"São tudo histórias, menino. A história que está sendo contada, cada um a transforma em outra, na história que quiser. Escolha, entre todas elas, aquela que seu coração mais gostar, e persiga-a até o fim do mundo. Mesmo que ninguém compreenda, como se fosse um combate. Um bom combate, o melhor de todos, o único que vale a pena. O resto é engano, meu filho, é perdição"- Caio Fernando de Abreu
Todos têm uma história. Por trás de cada riso, de cada coração ferido, de cada cabelo branco, de cada olhar e de cada ruga. Existe uma história.
Sua vida pode ser uma comédia, uma aventura ou uma história de superação, sucesso e amor. Mas pode ser também um drama, uma tragédia ou a monotonia da não-mudança.
Porque todos nós temos tudo isso em nossas vidas. O que muda é como editamos, em quais experiências mantemos o foco e sobre o que falamos.
A verdade é que as histórias existiam antes de sabermos o significado disso. E cada pessoa carrega o peso da sua história. A moça que conta as moedas para comprar pão todas as manhãs tem uma história. O homem que está de trás das grades com uma carta de amor na mão, tem uma história. A criança que num dia quente de domingo, está em um hospital em vez de estar na rua brincando, tem uma história.
A minha história, sei que não é a pior. Mas é para você pensar e refletir, que se você está achando r**m, imagine eu. Ou seja, sempre existe alguém pior, então sorria e agradeça aos céus por sua história, pois ela fez e completou cada centímetro do seu ser, da sua personalidade, e sem ela, você não seria nada.
Semana passada, meus pais morreram. Acidente de carro. Acontece muito. Matou os dois na hora, enquanto isso, eu estava em uma festa dançando e me divertindo com meus amigos. Não é à toa que me senti culpada.
Foi o pior dia da minha vida.
Eu estava me divertindo. Havia saído escondida, nem meu namorado sabia. Era uma festa calma na casa de uma conhecida, apenas músicas eletrônicas e sertanejo universitário. Estava tudo indo bem, então resolvi ligar para o meu namorado, Yan. Ele não atendeu, então resolvi ligar de novo.
Ele atendeu no segundo toque.
Perguntei o que ele estava fazendo e o mesmo disse que tinha dor de cabeça e que estava indo dormir. Achei melhor não o perturbar, então só desejei melhoras e uma boa noite.
Eu e Yan éramos o casal modelo do Colégio. Todos achavam que nós éramos os mais propensos a nós casar e ter filhos. Sempre que chamavam algum de nós para algum lugar, já contavam com a presença do outro, pois nós dois juntos, animávamos a festa.
Desliguei o telefone sorrindo. Eu não estava certa se amava Yan, mas estava satisfeita. Sentia um carinho enorme por ele.
Então me virei e vi meu namorado vindo do lado de trás da casa abraçado com minha melhor amiga. Eles pararam e se beijaram. Por um momento fiquei imóvel, mas assim que fui na direção deles, ele pegou na mão dela e subiu as escadas, onde ficavam os quartos.
Posso ter mil e um defeitos...e ira é um deles. Subi as escadas me debatendo em pessoas bêbadas e pessoas que fingiam estar bêbadas, cheguei ao andar de cima e fui em direção ao quarto que acabará de ser fechada a porta. Por um momento fiquei ali. Pensando se era mesmo o Yan. Bom, se era ou não, só havia um jeito de descobrir, não é mesmo?
Abri a porta com toda minha força. Giovanna, minha ex melhor amiga estava apenas de lingerie e meu ex namorado, de cueca. Os dois estavam se agarrando e quando me viram, se largaram. Naquele momento, eu pensei em tudo. A janela estava aberta, não precisaria de muito para joga-los ali. Ou eu poderia apenas fechar a porta. Mas não fiz nem um, nem outro. Apenas fiquei lá, paralisada vendo aquela cena. Eles repetiram juntos aquelas palavras clichês que dizem em uma situação dessa.
Não é o que você está pensando.
Se era, ou não, eu não sei, pois naquele momento, eu só pensava na minha melhor amiga indo para a cama com meu namorado.
Eles vieram em minha direção, eu apenas dei dois passos para trás e disse "divirtam-se."
Me virei e fui embora.
Talvez a ficha não tivesse caído ainda, pois peguei o primeiro copo que vi pela frente e vi alguns amigos. Bebi e dancei como se não houvesse amanhã. Mas teve um amanhã.
Cheguei em casa quatro da manhã, e nem reparei se meus país haviam chegado. No meu celular, haviam tantas chamadas pedidas, que por causa do álcool, não consegui distinguir o número. Achei que seriam de Giovanna ou Yan, então desliguei o telefone e dormi.
Acordei com meu irmão me chacoalhando.
Meu irmão.
Ele mora em uma cidade no interior do São Paulo. Fiquei um pouco confusa por vê-lo ali. Ele nunca vem nos visitar. Então só poderia significar algo r**m. Levantei em um pulo. Percebi pela aparência de meu irmão que algo realmente sério havia acontecido.
Seus olhos estavam inchados e vermelhos. Seus cabelos pretos, bagunçados. Tinha um olhar triste e cheio de pena. O meu irmão. No auge dos seus 23 anos, o cara mais descontraído que conheço, parecendo que acabou de sair de um funeral.
Mal sabia eu, que tinha um marcado para ir no mesmo dia.
Rael me contou que nossos pais saíram a noite para comprar comida juntos e um motorista bêbado bateu neles. Nossos pais morreram na hora, mas o motorista sobreviveu sem nenhum arranhão, pois dirigia uma Hilux e meus pais, um velho Sedan.
O funeral foi h******l. Nossa família não tinha lá as melhores condições, meus pais tinham um dinheiro no banco, mas era pouco, a casa era alugada e o carro estava acabado. Meu irmão pagou o funeral com suas economias e deixou o dinheiro no banco para mim, já que era para pagar minha faculdade.
Eu sou Maya e essa é minha história...Ou parte dela. Mas foi essa história que me levou a estar em um carro, viajando com meu irmão mais velho para Águas de São Pedro no meio do ano. Onde vou morar com ele e seu primo de consideração, já que o mesmo é filho do ex marido da nossa tia. Não o considero primo, pois nunca o vi. Meu irmão foi morar com minha tia quando tinha 15 anos e na época, ela era casada com o Otavio, pai de Arthur, o primo de consideração do meu irmão....ta dando de entender? Pois então, Arthur é dois anos mais novo que Rael. Meu irmão foi morar só, quando nossa tia separou do Otávio e quando Arthur começou a faculdade, se cansou do pai e foi morar com ele.
Meu irmão, Rael, terminou a faculdade ano passado e hoje é um advogado. Mas tem sido difícil para ele pegar algum caso naquela cidade pequena. Tem uns 2.000 habitantes apenas! Eu moro na capital de São Paulo, qualquer cidade com menos de cem mil habitantes é pequena para mim, agora imagina 2.000.
Tenho 18 anos e sou a única da minha turma do ano passado que não está em uma faculdade. Meus pais não tinham dinheiro para pagar uma. Estávamos juntando e quem sabe no ano que vem.
Eu não sou a pessoa mais inteligente do mundo, minhas notas sempre estiveram na média. Não consegui uma pontuação boa no Enem então uma vaga na Faculdade federal é apenas um sonho.
Claro que o governo oferece outros meios como financiamento estudantil, mas não quero terminar a faculdade e já estar endividada.
Acabamos de entrar na cidade de Águas de São Pedro, que devido ao extenso nome, decidi apelidar apenas de "Águas".
Minha nova vida.
Meu irmão ficou calado a viagem toda. Mas seus olhares me passavam segurança. Nós não nos víamos muito depois que ele se mudou, mas éramos muito ligados. Meu irmão, assim como eu, tem os cabelos negros e a pele tão branca quanto uma casca de ovo. Ele puxou os olhos pretos de nossa mãe e eu puxei os olhos azuis-acinzentados de nosso pai.
Chegamos a uma casa pequena de dois andares branca. Tem o portão gradeado preto e um muro não muito alto. Descemos do carro. Meu irmão pegou minha mão e a apertou.
-Eu sei que está sendo difícil, May, faz apenas uma semana, mas quero que se sinta em casa, maninha.-Ele deu um beijo na minha testa e abriu o portão.
Agarrei o cordão da minha mãe, que foi a última coisa que sobrou para me lembrar dela e entrei. Até que a casa não era tão pequena como imaginei e eu tenho um quarto só para mim.
Adentramos a sala e vejo um garoto que imagino ser Arthur. Ele se virou e tenho a surpresa. Arthur é lindo e jovem. Um moreno com barba e olhos marcantes. Alto e sorridente. Quando ele me vê, vem em minha direção.
-Maya não é? Eu sou Arthur.-Ele estende a mão e eu o cumprimento. -Sinto muito pelos seus pais, se serve de consolo, também perdi minha mãe.
Ele veste uma blusa verde, um short branco e um tênis da Nike. Seus dentes são brancos e os olhos castanhos. Tem os cabelos bagunçados e uma pose de garanhão. Não duvido que ele seja bem competido por aqui.
Ele dá um abraço em meu irmão, pega as chaves do seu carro e sai. Meu irmão me leva até meu novo quarto. Não é muito grande, tem uma cama, um guarda roupa e uma escrivaninha. Percebo que a janela da de frente com a janela dos nossos vizinhos. Meu irmão traz minhas malas e coloca no canto do quarto.
-Se quiser, podemos pintar.-Ele diz ao me ver observando a tinta Verde descascando da parede.
Meu antigo quarto era branco com lilás. Como estou numa cidade nova, acho que seria bom inovar a cor também. Esse poderia ser azul.
-Eu gosto de azul. -Digo.
Meu irmão coloca uma mecha de cabelo de trás da minha orelha e sai me deixando sozinha. Resolvo guardar minhas roupas no armário.
Quando me abaixo, meu cordão cai do meu pescoço. É um cordão de ouro, o pingente é uma estrela. É simples, mas minha mãe estava usando no dia do acidente. Ele está quebrado. Está faltando metade da Estrela. Deve ter se partido no acidente.
Como vendemos tudo, foi a única coisa que me restou para lembrar dela. Faz só uma semana, outra pessoa em meu lugar, estaria chorando até desidratar, mas eu sempre fui fria. Claro que eu chorei com a morte dos meus pais, mas foi só por uma noite. Eles eram pessoas especiais para mim, porém, sempre sofri calada. Tanto que todos os acontecimentos me tiraram a razão de sorrir. Lembro que eu era a pessoa mais sorridente e feliz que conheciam. Agora fica mais difícil sorrir sabendo que as quatro pessoas mais importantes da sua vida, ou estão mortas, ou não se importam com você.
Pelo menos eu tenho Rael.
Já está anoitecendo. Acho melhor tomar um banho e descer para ver se meu irmão fez algo para jantar.
Entro no chuveiro e deixo a água lavar toda a tensão, mas tem coisas que nem um bom banho quente apaga. Desligo o chuveiro e me enrolo na toalha. Vou para o guarda roupa e procuro alguma roupa. Pego um vestido solto velho e jogo a toalha no chão. Então vejo um par de olhos pretos me observando. Junto a toalha do chão rapidamente e coloco sobre meu corpo.
Lembra que eu falei que minha janela dava de frente com a dos vizinhos? Parece que meu vizinho é um p********o.
Me inclino sobre a janela e posso ver que o vizinho não é velho, parece ter minha idade, talvez um ano mais velho. Ele parece estar procurando algo, mas não tira os olhos de mim.
-Ou você fecha essa janela, ou eu vou aí e fecho para você, e não garanto que você estará vivo quando eu fechar a janela! -Grito para o garoto.
Ele sorri.
-Vou deixar a porta aberta, linda! Te espero pro jantar!-O garoto diz.
Mostro meu dedo do meio a ele e fecho a janela. m*l me mudei e já sou assediada.
Após me vestir, desço para a sala e encontro meu irmão e Arthur jogando vídeo game. Eu jogava com meu ex namorado, mas não era boa.
Meu irmão percebe minha presença e pausa o jogo.
-Está com fome, May?-Ele pergunta.
Eu posso não está muito apta para sorrisos e tudo mais, porém minha fome continua a mesma, se não aumentou. Meus pais sempre reclamavam que eu como demais, mas eu sei que minha mãe adorava. Ele sempre gostou de cozinhar e desde que eu descobri meu talento para comer e não engordar, ela tem trabalhado muito na cozinha. Ela tinha.
-To sim.
-Eu trouxe uma pizza, ninguém tocou nela ainda, você pode comer.-Arthur diz.
-So não coma tudo, papai me contou da sua fama. -Rael diz tentando ser engraçado, mas percebeu pela minha expressão que não achei engraçado, então limpou a garganta e prosseguiu. -Desculpe, é recente, acho que ainda não caiu a ficha pra mim e esqueci que você viveu com eles por mais tempo.
-Tudo bem. A ficha não caiu para mim também.
Vou até a cozinha, coloco três pedaços de pizza em um prato e pego a caixa com os outros cinco. Acho suco na geladeira e levo a caixa e o copo de suco para a sala.
A primeira reação dos garotos ao me verem é surpresa, mas se olham, riem e voltam ao jogo.
Me sento perto de Rael e mordo um pedaço da minha pizza.
-Então...você Já tem 18 né? Pretende entrar em uma faculdade ou arrumar um emprego?-Arthur pergunta sendo amigável.
Rael me contou que ele faz administração. Pretende assumir o negócio do pai.
-Não tenho dinheiro para entrar em uma faculdade e não consegui bolsa, então emprego é minha melhor opção. -Eu falo.
-Se quiser posso falar com um cliente meu, irmãzinha, ele tem uma estação de rádio e esta precisando de gente para servir cafés e organizar cds e eu sei que você ainda gosta de bancar a DJ.-Meu irmão diz.
No meu aniversário de 12 anos, eu ganhei um notebook da minha mãe, ele era de segunda mão, pertencia a um DJ. Tinha um aplicativo instalado de fazer remix, então comecei a usar. Eu me apaixonei por fazer batidas de músicas como um DJ de verdade, mas um dia meu notebook quebrou e não tínhamos dinheiro para consertar, então eu tive que abandonar meu hobbie.
-Pode ser legal.-Eu digo.
-Tá, amanhã falarei com ele.
Terminei de comer, subi para meu quarto e dormi a noite toda.