O início do almoço foi bem agradável, tenho que confessar. O Dom era um homem bem humorado e gostava muito de falar das suas safras de vinho. Tudo estava uma delícia, e depois dos primeiros minutos de tensão eu finalmente relaxei um pouco, diferente dos rapazes, que comeram desconfiados de que algo pudesse acontecer.
Uma moça simpática tirou os pratos quando terminamos e nos serviu mais vinho.
- Voltemos a falar da proposta. - O Dom interrompeu o assunto de vinhos e eu esperei ele concluir a frase. - Eu trabalho apenas com quem eu confio, em quem me segue e é fiel a mim, mesmo que seja sangue do meu sangue.
- Eu não esperava menos de você. - Admiti. - O que você precisa, para que eu ganhe a sua confiança? - O sorriso dele era simpático, mas consegui ler um leve tom de ameaça por trás dele.
- Eu quero que me diga o real motivo de ter vindo aqui. - Eu senti o corpo endurecer. - E não diga que foi para vender droga. Eu sei que não é isso. - Busquei o olhar do Davi que estava sentado de frente para mim e ele parecia tranquilo, como se já esperasse aquilo.
- Dom, eu falei exatamente o que eu quero… - Ele negou com a cabeça e em seguida deu um grande gole no vinho. Apoiou a taça e puxou o guardanapo do pescoço.
- Eu vou te dar uma oportunidade, que poucos teriam… - O sorriso dele não vacilou nem por um segundo. - Somente porque eu aprecio a coragem. - O Ricardo apoiou a mão na minha perna e percebi aquilo como um sinal de alerta. Apoiei a mão no cabo da pistola presa no coldre da minha perna e esperei. O Dom levantou a mão e estalou os dedos.
- Traga a sobremesa. - Pisquei algumas vezes, sem entender a mudança repentina. Ele seguia despreocupado e sorridente, e eu comecei a questionar as faculdades mentais dele.
Uma porta anexa se abriu e o Matteo e o Matia entraram carregando uma pessoa nos braços, uma pessoa com um saco na cabeça.
Eu precisei de todo o meu controle emocional para não parecer surpresa com aquela situação.
O Mattia colocou a pessoa, que percebi ser uma mulher de joelhos.
- Aqui está, o seu objetivo nessa terra, minha cara. - O Dom falou. O Mattia tirou o saco da cabeça e revelou a Julie, com o rosto muito machucado. Eu não consegui resistir. Me coloquei de pé.
- Isso é… - Eu comecei a dizer.
- Exatamente o que você queria. - Ele concluiu. Olhei para o Dom, que se mantinha sorridente.
Ele sabia. Ele sabia de tudo.
- Como soube? - O Ricardo perguntou, sem parecer surpreso. O Dom encostou na cadeira e suspirou.
- Ela bateu na minha porta e não era pra ela existir. - Ele olhou para a Julie e consegui ver o desprezo naquele olhar. - Então você chegou na cidade… Foi fácil somar dois mais dois.
Avaliei a cena. Ele estava nos dando a nossa vingança? O Dego não conseguia encarar a irmã. Os herdeiros estavam despreocupados e a Julie m*l conseguia abrir os olhos.
- O que isso significa? - Perguntei para ele, ainda de pé. Ele suspirou.
- O cúmplice dela é boca aberta… Contou coisas muito interessantes sobre o que ela fez. - Ele estava falando do Caqui. - Ela não conseguiu manter a lealdade de nenhum dos seguidores. - Ele concentrou os olhos em mim. - Diferente de você, que tem aliados que estão dispostos a morrer por você.
- Então você sabe o que ela fez? - Eu precisava entender o quanto ele sabia.
- Podemos dizer que sei de tudo. - Ele sorriu. - Sente-se Clara, vamos conversar o que eu quero em troca da cabeça dela. - Ele apontou para a cadeira e eu sentei, sentindo o meu corpo inteiro tremer de tensão pela situação.
- Você está me oferecendo a sua filha… para a minha vingança? - Ele assentiu.
- Veja bem. Nós não somos monstros frios e calculistas. Mantemos a ordem, e a sua chegada mudou um pouco isso. Eu precisava agir, para não chamar atenção indesejada. - Eu assenti. - Ela já chamou atenção demais, e deixou a todos nós muito desconfiados. Chegou e em seguida tentou partir… Nunca contou toda a história da fuga dela da América. Mentiu, tentou nos manipular e recentemente. - Ele olhou para a Julie, com uma expressão assustadora, pela primeira vez. - Tentou me envenenar… - Ele deu uma risada fria. - A minha própria filha, que chegou aqui dizendo que queria se aproximar do pai, tentou me envenenar.
A Julie observou tudo em silêncio. Eu não tinha certeza se ela estava totalmente consciente pela quantidade de hematomas.
- Isso é muito grave… - Eu consegui dizer.
- Exatamente por isso que ela foi julgada nas nossas leis. Essa visão é resultado da condenação dela. Ela recebeu pena máxima. - Pisquei algumas vezes para ele. - Chamamos de 10 minutos sem perder a amizade. - O sorriso que ele me deu foi quase demoniaco. - Ela ficou amarrada e uma pessoa da minha escolha pode bater nela por 10 minutos, sem matá-la ou desmaia-lá. - Senti o meu coração ferver.
Aquilo era assustador.
- E ela segue viva e livre depois? - Perguntei, imaginando que eu não gostaria da resposta.
- Isso depende… - Ele ponderou, observando a Julie novamente. - Eu não vejo ela mais como uma ameaça, mas também não quero sustentá-la. Daqui ela iria ser despachada de volta para Nova York.
Eu assenti.
- Mas a sua chegada muda tudo. - Eu senti a minha boca seca de ansiedade.
- Muda como? - O Ricardo perguntou, o tom de chefe Truck abafado na sua voz.
- Vocês vieram atrás de vingança, não de negócios. E em mais de uma ocasião você disse que não queria assumir o seu lugar ao meu lado… - Ele suspirou. - Mas, o que você não entendeu ainda, é que você não tem escolha. - Pisquei algumas vezes para ele, surpresa. - Se você quer a cabeça dela, será sua. Em troca, você assumirá seu lugar, bem como todas as responsabilidades, de Princesa Camorra.