Ângela
Acordo com uma mão muito fria em minha testa, abro meus olhos só um pouquinho.
— Você está ardendo em febre menina, como vai sair da minha casa desse jeito? Não pode ficar aqui. — Tento levanta e não consigo, meu corpo não me obedece.
— Eu vou... vou agora. — Não parece fazer sentindo o que eu digo, minha mente está nublada, tenho muito frio.
— Não pode morrer aqui. — Ouço ela dizendo. — Tem que ir embora.
Tento falar, não consigo, minha garganta está muito seca, tenho sede e nem consigo pedir água.
— Sei quem está atrás de você, estão revirando tudo, não pode ficar. — Começo a chorar desesperada. — Tem um médico, no albergue, ele pode cuidar de você, não pode ficar aqui.
— Por favor... Por favor... — Imploro. Ela continua com o pano úmido em minha testa.
— Vai morrer se ficar aqui, seu braço está quebrado, eu vi. — Fecho meus olhos, nem sinto mais dor, está tudo muito distante agora. — Quer me levar junto, é isso? Se encontrarem você aqui pronto, já era.
Eu sei, sei disso, vai ser o fim pra mim também, mas não posso exigir que me mantenha aqui, pode me entregar, quero dizer isso, mas não consigo.
Acho que perco a consciência, fico entre isso e não ver direito nada ao meu redor. Me dá água, mas nem consigo beber direito, engasgo, em alguns momentos tremo tanto que volta a dor em meu braço e costelas.
— O médico me deu um remédio pra febre, você precisa beber. — Escuto ela dizendo, e colocando um líquido muito amargo em minha boca. Não tenho nenhuma reação.
Sequer consigo pensar em nada, pareço estar entre lá e aqui. Eu me entrego a isso, eu não quero mais lutar, não quero mais continuar, só quero que tudo acabe.
Eu sonho, comigo pequena, em um quarto sujo, trancada, com fome, um pouco depois sendo arrastada, apanhando, sendo molestada, chorando, pedido por favor. Acho que estou delirando entre a consciência e inconsciência, é muito pior do que a realidade, ou não? Nem sei.
Nunca tive nenhum dia bom, nenhum tipo de alegria. Sempre fui fraca, todos me diziam isso, todos, qualquer coisa valia muito mais que eu. Não sou ninguém, não sou nada.
— Eu vou te levar, não sei como, mas não vejo outro jeito. — Ouço aquela voz, parece preocupada, de verdade, deve ser sonho.
Mas nunca tive sonho bom, só pesadelos, já não me bastava toda minha vida r**m, ainda tinha que viver em meio a vários pesadelos durante meu sono.
— Flora, o que aconteceu? — É a voz de um homem, abro um pouco meus olhos, estou nos braços de alguém não consigo ver.
— Cuide dela, não posso ficar com ela. — Flora, o nome dela é Flora.
Me colocam sobre uma cama, todos parecem sombras, afasto a mão que tenta abrir mais meus olhos.
— Esta queimando em febre. — Ouço a voz, tão boa, calma, tranquila.
— Não posso ficar com ela. — Flora repete.
— Volte aqui, não pode simplesmente deixar alguém aqui assim. — As vozes se afastam, não passam de um sussurro distante demais. — Vou ter que tirar sua roupa. — Ele diz, depois de um tempo. Tento impedir, mas só consigo sentir sua mão quente, meus gemidos e lágrimas se misturando. — Não vou te machucar, sou médico, só quero te examinar.
Abro meus olhos e pisco, várias vezes, até conseguir focar um pouco na voz, é muito bonito, tem o cabelo um pouco comprido e ondulado, loiro, uma barba bem aparada, me olha de um jeito, tentando demostrar que não vai me machucar, mas eles sempre machucam, todos eles machucam.
— Meu nome é Jason Sanders, sou médico, você está em meu apartamento. — Fala com calma, é alto, muito alto, minhas lágrimas continuam. — Me deixe te examinar.
Balanço a cabeça, tão tonta, que tenho certeza de que não é real. Ele apanha uma tesoura, eu estremeço e solto um gemido.
— Eu vou cortar a roupa, é só isso. — Explica me olhando nos olhos. Concordo. Ele começa a cortar, o som da tesoura cortando o pano é ensurdecedor pra mim. Não demora, ele afasta o casaco de lã cortado. Apanha um lençol e me cobre um pouco.
Eu não tenho vergonha, nunca tive, mas tenho medo do toque, começo a tremer de novo. Ele observa todos meus machucados, toca a minhas costelas e eu grito.
— Não está quebrado. — Está concentrado, corta o restante do casado, solta um palavrão baixo ao ver meu braço.
Se afasta, traz um suporte, vejo algumas seringas numa bandeja. Me explica que vai me colocar um soro. Não entendo o que me explica, me olha, mas não é do jeito que estou acostumada. Não tem malícia, ou maldade.
Deve estar fingindo, é isso, só vai esperar eu melhorar um pouco e então vai me dar algum tipo de lição c***l. Desvio meus olhos para meu braço onde ele diz estar dando pontos, local que a grade cortou. Depois segue para minha perna e faz o mesmo, não sinto dor, mas sinto frio.
— Vou imobilizar seu braço quebrado e esperar que não tenha fragmentos, precisamos ir ao hospital fazer um raio-x. — Tento levantar. — Ei, não faz isso, fique aí. — Choro, grito, me esperneio. Ele tenta me acalmar, fala com calma, me pede para parar, meu braço dói muito, mas eu luto.
— Me deixe morrer, só me deixe morrer. — Minha voz sai estranha e baixa, misturada entre gemidos e lágrimas.
— Esta delirando, pare, vai machucar mais seu braço. — Não paro, não posso, tenho que fugir, eu não devia ter parado de correr, não devia ter me escondido, não fazia sentido, eu devia ter me atirado de alguma ponte, ou na frente de um carro. — Vou ter que te apagar, não tem jeito.
— Por favor... Por favor... — Ele tinha sentado na cama, me segurando com um braço só, apanha uma seringa grande na bandeja e abre ela com os dentes.
— Sinto muito. — Continuo me mexendo, mesmo com a dor extrema. Aplica em uma extensão do soro e sinto quando vou perdendo as forças, até que parece que estou fora de mim. Isso já me aconteceu, ser apagada assim. — Vou cuidar de você, não tenha medo.
É a última coisa que ouço antes de apagar mais uma vez.