Sebastian
Passamos por olhos atentos a cada um de nossos passos. Assim que as portas do elevador abriram, eu tive a impressão de que as secretarias tencionavam vir até nós para falar com a Eliza por isso acabei me adiantando em informar que não admitiria interrupções.
-A doutora Eliza vai me ajudar com algumas pendências, nem pensem em nos incomodar. - falo de forma firme. Elas costumam tremer quando uso um tom mais irritado do que o normal.
- Liz.. - em pleno sinal de desrespeito, todas se levantam e começam a falar com ela, ignorando minha presença.
- Oi. - ela sorri e abraça uma por uma.
- É bom ver você fora da salinha. - Andrea a aperta em seus braços. - Vamos almoçar todas juntas.. Não sabia que era amiga do senhor Sebastian? - a senhora rechonchuda de sorriso fácil e língua felina dipara.
- Acabei de dizer que ela vai trabalhar comigo. Porque vocês acham que podem me ignorar? - bato o pé no chão.
- Ah.. Não.. Não brigue com elas, por favor. - ela me fita de um jeito assustado.
- Eu não estou. - abaixo o tom de voz. Me coloco na frente dela. Tinha que manter seus olhos em mim e de uma maneira positiva. - Eu só queria cuidar do prazo. Não estou bravo com elas. Eu adoro essas meninas. Digam a ela. Falem sobre os chocolates, flores e coisas legais que eu sempre trago.. hum..- me viro de frente pra elas. - Carla?- todas estão com cara de desconfiança.
- É..- a secretária de Steve começa a falar com pouca convicção. - Claro. O senhor Sebastian é muito gente boa. - ela dá uma joinha.
- Emanuelle? - a encaro.
- Claro que é. - o sorriso amistoso na face da assistente pessoal da minha arqui-inimiga, Marcela, quase me faz tombar pra trás. - Um gerente excelente. - ela sorri.
- Ótimo. Vamos.- seguro o braço dela e sigo para meu escritório. - Eu realmente tenho muito carinho por todas.
Okay. Não era exatamente verdade, mas também estava longe de ser mentira. As secretarias e assietntes do departamento de marketing já conheciam a minha predisposição a demitir secretarias, e, mesmo assim se dispunham a dar uma força quando eu suplicava por ajuda. Claro, o apoio sempre me custava uns bombons para Andréa, ingressos para Emanuelle, um cruzeiro para Carla - essa costumava somar todos os favores e cobrar nas férias, e , claro, ainda pagava pelas aulas de francês da pequena Jasmim, filha da Alice - graças às revisões que a secretária do Soares fazia no meus documentos, eu sempre conseguia saber se estava sendo passado pra traz em alguma negociação para locações e prestações de serviço.
- Elas são um pouco exageradas, mas são muito gentis.
- Eu sei. - fecho a porta assim que passamos.
- É um belo espaço..- ela segue até a estante que fica na parede ao lado da porta. - Todos sobre marketing e fotografia. - ela desliza as pontas dos dedos por alguns exemplares.
- Sim. - paro atrás dela. - Fazem parte da construção do meu processo criativo.
- Ah.. - um leve tremor passa pelo seu corpo quando ela se vira e percebe o quão perto estamos. - É.. Hum.. Senhor Sebastian. - os olhos dela tinham um brilho suave.
- Senhorita Eliza.
- Liz. - ela faz uma careta engraçada. - Somos amigos, esqueceu?
- Não..- estendo a mão para tirar um cacho escuro que se prendeu na haste esquerda do óculos. - Mas, se a senhorita vai me chamar de senhor Sebastian, acho que também posso jogar o mesmo jogo. Regras iguais, concorda? - solto o cacho próximo ao rosto dela, de uma forma que as costas da minha mão faça uma sutil carícia em seu rosto.
- Ah.. Não..- as bochechas dela ganham um tom vívido de vermelho.
- Não posso? - sorrio.
- Eu.. Eu fico nervosa.- ela prende as mãos na barra da jardineira.
- Comigo? - inclino a cabeça um pouco para o lado esquerdo.
- Si-sim. - ela desvia o olhar para as mãos.
- Acho que, agora, a senhorita foi que esqueceu que somos amigos.
- É que.. É.. Sabe..- as botinhas começam a bater no chão. - Por favor. - quando ela começa a abrir e fechar as mãos, eu percebo que minha proximidade estava sendo desconfortável.
- Por onde quer começar? - dou dois passos pra trás. - Já que a senhorita é contadora, eu pensei em pedir seu apoio com o ajuste orçamentário da campanha Casa Gucci.
- Ah.. Sim. - ela sorri. As bochechas ainda estavam bem rosadas, mas as mãos estavam soltas ao lado do corpo. - Isso será muito bom. - ela vai até minha mesa e senta na cadeira oposta a minha. - Eu tenho os números aqui. - ela aponta para o tablet. - Podemos fazer bem rápido. Depois, se me permitir, podemos verificar e mapear todas as principais necessidades que a sua gerência tem. Assim, vai ficar mais fácil elaborar um perfil profissional adequado para a próxima secretária.
- Seria muito gentil da sua parte. - decido sentar na minha cadeira ao invés da que estava ao lado dela. Não forçaria uma aproximação, queria seduzir a moça e não assediá-la. - Podemos começar?
- Sim..sim.- ela bate palmas.
Durante toda a minha vida profissional eu pude conhecer dezenas de profissionais apaixonados por suas carreiras, mas nunca tinha conhecido uma pessoa que simplesmente fazia com perfeição qualquer coisa que eu pedia e, inclusive, o que eu não pedia. Ela não só conseguiu reduzir o custo das locações que eu, previamente, havia adicionado as instruções da campanha como conseguiu contato com um dos Haras mais exclusivos do país para fornecer os animais para a campanha. Ela negociou tudo de forma justa, organizada e extremamente lucrativa para ambos os lados. Tudo antes das duas da tarde.
-Eu sei, Andrea. - ela sussurra. As duas estavam em pé, na entrada da sala, discutindo a saída para o almoço. - Podemos almoçar amanhã. O senhor Sebastian tem urgência com a entrega dos relatórios e ainda temos que fazer umas verificações fiscais.
- Aí.. Você é muito boazinha, amiga. Mas o senhor Sebastian já está na sexta secretaria em menos de um ano. - a fofoqueira da empresa retruca.
- Shii.. Andrea. - ela cobre a boca dela.- Ele pode ouvir.
- Eu já ouvi, senhorita Eliza .- apoio meus cotovelos na mesa de vidro e fito a cena à minha frente.- Se tem uma coisa que a Andrea não consegue ser é DISCRETA. - esbravejo um pouco mais alto do que deveria.
- Aí.. Desculpa, senhor Sebastian.
- Não. - saio do meu lugar, paro atrás da Eliza e apoio uma mão na porta. - Eu não desculpo. A culpa da alta rotatividade de secretarias na minha gerência é da incompetência do Smith. Ele está sempre olhando para os p****s das candidatas ao invés do currículo.
"Oh" as duas fazem ao mesmo tempo.
-Talvez eu deva sugerir ao Victor que todo RH seja trocado, o que acha ?
- Não. Senhor Sebastian, eu preciso do meu emprego.
- Então, aprenda a guardar a língua dentro da boca.
- Senhor Sebastian.. ahh.- Eliza volta-se para mim. - .. Andrea é melhor você ir para o seu almoço. Avise as meninas que marcamos outro dia. Vai. Senhor Sebastian..
- Sim.. - a encaro.
- Eu sei que podemos resolver tudo sem que mais ninguém seja demitido. - ela segura a minha mão. - Não fique assim. Eu conheço o senhor Smith, sei que ele pode ser um pouco .. ah..
- Sem vergonha? Devasso?
- Eu ia dizer " Inconveniente ".
- A senhorita é muito gentil.
- Ele tem filhos. - agora, suas duas mãos seguram as minhas. Era um gesto de conforto. Ela pretendia me acalmar com seu toque? Não estava funcionando, embora fosse agradável. - Os filhos não merecem ser castigados pelo desvio do pai.
- A senhorita deveria tentar a carreira de assistente social, caso desista da contábil. - inclino o corpo o suficiente para que nossos olhos fiquem na mesma linha. - É muito inocente para o mundo corporativo. - as pálpebras dela começam bater. - Espero que eu não te machuque muito. - digo sem pensar.
- O que?- um de seus dedos toca a haste do óculos para endireitar.
- Vamos almoçar. Não quero te machucar com a fome. Já passou bastante da hora do almoço.
- Aah.. Sim. - ela me encara por alguns segundos. - Se comermos aqui, podemos adiantar ainda mais o trabalho.
- Sob uma condição.. - toco as laterais do óculos dela e ajeito um pouco mais.
- Ah..- o rosto dela volta a ficar vermelho.- Qual?
- Já que você está escolhendo onde vamos almoçar, eu escolho onde vamos jantar. - toco a ponta do nariz dela.
- Sim..aahh - ela dá a volta por mim e retorna para sua cadeira. - Me parece justo.
Passamos mais alguns minutos trabalhando até que a comida chegasse e desfrutamos de uma refeição deliciosa em meio a um silêncio agradável.
Depois, enquanto eu a observava preparando um relatório sobre as diretrizes necessárias à montagem de um perfil profissional adequado às necessidades do meu departamento, me peguei imaginando se o aparelho de seus dentes machucaria a minha boca.
-Ah..- reviro os olhos com a ideia. - Você me paga, Victor! - resmungo.
- Algum problema, senhor Sebastian? - ela está me encarando.
- Não. Nada. - sacudo a cabeça.
- Que bom. - ela volta os olhos para a tela do tablet. - Ah.. Bom. - ela parece um tanto desconfortável. - Acredito que uma assistente ideal tem que ser dotada de resiliência e agir de maneira proativa. - fala de forma sutil.
-Está dizendo que eu sou um chefe estressante ? - encosto na cadeira de uma forma relaxada.
- De maneira alguma.. - ela não desvia o olhar da tela. - Estou dizendo que é um trabalho exigente e com alta necessidade adaptabilidade. - ela passa a me olhar nos olhos. - O senhor precisa de alguém que possa se desenvolver em cenários diversos e que esteja pronta para se recuperar e tomar iniciativa. Isso vai tornar o seu trabalho e o dela muito mais produtivo. - um sorriso sincero está em seu rosto.
- Entendi. Posso fazer uma pergunta pessoal?
- O quê?
- Porque você não aceitou os convites do Steve ?
- Uhm..Eu pensei em aceitar. Seu amigo é muito divertido.. - ela para de digitar. - Só que..- ela pega uma caneta na mão e começa a brincar com o objeto.
- Pode falar.
- Eu não sou o tipo do Steve ..
Com certeza ela não era, mas eu não seria e******o e rude ao ponto de confirmar, então decido me fingir de desentendido.
- E como você sabe? Até onde eu soube, vocês nunca se viram pessoalmente.
- Nos vimos umas cinco vezes na sala do senhor Soares. - ela desvia o olhar para a caneta. - Eu meio que gaguejei um pouco.. - então a timidez dela não era só comigo. - Acho que ele nem teve paciência de ouvir o que eu tinha a dizer.
- Então você decidiu que ele não merecia te conhecer.
- Senhor Sebastian, - ela volta a me olhar. - ele me conheceu.. Eu só não sou quem ele imagina, entende? - ela faz um gesto com a mão apontando pra si mesma. - É provável que ele nem lembre que conheceu a Liz. Não acho que ele imagine que eu poderia ser a doutora Eliza Aurora Rodríguez. - um sorriso triste se desenhou em seu rosto.
De fato ela passava bem longe de ser o tipo de mulher com quem o Steve ou mesmo eu costumávamos nos relacionar. Não era uma beldade e se vestia como uma mulher com muito mais do que 70 anos, mas, mesmo assim, ela parecia o tipo de mulher com quem um homem poderia passar o resto da vida. Para o azar de nós dois, eu não era o tipo de homem que desejava ter uma mulher por tanto tempo assim.