SR. COOPER

1178 Words
Acordei mais cedo que de costume, fui para a cozinha e liguei a cafeteira, era uma rotina válida e aquilo me permitia impedir as dores por abstinência de cafeína. Me sentei de frente a porta de vidro que dava direto ao quintal esverdeado com o gramado repleto de brinquedos dos anões com o qual eu convivia. Peguei o celular e brevemente vi uma mensagem do mesmo número do dia anterior. Eu sabia que não tinha relação, tudo não passava de uma coincidência fodida. Optei por ignorar as paranoias do meu cérebro e ignorar a mensagem. Joguei o aparelho em cima da mesa  e me apertei num cruzar de braços. A cafeteira parou e deu leves apitos de conclusão. Fui até a mesmo e enchi minha xícara com café, sem adoçar o líquido. O tomei lentamente enquanto encarava o fundo da porcelana. Respirei de maneira forte, aspirando a fumaça para dentro, avaliando a marca do café. Peguei duas outras canecas e as servi, pingando adoçante e indo levar para Julia e Ana. Subi as escadas trêmula, dei uma respirada forte e me controlei, meu corpo sofria de culpa antecipada pelo trabalho que eu não precisava estragar, mas que talvez fosse válido. Fui até meu quarto e acordei Júlia. ⇁Acorda minha filha, se não vou derrubar em você esse café quente. ⇁Disse lhe puxando o edredom. ⇁Nossa que cheiro maravilhoso! ⇁Falou com um sorriso. ⇁Obrigada, mas anda logo. ⇁A tal da s*******o. Fui até o quarto da minha mãe e fiz o mesmo, lhe entreguei o café. Ela estava entretanto, um pouco preocupada com alguma coisa, e eu fiquei me questionando se ela teria mexido nas minhas coisas. ⇁O que está te incomodando mãe ? ⇁Falei me sentando ao seu lado. ⇁Não sei, estou sentindo algo r**m como se alguém estivesse querendo o nos incomodar. ⇁Respirou fundo. ⇁ É só coisa da minha cabeça. ⇁Disse me deixando mais nervosa. Lhe dei um beijo na bochecha e a deixei, fui até a cozinha e peguei meu celular, o coloquei no bolso sem o checar a mensagem. A vontade de roer as unhas de ansiedade era grande, mas eu não queria ceder a essa ilusão. Fui até Júlia e ela estava se arrumando já para irmos ao Campus. Saímos apressadas, peguei a moto e fomos direto por um caminho diferente. Júlia me pediu para que eu não passasse pela Avenida, o que era sensato já que as manchas de sangue provavelmente ainda estivessem por ali. Ela se recusava em forçar seus pensamentos com suas lembranças do acidente. A garota m*l havia dormido a noite anterior, lembrando do que havia visto e um pouco sistemática com barulhos altos. Guardei a moto no estacionamento e corremos para as salas, dessa vez, cheguei a tempo e não chamei a atenção dos de mais. Adam se sentou ao meu lado, pegou sua câmera e me mostrou fotos que ele havia tirado da poluição da cidade, e é claro, a ideia não era original. Outros 3 pares haviam feito o mesmo. ⇁O quê se tem de desastroso numa cidade tão morta como esta a não ser garrafas pete flutuando nos córregos ? ⇁Me fez rir. ⇁Talvez um acidente de carro. ⇁Falei lhe mostrando um curativo que se prendia acima de minha sobrancelha esquerda. ⇁Onde fez isso ? ⇁Falou preocupado. ⇁Onde isso aconteceu. ⇁Disse lhe mostrando as fotos do acidente. Ele estava horrorizado, era chocante e ao mesmo tempo era nosso passe para uma nota. Apanhou a câmera e segurou sua repulsa, de repente ficou sério, pálido e indignado. ⇁Megan está não é... ⇁Apontou a imagem da jovem e continuou: ⇁Sandra Kilbor? ⇁Me fez gelar. Eu sabia que ela era familiar, uma estudante de direito, aluna exemplar da Universidade. ⇁Adam, eu não tinha certeza se conhecia ela. ⇁Falei dando zoom em seu broche dos Beatles. Sua banda favorita. ⇁Esse é o pior trabalho que faremos. ⇁Disse com voz forçada, num tom pasmo e nada feliz, apenas envolvido. ⇁O trabalho mais horrível, e mais desastroso... ⇁Completei sem mais reações, Adam Cooper sabia como eu estava me sentindo, afinal, estávamos juntos nessa. (...) Luísa a professora, chegou à sala com ar de mistério e soltou: ⇁A nota do trabalho de hoje, vai valer a metade da nota do semestre, ou seja? Me impressionem! - Falou com ar de grandeza e sentou pondo os pés sobre a mesa. Ao fundo já se ouviam alguns indignados, algumas reclamações, e então as apresentações começaram por ordem alfabética, como Adam era o primeiro da lista fomos os primeiros a nos apresentar. De todos os parceiros da sala, é claro que eu tinha que ter ficado com o primeiro da lista. ⇁Cooper e Altovski, trouxeram um pendrive? ⇁Nos chamou, já segurando a caneta vermelha. Me coloquei à frente da classe, Adam me cutucou como se fosse um aviso para que eu começasse a puxar a apresentação. Liguei a câmera ao projetor e Adam apagou a luz quando finalmente começamos a passar as imagens. Alguns gritos assustados e umas duas garotas começaram a chorar, era como se todos já soubessem quem era embaixo das ferragens. ⇁Bom, como todos po-podem ver. ⇁Continuei: ⇁Esse foi o acidente de ontem na Avenida Coutinho. Nós tentamos pegar o desastre de vários ângulos e b-bom, tentamos passar... ⇁Fiquei em silêncio, e Luísa me interrompeu. Naquele momento eu tive noção de que havia feito uma escolha errada. ⇁Megan as fotos são realistas, mas devido o acidente ter sido recente, peço que o apresente novamente numa hora propícia. ⇁Ela continuou num aviso. ⇁Os de mais alunos, tem 10 minutos para se recompor e tomar uma água, e depois continuaremos com as apresentações. Todos saímos e ela nos acompanhou, me dando um sinal com a mão para que eu e Adam fôssemos atrás dela. Fomos para uma sala vazia e ela se pôs a falar: ⇁Mesmo sendo um trágico acidente vocês tiraram nota máxima, eu gostei da forma como as fotos capturam o drama, as lágrimas e o sangue e mesmo sendo mórbido eu gostei. Não é como se fosse comum esses acidentes por aqui. ⇁Ela era bem estranha pelo que vimos, mas as fotos tiveram grande impacto sobre os alunos o que devia ter resultado numa suspensão ou coisas do tipo. Eu não sabia se sentia felicidade ou culpa, mas Adam pelo contrário só sentiu culpa. Me deixou sem dizer nada, o vi sumindo apressado pelo corredor. Eu não sabia o que fazer, era como se aquilo fosse culpa minha e ele não tivesse topado também. Eu estava indignada com aquela reação, e por breves instantes me lembrei do que havia recebido pela manhã. Peguei meu celular, e resolvi ler a mensagem. "Não precisa me agradecer, Meg." Me assustei e quase o derrubei no chão. Aquela forma de me chamar, apenas meus pais me chamavam assim, era familiar porém eu não fazia ideia de quem poderia ser o que me provocou um grande surto. Foi intencional, naquele lugar coisas assim não acontecem. Algo me forçava a lembrar e ao mesmo tempo comecei a ficar tonta. Escorei o braço num bebedouro ao meu lado e uma mão me segurou enquanto a luz se apagava e o assustador escuro chegava aos meus olhos, por um minuto ouvi: ⇁Se acalma, Meg. ⇁Um sussurro gélido com aroma de hortelã. Era só o que pude sentir e ouvir antes de apagar.
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