Capítulo V

1969 Words
O delegado Meireles recebeu Jonny e Ana em sua sala. Conhecia o trabalho de Jonny e a sua competência como advogado há muito tempo, mas o conheceu pessoalmente pouco mais de três meses antes, no hospital. A memória de Meireles o levou até aquele dia, quando recebeu um telefonema da emergência de um hospital público. Um assistente social notificou a chegada de uma vítima de e*****o que deu entrada desacordada, entre a vida e morte, àquela noite. Chegando no hospital, Meireles se deparou com o marido da vítima, que estava muito transtornado, com olhos injetados e gritava com todos no hospital, exigindo notícias da esposa grávida de cinco meses. Delegado Meireles estava prestes a se apresentar e tentar acalmar o angustiado marido da vítima, quando um médico abriu a porta que dividia o corredor da emergência. — Senhor João Carlos Baresi? ‘O Homem passava as mãos pelos cabelos, com o olhar perdido. — Sou eu! — Respondeu o homem apreensivo e ansioso com o tom de voz muito mais baixo diante do médico. — Sua esposa teve que passar por uma cirurgia. Ela perdeu muito sangue, porém, está fora de perigo e está reagindo bem- — Graças a Deus! E o bebê? — Interrompeu o homem, beirando o desespero. — Senhor, eu sinto muito. Nós fizemos todo o possível… As palavras seguintes chegaram desconexas aos ouvidos de Jonny, que ficou tonto e perdeu a força das pernas. Meireles veio em seu auxílio, sentando-o numa cadeira e o médico continuou com as explicações. “… Terminamos de operá-la, mas ela ainda está sob efeito da anestesia. Ela inda não sabe que sofreu um aborto e vai precisar de todo o apoio que puder dar… Foram três facadas no abdome… perfurou o útero… hemorragia interna… não poderá mais ter filhos…”. O delegado apressou-se e segurou o homem antes que ele desabasse no chão. Com o seu tom autoritário peculiar, ordenou que trouxessem um copo d'água. O famoso advogado parecia um farrapo humano. Sem cor, olhos parados, sem brilho. Meireles virou-se para o policial fardado, que estava parado ao lado dele, e o mandou até o bar do outro lado da rua. Ele voltou dois minutos depois trazendo um copo cheio de conhaque que Meireles ajudou Jonny a beber. Foi assim que se conheceram. A partir desse dia, Jonny manteve contato com o delegado, ajudando no que podia com as investigações, e ansioso, muitas vezes grosseiro, cobrando a prisão do responsável pelo crime. Finalmente o pegaram, só precisavam de uma confirmação e só Ana poderia reconhecer o seu agressor. — Boa tarde! Delegado Meireles, viemos o mais rápido que pudemos. — Apertaram as mãos. — Boa tarde, doutor Baresi! — Meireles virou-se e sorriu para Ana. — Boa tarde, senhora Baresi! Estou contente por vê-la bem. Ana estava ao lado de Jonny, segurando no seu braço. Sorriu em resposta, agradecendo ao cumprimento do delegado. Ela simpatizava com ele e era grata pelo jeito paternal com que ele a havia tratado quando se conheceram. Se mostrava sempre compreensivo e paciente com ela. A primeira vez que ela o viu, no quarto do hospital, pensou que ele era um médico. Ele apresentou-se como delegado e assegurou-lhe que estaria diretamente encarregado das investigações. Estranho como, naquele dia, naquele frio e solitário quarto de hospital, ela se sentiu melhor ao vê-lo do que ao ver o próprio marido. — Por favor, sentem-se.— Disse o delegado apontando duas cadeiras que estavam à frente da sua mesa. — Doutor Baresi, antes de tudo, preciso informar-lhe de que o pai do suspeito está aqui com vários advogados exigindo que o liberemos. Um representante da promotoria está para chegar, teremos que esperá-lo para fazer o reconhecimento. Já conhece o procedimento. — Me chame de João Carlos, delegado, depois de todo esse tempo, não vejo motivos para tanta formalidade. — Claro, como quiser, João Carlos, gostaria que me chamasse apenas de Meireles. A porta se abriu e um inspetor entrou na sala. Era jovem, vinte e seis anos, cabelos loiros e olhos verdes, com um brilho felino peculiar em seu olhar, parecendo uma imagem de Eros renascentista. — Com licença, delegado Meireles, o doutor Moura acabou de chegar. — Obrigado, detetive André, diga-lhe que nós já iremos para sala de reconhecimento. — Sim senhor. O inspetor/detetive André Gonçalves foi dar o recado, saindo da sala e dessa história… ◆◆◆ Ana estava nervosa, segurava o braço do marido e algumas vezes o apertava forte com a mão, deixando marcas sem perceber. Jonny pousou a mão sobre a mão dela, na tentativa de passar-lhe segurança. Estavam diante da porta da sala de observação, contígua à sala de interrogatórios, separada por um espelho que possibilitava que identificassem os suspeitos, sem serem vistos por eles. — Não se preocupe, senhora Baresi, os suspeitos não poderão vê-la. — Eu sei, João já me explicou tudo. — Tivemos um reconhecimento positivo mais cedo, realizado pela jovem que o viu no shopping, com o seu reconhecimento, faremos o possível para que ele não consiga responder o processo em liberdade. — Disse doutor Moura, de maneira amável. — Tem chance dele não vai ficar preso? — Perguntou Ana, com a voz mostrando ansiedade. — Não se preocupe, querida, ele vai apodrecer na cadeia! Doutor Moura está apenas sendo profissional. — Veremos se a senhora Baresi reconhecerá o meu cliente ou não, como seu agressor, antes de falar em prisão preventiva. — Disse o homem que acabara de chegar por trás deles. Era um homem alto, de aspecto cadavérico, vestindo um terno escuro, óculos de lentes grossas e carregando uma maleta de couro. Apresentou-se como doutor Alvares, advogado do suspeito. Meireles abriu a porta e depois que todos entraram, ele fechou a porta atrás de si e se posicionou de pé, parado no canto da sala. Em frente a enorme vidraça que dividia a sala, estavam: doutor Alvares, doutor Moura, Ana e Jonny. Podiam ver diferentes homens entrarem na outra sala. Todos tinham características físicas semelhantes: caucasianos, cerca de trinta anos, altos, corpo atlético de quem frequenta academia. Seis homens entraram na sala no total, quase todos ao mesmo tempo, no entanto, no momento em que o quinto homem entrou, Ana levou a mão à boca, abafando um grito. Seu rosto ficou pálido e os lábios perderam totalmente a cor. Jonny teve que ampará-la, para que não caísse. Meireles adiantou-se trazendo uma cadeira para ela sentar. — A-aquele homem, o de número cinco… foi ele! Jonny virou-se novamente em direção à vidraça, pela primeira vez podia ver o homem que atacou sua esposa. Nunca pensou que fosse capaz de odiar tanto um ser humano, se é que se pode chamar homens como aquele de ser humano. — A senhora tem certeza de que foi aquele homem que a agrediu? — Perguntou doutor Moura com a voz clara. — Sim! Foi ele! Ana se descontrolou e chorou. Um choro profundo e dolorido, tentando enxugar do rosto as lágrimas com as mãos trêmulas. Doutor Moura entregou-lhe um lenço e buscou Jonny com os olhos, notando que ele ainda estava parado em frente a vidraça, encarando o homem apontado por sua esposa. — Senhor João Carlos, já terminamos, pode tirar a sua esposa daqui. — Sugeriu o delegado. A voz do delegado trouxe Jonny de volta a realidade. Quando estava saindo da sala com a esposa, foi parado pelo doutor Moura. — Gostaria de conversar com o senhor, se não for incômodo. — Sinto muito, doutor Moura, como pode ver, minha esposa não se sente muito bem. — Pode falar com ele, João, eu vou ficar bem, tem umas coisas que quero perguntar ao delegado. — Disse Ana, determinada. Surpreso, o delegado assentiu lentamente, levando Ana mais uma vez para sua sala. — Senhora Baresi, em que lhe posso ser útil? — O que vai acontecer agora? — O seu marido não lhe explicou o protocolo? — Sim, do jeito técnico dele, mas o que quero saber… O que quero saber, de verdade, é pelo que vou passar… O que vai acontecer comigo? Meireles respirou fundo. Sabia exatamente pelo que ela estava prestes a passar. A partir daquele ponto, a defesa faria o possível para desacreditar, desmoralizar e culpar as vítimas. Vítimas de e*****o têm suas vidas expostas na mídia, sua moral e conduta questionadas, como se fosse possível justificar o e*****o. Numa sociedade machista, muitas vezes, o e********r toma o lugar de vítima e a vítima é julgada e condenada pela opinião pública. — Honestamente falando, senhora Baresi, não vai ser fácil, mas tenho certeza que o seu marido vai fazer todo o possível para resguardá-la. — Eu vi várias vezes na televisão como são tratadas as mulheres que denunciam um e*****o. Soube de uma jovem que se matou ano passado, porque a estavam acusando de ser golpista. Mostraram fotos íntimas dela na internet e outras coisas do tipo. — Infelizmente, isso acontece, mas se as mulheres ficarem caladas, esses cretinos ficarão impunes, fazendo o mesmo com outras mulheres. — Eu entendo… — Espero que a senhora não desista de fazer justiça. — Não desistirei, delegado, a justiça será feita! Só quero preparar-me para o próximo passo. ◆◆◆ — Como é estar deste lado da justiça, doutor Baresi? — Perguntou doutor Moura. — Sempre estive do lado da justiça. — Sim, mas perceba que a própria justiça tem dois lados. Todo acusado tem direito a defesa e o senhor sempre esteve do lado da defesa. Acredita mesmo que todos os seus clientes eram inocentes? — Esse é o princípio do direito de defesa, não é mesmo? Inocentes até que se prove o contrário! — Certamente, pelo menos em teoria… O senhor ligou para meu escritório antes de vir para cá, posso saber o motivo? — Quero ajudar na acusação, ainda que não oficialmente. Quero esse desgraçado preso pelo resto da vida, que o tranquem e joguem a chave fora! — Isso será impossível… — Posso saber o porquê? — Jonny franziu o cenho. — O senhor mesmo me disse que gostaria que eu entrasse para a promotoria… — Sim, eu disse, mas isso foi antes de vocês pegarem o caso. — Como assim, “vocês”? — Perguntou Jonny, surpreso. — A firma onde trabalha, doutor Baresi, fará a defesa do homem que estuprou a sua esposa. Irônico não? Não poderei aceitar a sua ajuda devido a conflito de interesses… — Não é verdade, eles não fariam isso! — O doutor Alvares é apenas um advogado procurado pelo pai do nosso “suspeito”. Depois que o senhor foi para casa ontem, o coronel Peçanha, pai do acusado, foi diretamente falar com um dos sócios da firma, um amigo seu… Jorge, se não me engano. Doutor Moura encarava Jonny com seriedade, observando a rapidez com que o advogado assimilava as informações. — O senhor pode ter certeza de uma coisa, doutor Moura, não importa quem o defenda, ele não ficará impune! Esse homem vai pagar pelo que fez a minha esposa, dou a minha palavra! Jonny levantou-se de súbito e seguiu caminho em direção à sala do delegado para buscar a sua esposa, para que pudessem voltar para casa. No corredor, no entanto, passou pelo doutor Alvares, que conversava com o cliente, que estava algemado, acompanhado de dois policiais fardados. “Como assim a v***a me reconheceu? Você é pago para me tirar daqui…” “O senhor precisa se acalmar, Flávio, ainda podemos pedir um Habeas Corpus. Tem emprego fixo, não tem antecedentes…” Ao olhar para Jonny, Flávio sorriu desafiador, levou a mão a boca e com o dedo indicador mandou um beijo, de modo provocador. Jonny não cedeu à provocação, estava muito acima disso, seu olhar duro e frio foi o suficiente para fazer Flávio abaixar a cabeça.
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