CAPÍTULO TRÊS

1689 Words
CAPÍTULO TRÊS Kendrick avança através da paisagem árida do deserto com Brandt e Atme ao seu lado e meia dúzia dos cavaleiros da Prata, tudo o que resta da irmandade do Anel, cavalgando juntos como antigamente. Enquanto eles avançam, aventurando-se cada vez mais fundo no Grande Deserto, Kendrick é invadido pela nostalgia e pela tristeza; aquilo o faz pensar nos tempos áureos do Anel, quando ele vivia cercado pelos seus companheiros da Prata, dirigindo-se para mais uma batalha com milhares de seus homens. Ele havia lutado ao lado dos melhores cavaleiros do reino, todos eles guerreiros habilidosos, e por onde ele havia passado, trombetas haviam soado enquanto os habitantes do lugar se aproximavam para saudá-los. Ele e seus homens tinham sido bem recebidos em todos os lugares e costumavam ficar acordados até tarde, recontando histórias de batalhas, coragem e confrontos com monstros que viviam no Canyon ou, ainda pior, nas terras selvagens. Kendrick pisca para tirar a poeira dos olhos e sai de seu devaneio. Aquilo tudo faz parte de seu passado e ele agora está em um lugar diferente. Ele olha para o lado e vê os homens da Prata, esperando ver milhares de outros homens atrás deles. Mas a realidade lentamente toma conta de Kendrick quando ele se dá conta de que aquilo é o resta da Prata, percebendo o quanto tudo havia mudado. Aqueles tempos de glória seriam restaurados? A definição de um guerreiro havia mudado ao longo dos anos para Kendrick e, agora, ele sente que não é a habilidade ou a honra que fazem de um homem um guerreiro e sim a sua perseverança. A sua capacidade de seguir em frente. A vida nos impõe muitos obstáculos, calamidades, tragédias, perdas e, acima de tudo, mudanças; ele havia perdido mais amigos do que é capaz de dizer e o Rei a quem ele havia dedicado a sua vida já não está vivo. Até mesmo sua terra natal havia desaparecido. E, ainda assim, ele continua, mesmo sem saber por qual motivo. Kendrick sabe que está em busca dessa resposta. E é essa habilidade de continuar, apesar das circunstâncias, que faz um verdadeiro guerreiro, forçando um homem a resistir ao teste do tempo quando tantos outros haviam ficado pelo caminho. É isso o que separa os verdadeiros guerreiros dos soldados passageiros. "PAREDE DE AREIA ADIANTE!" grita uma voz. Aquela é uma voz estranha, uma voz com a qual Kendrick ainda está se acostumando, e, ao olhar para o lado, ele vê Koldo, o filho mais velho do rei. Sua pele escura se destaca entre os outros membros do g***o enquanto ele lidera o pequeno exército para longe do Cume. Durante o pouco tempo desde que Kendrick o tinha conhecido, Koldo já havia conquistado o seu respeito pela maneira como ele lidera os seus homens e pela forma como eles o admiram. Kendrick tem orgulho em cavalgar ao lado daquele cavaleiro. Koldo aponta para o horizonte e, ao olhar naquela direção, Kendrick ouve o que ele está tentando mostrar antes de conseguir ver qualquer coisa. Ao ouvir um assobio estridente como uma tempestade de vento, Kendrick pensa no tempo que havia passado no Grande Deserto e se lembra de ter atravessado aquilo quase inconsciente. Ele se lembra das areias revoltas, girando como um tornado que nunca termina e formando uma parede sólida que se ergue em direção ao céu. Aquilo havia lhe parecido intransponível como uma parede de verdade, ajudando a esconder o Cume do restante do Império. À medida que o assobio se torna mais intenso, Kendrick começa a temer ter que passar por aquilo de novo. “CACHECÓIS!” Grita uma voz. Kendrick vê Ludvig, o mais velho dos gêmeos do Rei, esticar um longo tecido branco e enrolá-lo em torno de seu rosto. Todos os outros soldados seguem o seu exemplo, fazendo o mesmo. O soldado que havia se apresentado como Naten e por quem Kendrick havia sentido antipatia imediata se aproxima dele. O soldado não havia demonstrado respeito pela posição de comando de Kendrick e havia lhe faltado com respeito. Naten olha com desdém para Kendrick e seus homens ao mesmo tempo em que se aproxima. "Você acha que está liderando essa missão," ele diz, "apenas porque o Rei assim ordenou. Mas não sabe que deve proteger os seus homens da Parede de Areia." Kendrick o observa com a mesma intensidade, vendo em seus olhos que o homem nutre um ódio inexplicável por ele. A princípio, Kendrick havia pensado que ele estivesse apenas se sentindo ameaçado por ele, uma pessoa estranha, mas agora ele percebe que aquele homem simplesmente aprecia a sensação de ódio. "Entregue os cachecóis para ele!" Koldo grita para Naten de maneira impaciente. Quando algum tempo se passa e eles se aproximam ainda mais da parede, Naten finalmente estende o braço e arremessa o saco de cachecóis para Kendrick, acertando o seu peito com força. "Distribua isso entre os seus homens," ele diz, "ou então, vocês serão cortados pela parede. A escolha é sua, eu realmente não me importo." Naten se afasta, voltando para junto de seus homens, e Kendrick rapidamente distribui os cachecóis para os seus companheiros, aproximando-se de cada um deles. Então, Kendrick enrola seu próprio cachecol em torno de sua cabeça e de seu rosto, como ele tinha visto os habitantes do Cume fazendo, dando várias voltas até sentir-se seguro e ainda capaz de respirar. Ele m*l consegue enxergar através do pano, vendo um mundo desfocado e escuro. Kendrick se prepara ao se aproximar ainda mais da parede, cercado pelo som ensurdecedor das areias. A cinquenta metros de distância, o ar já está pesado e preenchido pelo som de milhares de grãos de areia batendo contra as armaduras. Um momento depois, ele começa a senti-los. Kendrick entra na Parede de Areia e tem a sensação de estar perdido em um mar de areia revolto. O barulho é tão intenso que ele m*l consegue ouvir o som de seu próprio coração batendo em seus ouvidos quando a areia envolve cada centímetro de seu corpo, lutando para parti-lo em pedaços. A parede de areia é tão intensa que ele não consegue ver Brandt ou Atme, que estão a apenas alguns metros dele. "CONTINUEM EM FRENTE!" Kendrick grita para os seus homens, se perguntando se alguém é capaz de ouvi-lo ao mesmo tempo em que tenta confortá-los. Os cavalos relincham como loucos, diminuindo o ritmo e agindo de maneira estranha, e, ao olhar para baixo, Kendrick vê que a areia está entrando nos olhos deles. Ele chuta o seu cavalo, torcendo para que ele não pare de andar. Kendrick continua avançando, pensando que aquilo não terá fim até que, finalmente, eles chegam ao outro lado. Ele continua correndo, seguido pelos seus homens, de volta ao Grande Deserto, que o espera com o céu aberto e uma grande imensidão vazia. A Parede de Areia gradualmente se acalma e, à medida que eles continuam cavalgando e a paz volta a se instaurar, Kendrick nota os habitantes do Cume olhando para ele e para os seus homens com surpresa. "Vocês não acharam que sobreviveríamos?" Kendrick pergunta para Naten, que o encara. Naten dá de ombros. "De qualquer forma, pouco me importo," ele diz, afastando-se com seus homens. Kendrick troca um olhar com Brandt e Atme, voltando a se perguntar sobre as intenções daquele povo do Cume. Kendrick sente que tem um grande caminho pela frente até conquistar a confiança daqueles homens. Afinal, ele e seus companheiros são pessoas estranhas, tendo sido responsáveis por aquele rastro que havia causado tanta confusão. "Ali!" grita Koldo. Kendrick olha para a frente e vê, no meio do deserto, a trilha deixada por ele e pelos outros sobreviventes do Anel. Ele vê todas as pegadas que eles haviam deixado, agora endurecidas no chão de areia, seguindo até o horizonte. Koldo para diante das últimas pegadas e, com seus cavalos ofegantes, todos eles fazem o mesmo. Eles olham para o chão, analisando as pegadas. "Eu pensei que o deserto as tivesse apagado," diz Kendrick com surpresa. Naten faz uma careta. "Esse deserto não apaga nada. Nunca chova aqui e o deserto se lembra de tudo. Essas pegadas que vocês deixaram teriam levado o Império até nós, resultando na destruição do Cume." "Pare de provocá-lo," Koldo fala para Naten com agressividade, sua voz cheia de autoridade. Kendrick, virando-se, vê Koldo por perto e é invadido por uma onda de gratidão. "E por que eu deveria?" retruca Naten. "Essas pessoas criaram esse problema. Eu poderia estar em casa, em segurança no Cume." "Continue assim," diz Koldo, "e eu o mandarei de volta agora mesmo. Você será expulso de nossa missão e terá que explicar ao Rei a forma desrespeitosa como você tratou o comandante dele." Naten, finalmente humilhado, olha para o chão e se dirige ao outro lado do g***o. Koldo olha para Kendrick, fando um gesto de respeito com a cabeça, de um comandante para o outro. "Peço desculpas pela insubordinação dos meus homens," ele fala. "Como você sabe, um comandante nem sempre fala por todos os homens sob o seu comando." Kendrick assente com respeito, admirando Koldo mais do que nunca. "É esse o rastro do seu povo?" Koldo pergunta, olhando para o chão. Kendrick assente. "Aparentemente." Koldo suspira e começa a seguir a trilha. "Vamos segui-la até o final," ele diz. "Quando alcançarmos o fim, voltaremos apagando tudo." Kendrick se mostra surpreso. "Mas isso não deixará uma nova trilha quando voltarmos?" Koldo faz um gesto e, quando Kendrick segue a direção de seus olhos, vê alguns objetos parecidos com ancinhos amarrados nas traseiras de seus cavalos. "Varredores," explica Ludvig, aproximando-se de Koldo. "Eles irão apagar o nosso rastro enquanto avançamos." Koldo sorri. "Isso é o que mantém o Cume invisível para os nossos inimigos há tantos séculos." Kendrick admira os objetos engenhosos e ouve um grito quando os homens chutam os seus cavalos e começam a seguir a trilha, galopando pelo deserto em direção ao horizonte vazio. Apesar de si mesmo, Kendrick olha para trás, dá uma última olhada na Parede de Areia e, por alguma razão, é invadido pela sensação de que eles jamais voltarão para aquele lugar.
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