Prólogo

1155 Words
Tártaro Narrando Mano, aquela noite tava um caos. Chuva fina, aquele frio de cortar a alma, e o silêncio da comunidade que dava até medo. As ruas e becos tudo vazio, parecia cena de filme de terror, tá ligado? Só o som da água batendo no chão e o vento assoviando. Ninguém dava as caras, porque todo mundo sabia o que tava por vir. A invasão tava certa, os caras iam vir com tudo. E eu já tinha bolado o plano, tá ligado? Cada detalhe pensado, cada homem posicionado. A gente não ia deixar os caras tomarem nossa área assim, não sem luta. Só que tinha uma coisa que tava me tirando do sério faz tempo. Bruna, mano, ela tava me enchendo o saco direto. Desde que o tio Davi se envolveu com a princesa, a Ketlin, a Bruna parecia que queria ser a mina em pessoa. Não podia ouvir o nome da Ketlin que já revirava os olhos, dava até desgosto. Parecia uma parada de inveja, e isso me deixava püto. Cara, a Bruna nunca teve motivo pra sentir inveja de ninguém. Ela sempre foi firmeza, guerreira, do meu lado em tudo. Mas depois que essa história com a princesa começou, ela ficou estranha. Ficava se metendo em tudo, parecia que queria mostrar que era mais cascuda que a Ketlin. E olha, de certa forma era bom ter ela ali, sempre do meu lado nas missões. Só que já não era por prazer, tá ligado? Era mais por orgulho, pra provar que era melhor que a outra. Isso tava me desgastando, já chegava em casa cansado da porr@ toda e ainda tinha que ouvir essa ladainha. Naquela noite, eu sabia que ia dar merda. A gente tava preparado, mas a sensação de que algo ia sair do controle me martelava a cabeça. O plano tava certo, todo mundo no seu lugar, mas porr@, essas paradas nunca saem do jeito que a gente espera, né? Os caras vieram na madrugada, na miúda, mas a gente já sabia. O primeiro tiro ecoou no morro e o inferno se abriu. Era bala pra tudo que é lado, sangue escorrendo nas vielas, um campo de guerra. A Rocinha virou um mar de desespero, e eu ali, com a cabeça a mil, mandando a tropa avançar, recuar, proteger as nossas rotas. Bruna tava do meu lado o tempo todo, dando as ideias, se metendo onde não devia, mas ela era assim, né? Não dava pra segurar. Foi numa dessas que a parada aconteceu. A gente tava num beco, se protegendo, esperando o momento certo pra avançar. Eu falei pra Bruna esperar, mas ela nunca me ouvia, mano. Ela foi teimosa. Ela olhou pra mim e, antes que eu pudesse falar qualquer coisa, pulou o degrau pra tentar se abrigar do outro lado da viela. Eu nem tive tempo de reagir, foi tudo rápido demais. Do nada, ouvi aquele estalo seco, aquele som que já vi tirar tantos camaradas meus. Um tiro de fuzil, direto na cabeça dela. Mano, eu não sei nem explicar o que eu senti naquela hora. O tempo parou, o barulho sumiu, e só o corpo dela, sem cabeça, despencou no chão. Eu vi aquela porr@ acontecer, na minha frente. O sangue dela espirrou na parede, o corpo caiu duro, e eu fiquei ali, parado, sem acreditar no que meus olhos estavam vendo. Meu sangue gelou, as pernas bambearam, e eu só consegui soltar um berro, desesperado. Caí no chão em cima dela, chorando igual um moleque. Não queria saber de mais nada, mano. Podia morrer ali mesmo, do lado dela. Föda-se o morro, Föda-se a guerra, Föda-se tudo. Bruna, a mulher da minha vida, a mãe dos meus cinco filhos, tava ali, morta, sem cabeça, e eu não podia fazer nada. Eu só queria que aquela merda acabasse, que alguém me matasse também, pra eu não ter que lidar com aquela dor. Fiquei ali, gritando, chorando, sem acreditar que aquilo tava acontecendo. Era como se o mundo tivesse desabado em cima de mim. Os caras que tavam comigo tentaram me puxar, me tirar dali, mas eu não queria sair. Só queria ficar do lado dela, mano. Só queria que aquilo fosse um pesadelo, e que eu fosse acordar logo. Mas não era. A real tava ali, estampada na minha cara, e eu não podia fugir. A guerra continuou, o tiroteio rolando solto, mas pra mim, tudo tinha parado. Não conseguia pensar em mais nada, só no corpo da minha loirinha no chão, sem cabeça, sem vida. Aquela mulher, que sempre foi tão forte, tão cascuda, tava ali, morta. E eu, o cara que deveria protegê-la, não consegui fazer porr@ nenhuma. Enterrar minha mulher foi a pior coisa que eu já fiz na vida, mano. Eu não queria acreditar, tá ligado? Não queria aceitar que ela tinha ido. Mas a realidade me bateu na cara, e tive que engolir o choro e fazer o que tinha que ser feito. Coloquei ela no caixão, fechei a tampa, e joguei terra em cima do amor da minha vida. A dor daquela porr@ eu carrego até hoje, vinte anos depois. Nunca passou, mano. Nunca vai passar. Foram Anos me drogando, bebendo e sonhando com essa porr@ toda, acordava no meio da madrugada berrando, chamando por ela. Mas no outro dia quando os meus filhos acordavam, eu tava de pé por eles. Ali do lado deles, cuidando do meu jeito, minha mãe e a minha tia Lara, junto com a minha avó Elisa, foram minha rocha, o meu suporte, me ajudaram a cuidar deles. Eu olho pros meus filhos hoje, todos crescidos, cada um seguindo sua caminhada. E eu sempre me pergunto como seria se ela tivesse aqui. Como ela ia ser com eles, com a nossa família. Mas nunca vou saber. Ela foi tirada de mim de um jeito brutal, sem aviso, sem chance de defesa. Só foi. E eu fiquei, carregando esse fardo, essa culpa de não ter protegido ela como devia. O tempo passou, aquela guerra na Rocinha foi só uma das muitas que a gente viveu. Eu continuei na luta, porque era a única coisa que eu sabia fazer. Mas desde aquele dia, eu nunca mais fui o mesmo. Bruna levou uma parte de mim com ela, uma parte que eu nunca mais consegui recuperar. E essa dor, mano, essa dor é a minha companheira de vida agora. Ela tá sempre aqui, me lembrando do que eu perdi, do que eu não consegui salvar. Os moleques às vezes perguntam sobre a mãe, e eu tento falar dela com carinho, com orgulho, porque ela era uma mulher føda. Mas no fundo, sempre que eu falo, o coração aperta, o peito dói, e eu me lembro de como a perdi. Não foi só um tiro que tirou a vida dela. Tirou a minha também, de um jeito que eu nunca vou conseguir explicar. Nunca mais vou amar ninguém.
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