- O que te faz pensar que queremos a receita? - O Dominique perguntou nitidamente ofendido.
- Não vou te dar a receita. - Repliquei. - Eu vou vender para você…- O complemento do que eu diria se perdeu enquanto eu avaliava o quanto eu deveria dizer.
- Ou? - Ele perguntou enquanto os demais trocavam olhares confusos.
- Ou não negociaremos. - Falei por fim. Eu sabia que aquilo era arriscado. O Ricardo estava com uma postura ameaçadora, o que eu imagino que não ajudou.
- Ou vocês vão montar uma operação aqui. - O Dominique afirmou. - O que te garanto, não será efetivo. - Ele sorriu, assumindo novamente uma postura despreocupada.
- O que faremos se recusarem a nossa proposta não te diz respeito. - O olhar dele era inabalável. Ele sabia do tamanho do poder dele e eu sabia que o meu ali não faria nem cócegas.
- Para uma mulher, você é muito linguaruda. - O Mattia falou. Senti o Ricardo virar na direção dele, a tensão caminhando pelo ar.
- Essa mulher tem mais poder das suas ações na unha do dedinho do que você durante toda a sua vida insignificante. - O ataque foi desnecessário, mas me senti imensamente grata pela defesa dele. Os demais riram do comentário, inclusive o Dominique. O Mattia nem se mexeu.
- Esse não é o caso. - Interrompi, voltando a atenção para mim. - Ser mulher, de onde eu venho, não faz diferença. - Olhei para a Julie quando eu falei. - Inclusive, as mulheres lá são ardilosas, e nesse momento, deixei uma mulher cuidando dos meus negócios. - A Julie sustentou o meu olhar. Ela pode ter se dado conta que eu falava da Jay. Ou não. Eu não queria dar esse alívio para ela.
- Aqui as coisas não funcionam assim, Clara. - A Perlla comentou. - As mulheres aqui servem os homens, são prometidas e servem ao propósito de fortalecer os legados das suas famílias. É uma honra.
- César Bambino morreu discordando de você. - O olhar dela vacilou por um segundo. - As suas ações não foram uma honra para os meus. - Esse era um caminho muito perigoso e eu sabia que poderia perder o controle rápido atacando ela assim.
- Você não sabe o que me levou a tomar as ações que tomei. - Eu não pude deixar de sorrir com o tom vitimista.
- Tem razão. Eu não sei, mas de qualquer forma não me importa. Traição é traição, não importa o motivo. - O olhar dela me fulminou e o Dominique pigarreou para interromper as nossas línguas.
- Clara, eu não aceito a proposta. - Ele falou. - Não preciso das drogas dos Bambinos.
- Meu caro, eu sei que você não tem o poder de recusar. - O maxilar dele endureceu ao me ouvir. - Você é o Subchefe. - Joguei a hierarquia na cara dele. - E eu, Chefe dos Trucks, só aceitarei a recusa do meu tio, José Camorra. - Mantive a voz controlada, tentando não ofendê-lo além do necessário.
Estudei detalhadamente como as coisas funcionam ali, e eu sabia que quando um chefe propunha algo a outra organização, somente alguém da mesma hierarquia poderia negar ou aceitar.
- Você só pode estar brincando. - O Mattia abriu a boca novamente e olhou para o Dominique. - Isso é totalmente…
- Correto, nas leis de vocês. - Completei. - E também sei que se as regras forem quebradas, um processo interno é instaurado. - Cerrei os olhos para o Mattia. - E sendo o segundo na linha de sucessão, acredito que isso não lhe concede imunidade. - Apenas o Dom era alheio às regras, isso por toda a Itália. O corpo jurídico no controle da Máfia fazia vista grossa apenas aos chefes de organizações.
- Por ora. - O Dominique respondeu sorrindo.
- Seu pai pretende morrer nos próximos meses? - O Rubens falou, surpreendendo a todos. - Ou você torce para que isso aconteça? - A voz dele tinha uma sombra ameaçadora, ele tava ficando de saco cheio daquele joguinho, eu sabia porque a estafa estava começando a me dar no saco também.
- Isso é uma acusação muito séria. - O Dominique respondeu.
- Se a carapuça serviu… - Ele completou virando os olhos. - Vamos aos fatos. Você não tem o poder de negar a nossa proposta, somente o seu pai pode, e como ele não está presente, sugiro que vocês organizem um novo chá.
- O seu empregado fala por vocês? - O Dominique perguntou para mim e para o Ricardo.
- O meu aliado… - O Ricardo reforçou a palavra. - Gerencia toda a produção dos Trucks. Ele tem autonomia para acabar com uma reunião que não nos renderá lucros. - Os irmãos se olharam enquanto o olhar do Dominique se perdeu.
- Vocês estão completamente fora das nossas regras. - O Matteo constatou e peguei ele me avaliando. - O papai vai adorar isso. - O Dominique bufou para o irmão.
- As nossas regras são diferentes, sim, mas isso não nos diminui… Muito pelo contrário. - Respondi para ele.
- Dois chefes, um deles mulher… Um Capi com poder. - Ele olhou para a cunhada. - Você nunca comentou que a sua família era tão interessante cunhada. - A Perlla virou os olhos e o seu desdém quebrou algo dentro de mim, talvez o recipiente que mantinha a minha fúria sob controle.
- Nós não somos uma família. - Falei, com a voz baixa e controlada. - Nunca fomos e nunca seremos. - Ela concentrou os olhos em mim. Era dor que eu reconhecia ali?
- Outra regra que é diferente. - O Matteo falou. - Aqui o seu legado segue, mesmo que case com rivais. A Perlla segue sendo uma Bambina.
- Eu devo discordar. - Reforcei. - Meu pai e o meu padrinho eram Bambinos, talvez eu também seja, mas ela? - A boca dela se apertou em uma linha fina. - Ela deixou de ser assim que fugiu para cá, abandonando os seus.
- Você não sabe de nada. - A Perlla retrucou e eu soube que tinha acertado a ferida, ferida essa que eu queria fazer sangrar. - Você não sabe o que é ser a única mulher no meio de irmãos crápulas. - Com aquela frase o meu controle foi para o caralh0.