábios, trêmulos, ousavam pronunciar palavras de consolo sempre que a mãe passava apressada por dentro da mansão, realizando as suas tarefas diárias, mas estas pareciam perder-se na vastidão do vazio que envolvia Adrienne, como se fossem apenas murmúrios perdidos num deserto de desesperança.
Cada vez que Sandrine tentava sugerir, com delicadeza, a ideia de uma separação, a angústia se materializava como uma névoa espectral, envolvendo a sua mãe como se a mesma fosse coberta por um manto de aflição. Era como se o próprio ambiente daquelas enormes paredes se rebelasse contra a possibilidade de libertação, mantendo as duas presas num ciclo interminável de dor e desespero, como se as paredes estivessem aos poucos se fechando. Mas Sandrine sentia-se compelida, por um impulso quase sobrenatural, a oferecer à sua mãe uma rota de fuga daquela prisão emocional, mesmo que isso significasse desafiar as leis implacáveis do seu pai, que regiam aquele universo sombrio.
No entanto, Adrienne resistia teimosamente às sugestões da sua filha, como se estivesse acorrentada a um destino indesejado e a sua vontade estivesse ali dentro, aprisionada pelas sombras do passado. Os seus olhos, temerosos e evasivos, recusavam-se a encontrar os de Sandrine após mais uma sugestão de divórcio, como se temessem que o mero contacto visual pudesse abrir as comportas da sua alma dilacerada, expondo as feridas que ela tanto lutava para esconder durante todo esse tempo. E quando as palavras de Sandrine penetravam nos seus ouvidos, estas eram recebidas com um silêncio dilacerante, como se cada sílaba proferida fosse uma adaga afiada perfurando a sua já frágil resistência, deixando-a à mercê das trevas que ameaçavam consumi-la por completo.
O fardo do passado pesava sobre os ombros de Adrienne como uma corrente de ferro, arrastando-a cada vez mais fundo para dentro do abismo do desespero matrimonial. Os laços entrelaçados por anos de convivência agora eram como nós apertados na sua garganta, sufocando-a lentamente a cada dia que se passa. As sombras do passado, tão escuras e densas como as asas de um corvo noturno, pairavam sobre ela, envolvendo-a num abraço gelado de desesperança ou de aceitação natural do seu destino.
A ideia de separação, tal como um eco soturno que só pode ser ouvido nos túmulos, ecoava na sua mente como um presságio sinistro. Para Adrienne, o abismo desconhecido da solidão era mais aterrorizante do que qualquer espectro que pudesse assombrar as suas noites. Ela se agarrava à beira do precipício emocional, com seus dedos trêmulos escorregando lentamente sobre a borda da loucura.
Enquanto isso, Sandrine, sua filha, observava impotente como uma alma perdida num labirinto de tristeza e desespero. Cada olhar para sua mãe era como contemplar uma pintura macabra, onde cada pincelada de dor era uma adição c***l à obra-prima da angústia matrimonial. Ela tentava desesperadamente guiar Adrienne para longe do abismo, mas as palavras caíam em ouvidos surdos, afogadas pelo rugido dos fantasmas do passado, como se a sua mãe tivesse uma dívida com o seu pai, que nunca conseguisse pagar.
- Deixe de pensar essas besteiras Sandrine – dizia a sua mãe tentando contornar as discussões que tinha na frente dela com o marido – logo, logo o seu pai se acalma e tudo volta ao normal.
- Mas mãe, há quanto tempo estamos a viver nessa mesma rotina de brigas e desgostos? - Sandrine respondia, com a voz carregada de preocupação. - Não é saudável para você, nem para ele, nem para nenhum de nós.
E assim, no palco cinzento daquelas vidas entrelaçadas, a esperança era uma chama vacilante, ameaçando se extinguir sob o sopro gelado da resignação. Sandrine ansiava por ver a luz da esperança brilhar nos olhos da sua mãe, mas temia que essa luz estivesse condenada a permanecer oculta, aprisionada nas sombras eternas de um relacionamento corroído pela dor e pelo arrependimento, vivendo sempre na penumbra e nunca na luz em que deveria viver e tentando se desculpar o tempo todo.
Adrienne suspirava, desviando o olhar para a janela, onde as sombras da tarde começavam a se alongar. Ela parecia perdida nos seus próprios pensamentos, lutando contra as palavras de Sandrine que ressoavam como um eco insistente na sua mente.
- Eu sei que não está fácil, minha filha. Mas é difícil simplesmente desistir de algo que construímos por tanto tempo. - Adrienne murmurava, sua voz embargada pela tristeza. - E se eu tentar, e não der certo? E se eu me arrepender?
- Mas e der-se certo, mãe? E se você se permitir ser feliz, finalmente? - Sandrine insistia, colocando uma mão reconfortante sobre o ombro de Adrienne. - Você merece mais do que isso, nós merecemos mais do que isso.
Adrienne permanecia em silêncio, a sua expressão refletindo uma mistura de medo e resignação. Era como se estivesse presa em uma encruzilhada, incapaz de escolher entre a segurança do conhecido e o desconhecido tumultuoso que se estendia diante dela.
- Eu só quero que você seja feliz, mãe. E se isso significa seguir por um caminho diferente, estarei ao seu lado, apoiando você em cada passo do caminho. - Sandrine sussurrava, a sua voz suave como uma brisa reconfortante. - Mas a decisão é sua, sempre será sua.
Adrienne voltava finalmente o seu olhar para Sandrine, os seus olhos úmidos refletindo a gratidão misturada com a incerteza. Por um momento, as palavras pareciam se enredar na sua garganta, mas depois de uma pausa dolorosa, ela finalmente murmurava:
- Obrigada, minha filha. Eu preciso de um tempo para pensar, mas eu prometo considerar o que você disse. – Adrienne sorriu, tentando mais uma vez dar algum tipo de explicação para que a sua filha se sentisse melhor – Não vou deixar essa nossa conversa acabar aqui.
- Olha mãe... – Sandrine interrompe a conversa, pega a sua bolsa e vai em direção à porta de entrada – Lembrei que marquei com umas amigas de ir ao “shopping” e estava quase esquecendo. Talvez eu volte na hora do jantar.
Adrienne, sua mãe, terminou os seus afazeres, com um sorriso gentil iluminando o seu rosto.
- Tenha um dia maravilhoso, querida. – Disse ela, estendendo a mão para tocar suavemente a bochecha de Sandrine. – E não se esqueça de se divertir um pouco também. Eu não tenho tempo, mas você merece.
Sandrine assentiu com um sorriso radiante:
- Vou divertir-me, mãe. Prometo que vou voltar antes do jantar.
Elas trocaram um abraço carinhoso e um leve beijo nos lábios, deixando Sandrine envolta pelo afeto antes de seguir em direção à porta. Um último olhar afetuoso para sua mãe e ela se lançou para o dia ensolarado que a aguardava do lado de fora. A mesma tomou um táxi e desceu na entrada do shopping, pois queria caminhar um pouco antes de adentrar no castelo medieval do capitalismo, com seus cavaleiros e damas prontos para sugar todo o seu precioso ouro, conquistado após duras batalhas.