CAPÍTULO 01 — ARIEL

2075 Words
— Você é mesmo louca, garota. — Daniel fala sorridente e eu retribuo. — As freiras vão cortar sua cabeça se não voltar agora mesmo. — Eu pareço preocupada com isso? Elas já teriam me matado de qualquer maneira se pudessem. — respondo. — Ariel, você está a um passo de ser expulsa do orfanato. Deveria estar se comportando bem, quem sabe assim te deixassem ficar mesmo depois dos dezoito… — Nunca me deixariam ficar, Daniel. Você sabe que aquelas bruxas me detestam. Elas não viam a hora de se livrar de mim, acha que me dariam uma chance agora que vão conseguir o que querem? – Explico porque parece que ele não entendeu minha situação ainda. Se houvesse uma saída, eu já teria encontrado. — Olha, nós temos pouco tempo. Tem certeza que é assim que você quer passa-lo? Eu só preciso terminar de falar para ele tirar a tensão dos lábios e então me encara com um sorriso nos lábios, vencido. Daniel me beija, me lembrando de como amo seus beijos e carícias. Nós estamos namorando por mais de um ano. Tudo bem, eu moro praticamente em um convento. Mas as freiras são as bruxas que cuidam do orfanato, não eu ou as meninas que moramos nele, muito pelo contrário. Eu sou a loucura delas, que sempre me odiaram e me mantiveram afastada das outras meninas com medo que eu as influenciasse. Certo que eu não sou o melhor exemplo. Nem mesmo meus pais me quiseram, então tem que haver algo errado comigo. Mas não acho que isso fosse necessário, todo esse afastamento. Eu não roubo, não fumo. Não tenho problemas com álcool. O que tem de tão errado em namorar? Ou em usar roupas curtas? Depois de um tempo aproveitando o Daniel e seus beijos, decido que não há mais como adiar a volta para o inferno onde moro. Melhor eu ir, antes que elas percebam que eu saí de novo e nem me deixem entrar dessa vez. Mais uma noite. É tudo que tenho e estou na rua. — Eu preciso ir agora. — Interrompo os beijos e dessa vez é ele que protesta. — Agora que estava ficando bom? — Se lamenta. — Eu não vou t*****r com você aqui nessa casa abandonada, Daniel. Sabe bem que eu não gosto dessas coisas em público e alguém pode entrar a qualquer momento. Além disso, se me quiser, trate de arrumar ao menos uma cama digna. — Reclamo. — Eu acho que merecemos mais que viver enfiados em becos. — Então até mais, pode ir! — Vejo a raiva explícita em seu rosto. — O que é essa cara emburrada? Apenas porque não posso dar para você agora? — Solto ofendida mas tentando não ser muito autoritária. — O mundo está desabando em minha cabeça e é apenas para isso que você me quer? — Falo em tom de brincadeira, mas admito que há um fundo de verdade. — Sabe que não, minha Ari. — É tudo que diz para se explicar. — Eu acho bom que seja verdade, ou você vai ficar sem ele. — Aponto para o meio de suas pernas e ele gargalha. — Olha… Vindo de você, eu não duvido. — Até mais, Dan. — Sorrio. — Eu te vejo amanhã? – Falo dando um último selinho de despedida. — Eu não vou poder vir amanhã. — O que? Porque? Onde você vai estar em pleno o meu aniversário e quando estou sendo expulsa? — Questiono surpresa, incrédula. O que há de mais importante que me apoiar nesse momento? — Tenho um compromisso b***a, nada que precise se preocupar. — Desconversa. Comigo há algo que ele devesse se preocupar, mas ele está deixando de participar desse momento por um “compromisso b***a” como acaba de chamar. — A gente se vê, cuidado. — Tudo bem. — Consinto sem tempo nem cérebro para gastar discutindo com Daniel. Há muito o que me preocupar agora. Saio da pequena casa velha e sigo meu caminho para o inferno. Nós sempre nos encontramos aqui nesse mesmo lugar e hora. Esse pequeno espaço é o nosso ponto de encontro quando consigo fugir do orfanato, não tem porta então é o último lugar onde virão me procurar. É o nosso cantinho. Não é muito, mas é onde dá pra nos vermos enquanto estou naquele lugar i****a. Ou então, em alguns becos. Em breve, não terei essa preocupação - terei piores. Eu caminho de volta ao orfanato, torcendo para não encontrar nenhuma das irmãs na entrada, não estou com estômago para dar satisfações. Caminho rápido, quase correndo enquanto meus fios dourados voam pelo meu rosto e eu os tiro com rapidez para enxergar melhor. Não é nada legal morar neste lugar, mas é o único lugar que tenho. Eu não gosto de aparentar fraqueza na frente do Daniel, até porque acho que o motivo dele me amar é eu ser essa garota desencanada que pareço não levar nada a sério. Eu finjo ser forte, visto uma armadura. Mas por dentro, estou desabando. Eu não tenho para onde ir, então por mais que eu deteste esse é o único teto que tenho. Chego rápido ao orfanato e escalo a casa ao lado subindo em seus tijolos. Assim fica mais fácil pular diretamente para a janela do meu quarto, que por acaso é o único que fica em cima, bem afastado dos dormitórios das outras meninas. É como um porão onde elas me escondem. Assim, sempre que alguém chegava procurando alguma criança para adotar, não chegariam a me ver e assim eu não “estragaria” tudo. Eu pulo pela minha janela e esbarro fortemente contra o chão. Eu já deveria ter me acostumado com isso, mas não, ainda dói. Me levanto alisando meu ombro dolorido, rindo da minha própria tragédia, mas me assusto ao encontrar a irmã Sara sentada em minha cama. Chego a saltitar com susto e a surpresa indesejada. — Onde você estava, Ariel? — Ela pergunta séria. — Não é da sua conta. — Respondo de primeira, ignorando sua presença e me aproximando da minha escrivaninha. Tiro umas pulseiras do meu pulso e guardo, fingindo naturalidade. — É melhor você começar a falar, imprestável! Eu não estou te perguntando por estar interessada ou preocupada com você, mas porque não quero manchar a imagem desse lugar. Enquanto morar aqui, você leva o nome desse orfanato. — Despeja suas palavras frias. Nada me choca, afinal, não é a primeira, nem a milésima vez que preciso ouvir isso. — Eu creio que você não vai gostar de saber o que eu estava fazendo, irmã. — Retribuo sua frieza. Ela então se aproxima de mim e tenta esbofetear meu rosto, levantando a mão enrugada. Mas antes que seu tapa me alcance, eu seguro seu braço no ar. — Não encoste em mim. Você sabe que eu não ligo em você ser uma freira e vou revidar. Você usa o nome de Deus para esconder a sua verdadeira face, a face do demônio. Então te dar o que merece não vai ser um pecado. Mas não se preocupe, amanhã eu não estarei mais aqui e vocês vão ficar somente com suas robôs e imaculadas que tanto amam. — Eu a advirto e posso ver o ódio em seu olhar escuro, muito ódio. — Eu não vejo a hora de me livrar de você, sua inútil! A melhor coisa que o seu pai fez para si mesmo, foi ter deixado você aqui. Mas se eu pudesse voltar atrás, nunca teria te aceitado. Você é uma vergonha. — Ela solta as palavras e não posso ver nenhum arrependimento em seus olhos, ela simplesmente me olha e sai do quarto me deixando paralisada. Apesar de tudo, olho para os céus com lágrimas nos olhos e agradeço. Finalmente, posso parar de me esconder. Suas palavras por mais que eu nunca admita audivelmente, me cortam profundamente. Eu sou uma vergonha? O que eu fiz? Qual o meu problema? Tudo que eu sempre desejei na minha vida foi ter uma família, um lar. Que uma única pessoa me amasse de verdade. Busquei afeto de qualquer um que apareceu na minha vida, como uma necessidade, uma carência. Eu sou quebrada em milhões de partes, mas ninguém consegue ver. Ou melhor, ninguém se importa. O Daniel parece estar comigo porque sou boa para ele, porque não encontrou nada melhor. Minha mãe abandonou a mim e a meu pai quando eu era só um bebê, eu não me lembro dela e nem do seu rosto. Meu pai me trouxe para esse lugar horrível quando eu tinha cinco anos. Eu me lembro dele, do seu rosto, de seus cuidados. Eu achava que ele me amava do fundo do seu coração, que era meu porto seguro, meu lar. Mas pelo visto eu me enganei. As freiras, nunca se importaram comigo. Sempre me destrataram e faziam distinção entre as outras meninas e eu, mesmo quando eu ainda era uma criança machucada tentando chamar a atenção. Flashback on ~ — Vamos pra cama, filha? Está na hora, pequena sereia. — Tudo bem, papai. – Respondo feliz. Eu amo tanto meu pai, que mesmo eu não tendo uma mamãe, tenho a ele que cuida bem de mim. Papai me leva em seus braços até minha cama e eu bocejo. Estou tão cansada depois do dia na escola e a tarde de brincadeiras. Papai está um pouco sério, mas quando eu o olho sorrindo, ele retribui. — Boa noite, Ari! – Ele sussurra. — Amanhã podemos brincar no parque de novo, papai? Eu adorei o dia de hoje. — Pergunto sonolenta. — Amanhã vemos isso, está bem? Só durma, meu amor. – Ele pede. O papai está estranho. Ele sempre ama sair comigo e só n**a se houver algo muito importante para fazer. Ir ao parque, tomar sorvete, correr nas ruas, ele se esforça por mim. Mas ele está tão sério essa noite. Será que há algo errado com o trabalho? — Aconteceu alguma coisa? — Pergunto curiosa. — Não, meu anjo. Não aconteceu nada. Apenas não pense em nada e tenha uma ótima noite. Vai ficar tudo bem. – Ele fala e beija minha testa. Eu o olho com meus olhinhos pequenos e pesados pelo sono. Estou sorrindo quando ele acaricia meus cabelos, isso é bom, dá ainda mais sono. — Boa noite, papai. — Sussurro e adormeço. Flashback off ~ Essa foi a última vez que vi meu pai. Eu tinha só cinco anos e nem sonhava o porque ele estava tão estranho naquela noite. Me preocupei sobre o trabalho dele, enquanto ele já tinha tudo planejado para me abandonar. Quando eu acordei no outro dia, eu já estava aqui nesse lugar infernal. As freiras diziam que meu pai estava viajando e voltaria logo. Elas me deram esperança. Eu passava os dias sentada na frente do orfanato, esperando sua volta. Dias se tornaram meses, meses se tornaram anos, e anos, viraram uma eternidade. A última frase dele para mim, martelava em minha mente todos os segundos do meu dia: "Vai ficar tudo bem." Não ficou, papai. As freiras me diziam no fim de todos os dias: "Espere, Ariel. Ele voltará amanhã." Meu coração de garotinha se enchia de esperanças e depois, eu chorava compulsivamente. Meu pai nunca voltou. O que eu posso ter feito para que ele não quisesse mais estar comigo? Eu passei a vida toda sozinha, perdida, sem saber o que tem em mim que afasta as pessoas. Passei a vida tentando entender qual é esse meu grande defeito. Mas até hoje eu não sei qual é, nem o que eu tenho. Eu não sou a melhor pessoa, talvez não a melhor namorada, ou a melhor filha, mas também não posso ser a pior. Posso? As lágrimas escapam de mim e eu não costumo conte-las quando estou a sós. É melhor chorar sozinha e desabafar comigo mesma que explodir frente aos olhos de alguém. Eu farei dezoito anos amanhã. Me tornando uma mulher tão sozinha e perdida por dentro quanto completamente destrutiva por fora. Me sento ao lado da janela encarando o céu, eu amo olhar para ele e pensar. As lágrimas não param de descer e eu não posso evitar me sentir tão sozinha como nunca. Onde eu estarei amanhã a essa hora? O que vou fazer? Eu não tenho mais onde morar e nem a quem recorrer. O que vai ser de mim agora?
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