Capítulo III

1205 Words
Jonny saiu apressado de casa naquela manhã, precisava chegar cedo ao escritório e preparar o discurso final da defesa. O caso estava praticamente ganho. Seus colegas estiveram preocupados porque o cliente não tinha álibi comprovado até pouco antes do dia do julgamento, e assim sendo, dificilmente escaparia da condenação por latrocínio. Jonny já tinha encontrado o taxista antes, mas manteve segredo até para a equipe dele. Era importante para a tática escolhida que a equipe dele não parecesse confiante. Ele gostava da maneira que manipulava e ludibriava a promotoria. Com efeito, o júri logo demonstrou empatia pelo réu, que considerou injustiçado. A agressividade da acusação agora tinha o efeito desejado por Jonny, que sorriu como um lobo para o promotor do caso. Com mais uma vitória no seu currículo, Jonny estava satisfeito. Devia essa vitória, assim como muitas outras, a Ana. Foi ela quem sugeriu que o álibi fosse ocultado dos estagiários propositadamente. O caso era complicado, as provas eram dúbias e dependiam da interpretação do corpo do júri. Ana lembrou-lhe que dessa forma a promotoria acreditaria ter ganho o caso, relaxariam e agiriam com agressividade contra o réu, na tentativa de conseguir pena máxima. Um grave erro que causou a empatia entre jurados e réu. O tipo de jogada que deixava a promotoria extremamente irritada com ele, e, ao mesmo tempo, elevaria o valor do seu nome e o fazia receber inúmeras propostas. Jonny admirava mais ainda a esposa e a perspicácia dela, era grato ao apoio que sempre proporcionou à carreira dele, mesmo nos momentos mais difíceis. Naquela manhã, antes de sair de casa, ele havia visitado o quarto dela. A encontrou dormindo, em paz, fisionomia tranquila, livre das sombras e crueldade do mundo real. O rosto tão sereno, que ele não quis acordá-la, preferiu beijá-la em silêncio e permitir que ela descansasse um pouco mais. Noites de sono eram raras para ela… O Julgamento demorou três horas. Jonny se mostrou brilhante como sempre e a sua atuação foi decisiva para o veredito final. Os jurados estavam há pouco mais de vinte minutos deliberando. Durante o intervalo para a deliberação, Jonny estava parado no corredor, encostado na parede bebendo café. Um homem bem-vestido, cerca de 60 anos, olhar sério e sobrancelhas grossas aproximou-se. — Excelente atuação advogado, a promotoria não tinha a menor chance. — Muito obrigado, Doutor Moura, vindo do senhor, o elogio tem valor incomparável. — Então me conhece? Fico lisonjeado. — Pergunto-me por que um homem importante como o senhor estaria numa audiência sem significação política? — Tem razão, Doutor Baresi, esse é um caso um tanto ordinário. — Se interrompeu, estendendo a mão para cumprimentarem-se. — Doutor Moura, é um prazer finalmente conhecê-lo pessoalmente. — O prazer é todo meu! Aliás, você é a razão da minha presença e não esse caso. Ainda é jovem, no entanto, é razoavelmente experiente e sem dúvidas muito talentoso defendendo criminosos. Nunca pensou em estar do outro lado do tribunal? — Devo lembrar-lhe que o meu cliente será devidamente inocentado, doravante, não é um criminoso. — Não me referi a ele em específico. — O senhor se refere a estar do lado da defesa? — Sim, imagino que um homem como você na promotoria, ao lado da acusação, faria o ministério público varrer as ruas. — Para isso, senhor, com todo o respeito, já existem os garis. — Disse Jonny, debochado. — Perdoe as minhas palavras, a expressão é antiga, muito usada por um político amigo de meu pai. Um policial militar fardado aproximou-se de Jonny, alertando o chamado do meirinho. O júri havia terminado a deliberação e ele deveria voltar ao tribunal. Doutor Moura despediu-se logo em seguida. — O senhor não vai ficar para o veredito? — Não é necessário, nós dois sabemos o resultado. Peço-lhe, no entanto, que pense bem na minha proposta. — Então foi uma proposta? Doutor Moura sorriu e saiu sem responder. ◆◆◆ Depois do almoço, de volta à firma, Jonny estava sentado em frente a sua mesa, organizando os arquivos do caso que acabara de encerrar. O escritório dele era amplo, composto de dois ambientes, com janelas de vidro que iam do chão ao teto e mobiliado com móveis que poderiam ser objetos de museu, escolhidos a dedo por Jonny, que era admirador da era Vitoriana. Ele desviou sua atenção da tela do computador para a porta que se abriu. — Oi, Jonny! Eu vim parabenizá-lo pela vitória de hoje. — Muito obrigado, Marta! Devo dizer que minha equipe e eu conseguimos essa vitória juntos. Marta entrou fechando a porta atrás de si e deu uns passos em direção à mesa de Jonny, contornando-a de modo que pudesse ficar de frente para ele sem que a enorme mesa de madeira se interpusesse entre eles. — Jonny, sobre ontem… eu só queria te dizer… — Está tudo bem, Marta, nós bebemos demais e eu nem sei se lembro direito de coisa alguma. — Disse Jonny, tentando fazê-la sentir-se melhor sobre o assunto. — Jonny, você sabe… Aporta se abriu mais uma vez interrompendo o que Marta pretendia dizer. Diego segurava um envelope e olhava para Jonny com a fisionomia séria. — O que houve, Diego? — Perguntou Marta, irritada com o amigo pela interrupção. Diego olhou para os dois na sala com os olhos arregalados por trás dos óculos, então se virou para Jonny e disse com um suspiro: — Atendi, hoje pela manhã, um telefonema do delegado Meireles, ele tentou ligar para sua casa, mas como ninguém atendeu, ele ligou para cá. Eu estava me sentindo lindo e entediado aqui sozinho, então atendi o seu telefone.— Diego suspirou — Jonny, você precisa de um novo secretário urgente. De preferência um bonito, eficiente e não muito inteligente, por favor. — Vou ver o que posso fazer sobre isso, assim que me tornar sócio. Do que se tratava a ligação afinal de contas? — Perguntou Jonny, olhando para o envelope que Diego tinha em mãos. Marta aproveitou a deixa e saiu do escritório, deixando-os sozinhos. Diego acompanhou a saída dela com os olhos. — Jonny, prenderam o sujeito! Ele foi reconhecido por uma mocinha no shopping. Estava com a mãe que ligou para a polícia na hora. O delegado está pedindo para você levar a sua esposa para reconhecimento antes que ele acabe sendo solto. Sabe como é, né… Ela tem apenas dezesseis anos… Peguei tudo o que achei sobre ele e reuni nesse envelope pra você. — Obrigado, Diego. — Jonny respondeu ao analisar o conteúdo do envelope. Nome completo do homem, nome da jovem que o reconheceu, nome da mãe da jovem, escola onde estuda, local de trabalho do indivíduo… — Esse desgraçado filho da mãe é filho de um coronel? — Perguntou Jonny irritado. — Hum hum — Respondeu Diego fazendo um muxoxo. — Isso vai dar trabalho Jonny…Não gosto de dar conselho, mas se eu fosse você, entraria em contato com a promotoria, quem sabe você não dá uma mãozinha a eles? Jonny guardou o conteúdo do envelope em sua pasta e levantou, não respondendo o conselho de Diego, embora o tivesse guardado em mente. — Diego, eu vou sair, tenho que falar com minha esposa. Qualquer coisa, me liga.
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