Era uma quinta-feira à noite quando Marina finalmente chegou em casa naquele dia. Após um turno dobrado no quiosque e duas aulas cansativas na faculdade, ela finalmente chegou no seu apartamento pelo qual ela pagava caro e quase nunca estava lá. Ela riu sozinha percebendo a ironia de sua vida.
Sem pensar duas vezes, Marina chutou os sapatos e se jogou no sofá de couro falso, que estava um tanto desgastado. Na mesma hora em que seu corpo afundou no sofá, ouviu os miados insistentes de sua gata vindo da cozinha. Sabia que Demi Lovato, a gata, não sossegaria até receber sua porção de ração.
Marina se levantou para atender ao chamado agudo de Demi. Enquanto caminhava até a cozinha, lembrava do dia em que ganhou a gata, presente de suas primas quando a levaram a um show da sua cantora favorita na época. O que parecia uma ótima ideia quando tinha 17 anos se transformou em uma fonte constante de constrangimento quando, ao levar a gata ao veterinário, a recepcionista anunciava em alto e bom som: "Demetria Devonne Lovato?"
— Sério, Demi? Ainda tem ração no seu pote. — Marina questionou a gata, que respondeu com mais miados
Sabendo que era uma discussão que não poderia vencer, Marina jogou fora o resto da ração mais cara que havia na loja e substituiu por uma porção novinha em folha.
— Eu sou uma piada pra você, não é, Demetria?
Como era de se esperar, Demetria não ofereceu qualquer resposta a Marina.
Enquanto Marina voltava à sala, seu celular começou a vibrar incessantemente em sua bolsa. Ela pegou o aparelho e se deparou com várias mensagens do grupo de amigos. Eles estavam planejando uma despedida de solteira surpresa para sua prima Isabella, que estava prestes a se casar no fim de semana, e Marina era sua madrinha.
Apesar do trabalho e das aulas no dia seguinte, Marina sabia que não poderia escapar da festa. Na verdade, nem queria. Marina era da opinião de que dormir era para os fracos, como ela costumava dizer. Ela estava determinada a aproveitar a vida ao máximo enquanto trabalhava para construir seu futuro. O que eram algumas horas a menos de sono?
Após um banho rápido, Marina vestiu uma roupa casual, soltou os cabelos volumosos e se dirigiu a um bar movimentado não muito longe de sua casa para encontrar seus amigos. Ao chegar, foi recebida com abraços calorosos e beijos nas bochechas.
— Com a Marina aqui, não falta ninguém, né? — Luísa perguntou. Luísa e Marina haviam ingressado na faculdade no mesmo ano, embora seus caminhos tenham se separado em algumas disciplinas, elas nunca deixaram de ser amigas.
— A Isa ainda está a caminho, certo? — Emília, a prima mais velha de Isabella e Marina, perguntou.
— Ela disse que tá chegando...— Gabi respondeu.
Em pouco tempo, Isabella chegou acompanhada de mais uma amiga que Marina não conhecia muito bem, mas sabia que assim com Gabi e Emília, era uma das madrinhas.
O clima festivo tomou conta do grupo, e alguém colocou um véu na cabeça de Isa, além de um colar com diversos mini pênis de todos os tipos e cores ao redor de seu pescoço. A noite prometia ser memorável, e Marina estava pronta para aproveitar cada momento. Emília chamou uma garçonete que passava e pediu a ela que trouxesse todos os drinks da casa. Pouco a pouco, a mesa foi se enchendo com diversos copos malucos com canudos em espiral, mini guarda-chuvas, cores diferentes e alguns até com glitter comestível.
Marina sabia que a cota final seria bem cara, mas assim como todas na mesa, ela não se importava. Não desde que Isabella ficou noiva de um multimilionário que se apaixonou perdidamente por ela.
— Então, Isa, como se sente ao saber que a partir de sábado, você só vai ver um pênis pelo resto da sua vida? — Luísa perguntou.
Marina lembrou porque ela e Luísa ficaram amigas com essa pergunta.
— Sinceramente? Eu me sinto aliviada. — Isa diz. — Vocês não acham assustador, sempre que um relacionamento acaba, ter que fazer tudo de novo? Conhecer a pessoa, lidar com todos os defeitos e problemas dela...
Marina joga os braços pro ar.
— Sim! Exato! É cansativo! — Ela praticamente grita. Marina estava convencida de que o amor era uma miragem inalcançável em seu horizonte. Aos 23 anos, ela já acumulava uma série de desilusões amorosas que haviam moldado sua visão cética do mundo. Sua personalidade excêntrica servia como um escudo contra as dores do coração. Ela acreditava que ninguém valia a pena, que a busca pelo amor verdadeiro era um conto de fadas inatingível.
Emília olhou para a prima com os olhos semicerrados.
— Você não tá transando, né? — Ela perguntou.
Marina balança a cabeça.
— Ultimamente, nem comigo mesma. — Marina bufou.
— Amiga, a Isa pode falar isso, ela vai se casar. Você não. Você ainda precisa passar por toda a parte chata para, por fim, transar. — Luísa disse à amiga e tomou um gole de seu drink.
— Ah, claro, isso se vocês quiserem um relacionamento e tudo mais. — Gabi disse. — Se for apenas uma noite, baixem o Tinder e deixem bem claro o que vocês querem no perfil.
— O que? Tinder? Só tem maluco lá. — A amiga de Isabella disse.
Luísa virou a cabeça olhando para a garota.
— E você é que mesmo?
Isa dá um pulo.
— Ah! Essa aqui é a Ana Paula, ela trabalhava comigo.
— Ana, você está completamente certa. Só tem gente doida lá. — Luísa ofereceu um brinde a Ana Paula.
— Não seria incrível se pudéssemos saber quem é a pessoa que vamos nos casar ou algo assim? — Ana Paula perguntou. — Assim, não perderíamos tempo conhecendo gente desnecessária.
— Seria a solução perfeita. Pena que não funciona assim. — Emília disse, com um toque de tristeza.
Nesse momento, Luísa olhou para Marina com um olhar significativo, como se estivesse tentando comunicar algo. No entanto, Marina percebeu o que ela estava tentando dizer e se mostrou claramente contra a ideia.
— O que está acontecendo com vocês duas? — Isa perguntou.
— Luísa, por favor, não. — Marina implorou.
Isso só fez com que o grupo ficasse ainda mais curioso.
— O que? — Emília perguntou.
Luísa então abriu um sorriso triunfante.
— E se eu dissesse a vocês que Marina e eu conhecemos uma vidente? — Luísa perguntou.
— Uma vidente? Uma que vê o futuro de verdade? — Gabi perguntou.
— Não, Luísa, a Sol não...
— Quem é essa Sol? — Isa perguntou.
— A gente a conheceu na faculdade, ela é nossa amiga e é vidente. Ela acertou as notas da Marina na faculdade, e a Marina ficou assustada quando ela disse que sabia quando a Marina morreria. — Luísa explicou.
Todos ficaram em silêncio por alguns segundos.
— Então, essa Sol estuda Direito com vocês? Para ser advogada? — Emília perguntou.
— Ela estudava, mas desistiu. Claro que fiquei assustada, estávamos nos divertindo, e de repente ela segura meu braço e diz que sabe minha data de morte. Quem não ficaria? — Marina explicou.
Isa deu um pulinho, em parte pela excitação, mas também porque estava mais bêbada do que sóbria.
— É isso! É disso que eu preciso para a minha despedida de solteira. Onde essa Sol mora? — Isa perguntou para Luísa.
— Sem chance de ela nos atender a essa hora... — Marina disse, notando que já era outro dia desde que elas chegaram ao bar.
— Na verdade, mandei mensagem para ela assim que me lembrei dela, e ela disse que nos atenderia! — Luísa comemorou.
Isso empolgou o grupo, que começou a se levantar, colocando suas bolsas no ombro e terminando as bebidas na mesa. Marina, vendo que foi vencida, suspirou.
— Vamos lá então. Quem sabe tenho sorte e a minha data de morte na verdade é hoje! — Marina disse sorrindo, fazendo com que Ana Paula, que ainda não conhecia seu humor ácido e inconsequente, a olhasse com estranheza.
Dois Ubers foram chamados. Marina não sabia sobre o outro carro, mas seu Uber claramente não estava feliz em levar três garotas embriagadas falando sobre morte, casamento e Tinder durante todo o caminho. Levou quase meia hora para que a viagem finalmente terminasse e as seis amigas se encontrassem na frente de uma modesta casa com muros altos em uma rua escura.
— É aqui mesmo? — Emília perguntou a Luísa.
— Sim, já estive aqui uma vez ou outra. — Luísa foi até a campainha e tocou. Dois cachorros enormes apareceram no portão, latindo alto, mas se acalmaram ao ver Luísa. — Se não são meus bebês! Quem são meus bebês? Quem são?
Luísa fala fino e passa a mão nos cachorros que parecem amigáveis com ela.
— Uma vez ou outra, né? — Isa comentou.
Luísa deu de ombros.
— Há muitas coisas que quero saber, e Sol disse que eu sou difícil de ler. Ao contrário da Marina, que só de tocar nela, Sol já sabe de tudo.
— Está com inveja de mim, Luísa? Acredite, se pudesse, eu daria toda essa coisa para você.
Sol se aproximou, e as garotas ficaram em silêncio, curiosas.
— Ah, meninas! Como estão? Venham por aqui, por favor. — Sol apareceu, abrindo o portão e segurando os cachorros pela coleira.
As meninas seguiram Luísa até a parte de trás da casa, onde havia uma sala toda decorada com as coisas mais hippies que Marina já viu. E há poucos segundos, Marina achava que Sol era a coisa mais hippie que ela já viu.
Sol apareceu por trás delas e pediu que elas entrem e ficassem à vontade.
Havia um banco longo encostado na parede onde todas se acomodaram. Sol foi até a mesa um pouco mais longe e sentou em uma cadeira de frente com as meninas.
Luísa se aproximou.
— Temos que ficar longe para não atrapalhar a leitura, nossas energias podem confundi-la. — Luísa sussurrou.
— Então... — Sol, com a voz calma que Luísa se lembrava, disse. — O que traz vocês aqui hoje?
— Queremos saber nosso futuro! Especialmente sobre o amor. Eu vou me casar no sábado e quero algumas previsões para espalhar. — Isa disse, recebendo um cutucão de Emília.
— Vocês têm sorte! Sinto uma vibração diferente esta noite, algo relacionado ao amor. Acho que foi o destino que trouxe vocês até mim. — Sol sorriu.
— Um destino chamado Luísa, a cliente número um deste lugar. — Marina sussurrou, arrancando algumas risadas de suas amigas.
— Então, quem quer ser a primeira? — Sol perguntou.
Isa levantou a mão.
— Eu!
Sol indicou para Isa se sentar em sua frente.
Marina não conseguia esconder o quanto estava incomodada com a situação. Não era segredo que ela não queria estar ali, mas, o que ninguém sabia, era que ela não tinha medo por si mesma, mas sim por sua prima.
— Você está fazendo de novo. — Emília disse a Marina.
— Fazendo o quê? — Marina perguntou.
— Cara de otária. — Emília respondeu. — Fala logo o que foi.
Marina sabia que ninguém a conhecia melhor do que suas primas, mas também sabia que era uma pessoa muito expressiva, e era fácil adivinhar o que ela estava pensando. Ela também não fazia questão de esconder.
— E se ela falar algo sobre o Felipe? E se ela disser algo negativo que vai deixar Isa triste? — Marina trouxe sua preocupação.
— E se ela salvar a pele de nossa prima? — Emília questionou.
— Como assim? — Marina perguntou, mas foi interrompida por Isa.
— Isso é sério? Você viu isso mesmo? — Isa falou mais alto do que queria, então olhou para trás, onde as amigas olhavam curiosas para ela.
Marina notou a expressão preocupada de sua prima.
— Eu avisei. Eu te avisei, Luísa. — Marina cruzou os braços.
Sol de repente se levantou.
— Sinto algo... — Sol fechou os olhos e levantou a palma da mão em direção a Marina.
— Tô começando a achar que a Sol não gosta de mim. — Marina comentou.
— Marina! Claro que é você. Sua energia é a mais invasiva que já senti. Tenho uma previsão para você.
Marina começou a rir e olhou para as amigas, esperando que rissem com ela, mas, em vez disso, elas a empurraram, sem delicadeza, em direção a Sol.
— Então, como vai, amiga? — Marina deu um sorriso sem graça para Sol.
— Fico feliz que tenha vindo, Marina. Nunca tive a chance de explorar mais essa sua energia... ela é tão viva, como se você contagiasse todos à sua volta, e quando você me contagia... consigo ver tudo.
— Sortuda. — Luísa murmurou.
Marina olhou para as amigas, que estavam ao redor dela.
— Será que, já que fui forçada a estar aqui, posso ao menos ter um pouco de privacidade?
Marina sabia que não estava pedindo muito para uma pessoa normal, mas para suas amigas, estava pedindo o equivalente a um grande favor.
Quando Marina se viu longe das amigas, virou-se para Sol.
— Por favor, nada muito dramático, que tal prevê quem vai ser meu próximo ficante ou algo assim?
Sol sorriu.
— Ah Marina, o que eu sinto de você é bem maior que isso. Agora eu entendo o que eu senti antes de vocês chegarem. Às vezes, tenho visões poderosas, daquelas que nada no mundo pode mudar. Como se fossem destinos, sabia? É exatamente isso que estou sentindo agora.
Marina cobriu o rosto com as mãos.
— Então, vá direto ao ponto. Quando vou morrer? Será em breve, não é?
Sol balançou a cabeça.
— Não é sobre isso, sua data da morte pode mudar, mas isso? Isso vai acontecer com você, e acontecerá em breve, muito breve, diria eu, em questão de dias.
— O que? O que vai acontecer comigo?
Marina sentiu um misto de exasperação e apreensão. Ela lutava contra a ideia de acreditar nas palavras de Sol, mas algo dentro dela, acreditava. Algo dentro dela sabia da energia que ela tinha e sabia que Sol não era uma charlatona. E ela estava realmente preocupada com o que Sol tinha a revelar.
— Você vai conhecê-lo, Marina. O amor da sua vida, o homem que você vai se casar, você vai conhecê-lo.
Marina sentiu todos os pelos do seu corpo se arrepiarem. Marina fez um gesto de desdém, mas no fundo, uma pequena faísca de esperança acendeu dentro dela. Talvez fosse o calor da noite ou a proximidade do casamento, mas Marina decidiu que não custava nada jogar a toalha branca na sua luta contra o amor.
De repente ela percebeu que estava mais preparada para receber a notícia da sua morte do que isso.