Medo

1036 Words
Ângela Corro, tropeço e caio de cara no chão. Minhas lágrimas nublando minha visão, me impedindo de ver direito. Levanto gemendo de dor e volto a correr. Medo, estou dominada por ele, o tempo todo, a vida toda. Não posso parar, não posso. Estou em meio a uma floresta, não sei, acho que talvez seja um parque, desses para caminhada. Preciso me esconder, não posso continuar correndo, olho para trás o tempo o inteiro, não vejo ninguém, mas continuo, caindo e levantando. Meu braço está quebrado, acho que algumas costelas também. Já era pra mim, não tem jeito, é o fim, não posso procurar ajuda, não posso ir até a polícia, não tenho como ir para um hospital, não há lugar para se esconder. Chego numa rua, não tem movimento, não passa ninguém, minha respiração é tão forte que vibra em meus ouvidos, olho para cada canto, as lágrimas continuam, a dor é imensa, não posso parar, não posso. Entro em um beco correndo ao ver um carro, podem estar atrás de mim, não posso confiar, podem estar em qualquer lugar, em todo lugar. Me encosto na parede fria e suja, minhas costas coladas nela, tentando ficar invisível. Estou apenas de camisola fina e pés descalços. Meu corpo inteiro treme de frio e medo, tudo em mim dói, principalmente quando respiro. Olho para o céu, está nublado, a chuva deu uma trégua, mau sinto meus dedos dos pés, acho que estou congelando, vou morrer de frio, não sei se aguento a noite inteira correndo. O carro passa, entro mais para dentro do beco, ouço barulhos de ratos em meio aos entulhos. Os dois prédios em meio ao beco são altos, parecem abandonados, mas não dá pra ter certeza, esta de madrugada. — Ei, não pode ficar aqui! — Pulo de medo ao ouvir uma voz, caio no chão e vou me arrastando pra longe. — Me desculpe, por favor, me desculpe, eu... — Vejo a sombra, logo depois uma mulher, muito suja e velha. Ela me olha com raiva, tem um pedaço de madeira nas mãos. — Por favor... — Não consigo levantar e correr. Ela olha pra fora do beco, ouço alguns passos, algumas vozes. Me encontraram, é meu fim, começo a tremer em desespero. — Venha, se esconda aqui. — A mulher me chama com a mão, prefiro encarar ela a encarar quem está atrás de mim. Levanto trôpega. Ela abre uma cerca e me manda passar, a coisa rasga minha pele, solto um gemido baixo de dor. Estamos em outro beco, ela passa, segue na frente, está escuro, abre uma porta, paraliso. — Você pode ir ou entrar. — Ela já tinha largado o pedaço de madeira, consigo ver melhor seu rosto, com a pouca luz que sai pela porta, não aparentar ser tão velha, só está suja. Entro, ela fecha a porta com um trinco de ferro. Subimos uma escada estreita, uns cinco lances, chegamos em corredor e ela abre outra porta. É um apartamento, pequeno, posso ver a cozinha, um sofá e a cama, alguns gatos, talvez cinco ou mais começam a miar alto rodeando-a. Tem apenas uma janela, vejo a escada de emergência por ela, que está parcialmente aberta. Está um pouco mais quente aqui, ela acende uma luz fraca, deve ser a única do lugar. Ainda estou parada perto da porta. Vejo-a abrir alguns armários na cozinha/sala/quarto. Pega um enlatado, coloca sobre a mesa pequena com duas cadeiras e abre. Os gatos começam a miar mais alto, desesperados de fome. Ela abre e coloca um pouco em vários potinhos de plástico. Abraço meu corpo para amenizar o frio que sinto, por conta de minha roupa molhada. — Você pode ficar aqui até amanhecer, depois quero que vá embora. — Diz sem me olhar, passando a mão nos pêlos de um dos gatos, enquanto eles comem. Não consigo responder meu queixo está tremendo muito. Ela me olha e eu balanço a cabeça rápido. — Tome um banho, vou arrumar uma roupa seca pra você. — Aponta uma porta, olho para porta, depois para ela, estou com medo, mas vou. O banheiro é minúsculo, tiro minha camisola e entro embaixo da água, está morninha, aquece um pouco meu corpo, deixo cair sobre meu cabelo, gemendo baixo, não consigo mexer meu braço esquerdo, deixo ele parado evitando movimentos. Meu corpo inteiro está cheio de hematomas, tenho agora um corte um pouco fundo em meu braço direito, foi a cerca. Outro corte em minha coxa, que está com uma cor estranha, mas não sangra. Desligo a água e ela abre a porta e me entrega uma toalha meio amarelada, mas limpa. Tudo aqui é limpo, menos ela. Seco meu corpo ainda trêmulo, ela me olha, avalia meus ferimentos, meus olhos ardem um pouco por causa das lentes que uso, pisco várias vezes para amenizar. Ela me entrega um casaco de lã grande e marrom, visto o mais rápido que consigo, fica muito grande em mim, chega ao meio das minhas coxas. — Obrigada. — Digo ainda tremendo. — Você precisa ir ao hospital. — Arregalo meus olhos e olho pra porta. — Estou bem, vou embora pela manhã. — Me apresso em dizer. Apertando o casaco com minha mão. Ela me encara sem acreditar, mas não diz nada. Continuo tremendo, mesmo estando aquecida. Ela aponta o sofá e diz que posso dormir nele. Deito, por que estou com muito frio e dor, mas não durmo, fico atenta a tudo, alguns gatos deitam perto de mim, lambem os pêlos e se aninham pertinho, o corpinho bem quentinho. Em algum momento ela sai, fico tentada a escapar, mas não consigo levantar, não acho que vou aguentar, tenho certeza de que não vou, estou doente a alguns dias, fraca, sem comer a tanto tempo, que nem lembro quando foi a última vez. Me encolho mais, gemo ao sentir as dores, são tantas, nem sei onde dói mais ou menos, eu só quero que tudo acabe, quero que acabe agora. Por favor Deus, não tenho por que viver, não tenho pra onde ir, por favor, por favor. Oro entre lágrimas, um gato lambe meu rosto, bebendo as minha lágrimas. Eu posso morrer, eu quero, por favor. Apago.  
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