Caminho sem volta

1105 Words
Madeleine Thomas Num turbilhão de memórias, vi a minha vida se desenrolar diante dos meus olhos. Imagens de momentos desde a minha infância até o presente se entrelaçaram, formando um mosaico complexo de circunstâncias e escolhas que me levaram a este ponto. Cada uma delas parecia inflamar as entranhas do meu corpo, anunciando um caminho sem retorno e repleto de desafios. Agora, com certeza, não havia espaço para desistência. Em poucos segundos, eu me entreguei, sucumbindo perante o mundo que se desvanecia à minha volta. A escuridão me envolveu, abraçando-me no seu manto gélido, enquanto a promessa de uma nova vida surgia nos meus olhos. Sinto tudo me abandonando devagar e tento me apegar a cada sentimento, mesmo que vago — , mas ainda assim, um sentimento, — É importante para se sentir viva. Tudo é escuridão e frio até que eu vejo. O rio de sangue, uma imagem que faz o meu ser faminto ansiar desesperadamente. Está longe do meu ideal de sobrevivência, ter que beber de outros humanos para me alimentar, mas já me condenei ao inferno que é a eternidade, e nesse cenário, isso pouco importa. Deus terá que me perdoar, pois sou fraca demais para esquecer, e a lembrança é intrínseca à minha natureza. Não posso simplesmente apagar as memórias que moldaram quem sou, porque mesmo fugindo, elas voltam. Passaram algumas horas. Ou eu acho que passaram algumas horas. Abro os olhos devagar, e ainda não consigo mexer nenhum músculo, nem mesmo os mínimos. Apenas os meus olhos são capazes de se mover. A luz da lamparina ofusca o meu rosto, e direciono o olhar para o lado, avistando a escrivaninha de Anita, repleta de papéis, enquanto a luminária paira sobre o seu corpo, que repousa numa meditação tranquila. Um aroma tentador, ainda que sublime, surge no ar, aumentando cada vez mais a minha fome. O trinco da porta gira lentamente, revelando um gesto cauteloso de quem se encontra do outro lado. Com o coração ofegante e palpitante, percebo que o homem que adentra está repleto de vida e tem muito a oferecer. O quê? Eu sei o que eu disse. Mas não consigo evitar. O cheiro do sangue dele é intenso, é quase que hipnótico. A porta se abre e fixo o meu olhar ambicioso no rapaz que entra. Eu consigo ouvir o sangue correndo nas veias dele. A minha garganta queima, e os movimentos do meu corpo se recuperam lentamente. Consigo mover as mãos, mas ainda não consigo me levantar da cama ou falar. Mesmo que voar no pescoço dele seja a coisa que eu mais queira nesse momento. Ele se aproxima de Anita e a chama. E finalmente eu percebendo sua importância. Ela não reage com a revolta habitual, pois não gosta de ser perturbada. Isso sempre a irrita. O garoto sussurrou algo no ouvido dela, e ela me olhou e sorriu — ainda me sentia um pouco tonta, então não tenho certeza se foi um sorriso ou um grunhido. Ou se ela não reagiu e eu estou ficando louca. Ela se levantou, e ele segurou a sua mão enquanto ela me disse: — Já volto, comporte-se! — Como se eu fosse capaz de me levantar. Que piada? Eu encarei a porta e até queria, mas tenho certeza que não vou conseguir me mover da cama nem que pinguem gotas de sangue na minha boca. Os dois atravessaram a porta mais rápido do que o próprio som dela se fechando atrás deles. Comecei a contar os segundos: quatro mil seiscentos e vinte e sete, quatro mil seiscentos e vinte e oito, quatro mil seiscentos e vinte e nove... O tempo parece não passar quando se está entediada, não é? É angustiante ficar horas esperando que eles voltem. Após alguns minutos, Samuel adentra o recinto, exibindo um sorriso no rosto, embora os seus olhos revelam um certo receio. Vestido com um impecável traje da época, um terno escuro de corte impecável e detalhes refinados, remetendo ao estilo da elegância do ano de 1825. Seu porte imponente é acentuado por sapatos sociais polidos, que ecoam no chão de madeira ao se aproximar da cama de hospital. Sinto um formigamento nos dedos ao ser tocada por ele, o meu estado é de completa letargia. Prendo a respiração por alguns preciosos segundos, contando mentalmente até dez repetidas vezes, até finalmente recuperar o controle sobre mim mesma. Ao tocar a minha pele, a sua mão gélida adquire uma temperatura confortável, em harmonia com o meu estado. — Como está se sentindo? — Perguntou ele, com uma expressão atenta. Nenhuma palavra consegue escapar dos meus lábios, por continuarem paralisados pelo veneno. Sinto-me imobilizada não apenas pela fome avassaladora, mas também pela angústia e pelo medo que consomem cada fibra do meu ser. — Me deixe verificar. — Ele segura a minha mão, apertando-a de maneira delicada. — Se conseguir sentir meu aperto, aperte de volta. Está tudo bem? Num esforço hercúleo, canalizo todas as minhas forças para corresponder ao seu toque, apertando a sua mão com uma intensidade determinada. Cada músculo do meu corpo parece lutar contra a fraqueza que me consome, enquanto busco demonstrar a minha vontade de me levantar. — Isso significa que consegue se erguer. Se acredita ser capaz, aperte a minha mão novamente — ele disse, encorajadoramente. Em resposta, eu aperto a sua mão com mais firmeza, aceitando o desafio proposto. — Obrigado. — Eu consigo dizer sentindo a minha garganta doer. Cada sentido do meu corpo aguçado. Eu olhei para cima vendo o vampiro sorrir para mim. Ele sempre foi tão bonito? — Você sempre foi tão bonito? Samuel sorri para mim e me envolve com o seu corpo, tornando-se o meu apoio seguro, e juntos, passo a passo, deixamos para trás o que suponho ser o quarto de Anita. — Você ainda está um pouco lenta devido à transformação, mas eu suponho que você está com fome, certo? Eu aceno com a cabeça que sim. Incapaz de contrariar qualquer coisa. — Você quer beber de mim? — Ele pergunta baixo demais, parecendo sem graça. — Eu sei que partilhar sangue é íntimo, mas também sei que ficar com fome é pior. Eu pensei por um instante. Eu realmente estava ficando maluca com o barulho do sangue dele nas veias, mas antes de responder, mas antes que eu pudesse falar alguma coisa: — Olá, Samuel! Quem é a nova transformada? — Cumprimentou uma jovem de cabelos escuros, com tonalidade chocolate, pele clara e olhos de um vermelho intenso como o sangue. Ela estava vestida com um delicado vestido branco adornado com laços na cintura e sapatinhos baixos nos pés.
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