Alguns anos atrás…
-Crianças, está na hora de comer! - A senhora Rute diz nos chamando no jardim.
Olho bem na direção da voz dela e decido me levantar limpando as minhas mãos no meu vestido rosa que já está um pouco manchado de terra. O meu estômago faz um som de que estou com fome, porque de manhã cedo só consegui comer um pãozinho com leite e quero comer mais alguma coisa.
-Ei…, calma, me espera! - Noah diz juntando as suas bolinhas para guardá-las.
Estávamos brincando com umas bolinhas de gude que ele tem. Noah ganhou algumas que vieram de doações e, outras, ele achou em frente ao orfanato e é uma mais bonita que a outra. Eu o ajudo a recolher tudo guardando dentro de uma pequena sacolinha e entramos juntos para almoçar no refeitório.
-Opa…, não se esqueçam de lavar bem as mãos, quero vê-las limpas antes de comerem! - A senhora Rute diz barrando a nossa passagem.
-Sim, senhora! - Respondemos juntos e vamos até à pia que fica no corredor do refeitório.
Noah é o meu melhor amigo desde que ele chegou aqui. Os seus pais morreram em um acidente e ele não tinha mais familiares para cuidar dele, então, ele não tinha para onde ir. Já eu não sei por que de eu morar aqui, já perguntei a senhora Rute, mas ela nunca me contou e sai logo em seguida dizendo que está ocupada.
As outras senhoras que mandam aqui são mais sérias e a única que me trata melhor é ela. As outras são as vezes malvadas*, gritam, não deixam a gente brincar e algumas vezes batem em crianças que não as obedecem as colocando de castigo numa sala pequena onde ficam sem o lanche da tarde.
Isso nunca aconteceu comigo, mas já ouvi outras crianças falarem.
Noah me deixa lavar as mãos antes dele e como a senhora Rute disse, fico de ponta de pé para lavar bem entre os meus dedos e entre as unhas porque peguei muito na areia e sei que é capaz dela querer verificar como já fez muitas vezes. Depois, balanço as minhas mãos e as seco na toalha onde espero pelo Noah que começa a lavar as suas. Olho ao redor vendo as outras crianças se sentarem à mesa enquanto conversam e sorriem e eu fico de olho no lugar onde vou me sentar com o Noah.
-Acabei! - Ele diz indo secar as suas mãos.
-Vamos! - O puxo pelo braço para irmos à mesa.
Noah é muito legal, ele é mais velho que eu e mais alto também, tem olhos negros, pele branca e sempre diz que sou a sua irmãzinha. Desde que ele chegou aqui, não demorou muito para sermos amigos, pois foi ele que me protegeu quando outras crianças estavam me chateando. Noah me viu chorando e me abraçou acariciando os meus cabelos e afastou as crianças que faziam piadas comigo e desde então somos amigos.
Me sento próximo a ponta da mesa e ele vai buscar os nossos pratos pegando uma pequena fila, depois, ele retorna me entregando o meu e sorrio vendo a minha comida. Tem frango, macarrão com molho branco e uma espiga de milho cozido. A senhora Rute nos pede para aguardar antes de comermos, então, quando todos estão sentados e em silêncio, ela faz um agradecimento e nos permite comer.
A minha barriga novamente faz um som de fome e Noah começa a sorrir de mim balançando a sua cabeça. Seguro a espiga de milho balançando as minhas pernas que não tocam no chão e me concentro bem na comida. Vejo a senhora Rute nos observar enquanto conversa com a senhora Maria e quando termino com o milho, começo a comer a comida do prato.
-Estava com fome, não é? – Noah pergunta bem tranquilo comendo o seu macarrão.
-Sim, comi pouco de manhã. – Respondo levando a colher com frango à boca.
-Toma..., não gosto muito de milho. – Ele diz me dando o seu.
Abro um sorriso de felicidade e começo a comer.
Noah me observa enquanto come e ele acaba antes de mim. Ele continua me observando, mas a minha atenção é toda para a minha comida que logo me sinto com a barriga cheia. Ponho a mão na boca escondendo um arroto, mas mesmo assim ele conseguiu ouvir.
-Agora acabou com a fome. – Ele diz sorrindo de mim enquanto balança a cabeça.
-Aham, não sobrou nada! – Respondo vendo o prato vazio, mas não sinto mais fome.
-Você nunca deixa nada..., deixa que eu levo. – Ele pega o meu prato e o dele e vai até à cozinha.
Sinto a minha barriga bem cheia que me faz bocejar e querer dormir, mas a senhora Rute diz que faz mau comer e dormir logo depois. Noah vem em minha direção e estende a sua mão me chamando, ele me leva para o pátio e me faz sentar em um banco e diz que volta logo. Vejo ele correr entrando no corredor que leva aos quartos e depois, ele volta com um caderno e se senta comigo mostrando as folhas.
-Eu fiz uma coisa..., caso você seja adotada antes de mim, eu fiz um contrato. – Ele fala procurando a folha no caderno.
-Contrato? – Fico sem entender enquanto vejo até alguns desenhos dele e depois, ele diz que achou. - O que é isso?
-Isso..., é um papel e aqui diz assim..., sempre seremos amigos mesmo se nos mudarmos, quando ficarmos adultos iremos nos encontrar e eu sempre vou proteger você. – Ele fala, mas fico confusa.
-Mas..., se nos mudarmos para longe? – Pergunto me sentindo triste se isso acontecer. - Não vamos mais nos ver!
-A nossa amizade vai nos ajudar..., ficaremos adultos e vamos trabalhar juntos, podemos até morar perto um do outro. – Noah diz segurando a minha mão e sinto vontade de chorar.
-Promete? – Ele acena que sim e mostra um lápis.
-É só escrever o seu nome aqui... – Ele diz e olho para ele. – Você aprendeu a escrever o seu nome, lembra?
-Minha letra é feia... – Resmungo limpando os meus olhos.
-Não tem problema..., é só escrever Lucy. – Escrevo bem devagar para não errar, mas a minha letra fica torta. - Pronto..., sempre iremos nos encontrar. – Ele diz isso escrevendo o seu.
Noah me abraça forte e tento não chorar, porque não quero ficar longe dele. Não tenho outros amiguinhos aqui e as outras crianças são más, não gostam de mim e fazem piadas chatas que me magoam. Noah é o único que gosta mesmo de mim, que brinca e até me protege de todos. Brincamos de tudo, com as bolas de gude, de desenhar, no pátio correndo, de se esconder e todos os lanches e almoços, ele me ajuda em tudo.
Ele é meu irmão, não tenho mais ninguém e por isso não quero me separar dele nunca.