Bella Bianchi
A minha vida nunca foi fácil e sempre fiz de tudo para usar a música e os livros como forma de escape. Parece bem clichê, mas, o meu irmão mais velho nunca mostrou interesse algum em cuidar de mim e eu sempre desconfiei que ele me usaria para algum benefício próprio, e foi isso o que realmente aconteceu.
Faz alguns meses que estou casada com Affonso Ricci e a minha vida tem sido um completo furação e tormento*, mas não gosto de usar esse sobrenome, prefiro o meu, Bianchi.
Para começar, perdemos os nossos pais há alguns anos e fui “criada” pelo meu irmão, Ângelo, que sempre foi viciado* em bebidas, mulheres e jogos, bem nessa ordem. Não tínhamos muitos diálogos, ele sempre passava dias fora e quando voltava, parecia que era mais para ver se eu estava viva, pois as palavras trocadas eram poucas e assim o tempo foi passando.
Eu só nunca pensei que ele faria tal coisa comigo.
De tanto vício*, ele gastou mais do que podia, mexeu na herança dos nossos pais e quando soube, eu já tinha sido usada como moeda de troca para Camillo Ricci onde fui dada a seu filho mais velho, Affonso Ricci que foi quando a minha vida mudou para um tormento*.
Na casa do meu irmão pelo menos eu não era machucada e nem via cenas perturbadoras*, mas com Affonso eu nunca sei o que esperar. Os momentos que mais tenho um pouco de paz é durante o dia, onde leio e fico no jardim, mas quando a noite chega eu faço de tudo para ficar o máximo possível somente no quarto, porque tudo o que aconteceu nesse tempo me obrigou* a isso.
Eu literalmente piso em vidros e as vezes, mesmo ficando apenas no meu lugar, ele ainda quer me ver apavorada*.
Affonso nunca me tratou com pelo menos educação, nunca me olhou de forma normal, ou teve ao menos um diálogo simples, e sempre que me ver, os seus surtos são de imediato. Affonso ainda é novo, tem os seus vinte e dois anos e por isso, não tem tantas responsabilidades e muito menos cabeça madura para alguma coisa, então, faz tudo o que lhe dá vontade.
Nunca sequer consumimos o casamento e nesse aspecto eu confesso que sou grata, porque as coisas que já vi ele fazer me dá medo.
Nos primeiros dias, eu já fui chamada de todas as formas pesadas, depois das palavras, veio os apertos fortes nos braços e cabelos, depois os empurrões e como se não fosse suficiente, já o peguei várias vezes transando* com alguma mulher pela casa.
Isso acontece muito a noite e por isso sempre fico trancada no quarto, mas já houve durante o dia, ou seja, não sei o que esperar.
Affonso é um homem repugnante*, sem caráter algum, insensível e bruto* que só pensa nele e nunca me esqueço da noite em que
nos casamos.
Depois da cerimônia, Affonso não quis ficar nenhum minuto no salão e decidiu ir embora. Fui arrastada pelo braço em direção ao carro e colocada no banco de trás com ele dando a partida bruscamente. Não faço ideia de onde vamos morar, de como será esse casamento e até agora, não recebi nenhuma informação de ninguém e nem dele.
Estou com a minha própria sorte, ou, próprio azar*!
Ao chegar numa mansão, ele estaciona e tomo a coragem de abrir a porta do carro para sair e é quando o vejo entrar sem mais nem menos. Ao passar pela porta, ele entra numa sala ao lado e vejo uma mulher parada, com a cabeça baixa e a seu pedido, a sigo subindo as escadas.
Entramos no quarto todo mobiliado e vejo tudo o que tem para usar e certas coisas já reconheço sendo as minhas, mas, o susto vem quando ouço Affonso chegar.
— Saia! — Ele diz com a mulher e sinceramente, não me lembro do seu nome. — Não sei onde o meu pai estava com a cabeça por me obrigar a isso..., você não faz o meu tipo de forma nenhuma. — O tom da sua voz é de desprezo* e o seu olhar de desgosto*, varrendo o meu corpo todo. — De “Bella” não tem nada. — Abaixo a cabeça sentindo um nó na garganta e faço de tudo para segurar as lágrimas, mesmo com os meus olhos ardendo. — Isso é patético..., é magra de mais, não tem corpo de mulher feita e parece um bixinho* assustado..., não tenho vontade nenhuma de te comer.
Não tem como segurar a lágrima.
Além de ter sido obrigada, ainda sou insultada e humilhada*!
Affonso simplesmente retira uma pequena faca do seu bolso e toma a minha mão a força. Tento me soltar, gemo* de dor* pelo aperto, mas, ele consegue abrir a minha mão fazendo um corte rápido nela, então, ele me puxa para perto da cama e a desliza no lençol o manchando. Ele me larga em seguida e fico de joelhos no chão, vejo ele puxar o lençol e sair do quarto na mesma hora e a minha mão ainda sangra pelo corte.
Naquela mesma noite, fiquei por horas naquele chão com a voz dele ecoando na minha cabeça e só na madrugada, foi que a mulher retornou e me ajudou a retirar o vestido manchado para eu tomar um banho. Foi ali que ela me falou que Affonso saiu para o bordel, que não ficaríamos no mesmo quarto e que eu precisaria ter muito cuidado com ele.
Esses meses foram praticamente tempos de sobrevivência.
Faço de tudo para não esbarrar com ele, mas para saber como hoje eu cometi erros. Teve ocasiões que jantei na sala de jantar como toda pessoa normal faz, mas, ele já chegou me expulsando de lá. Teve vezes que fiquei no sofá lendo um livro e ele chegou já na revolta falando horrores, fora que, a noite já senti sede e ao ir beber água, o peguei com uma mulher no sofá onde desde então, nunca mais me sentei.
Acreditem, não foi apenas uma vez que já vi algo do tipo.
Desde que me casei, não tive mais contato algum com o meu irmão e ele não me procurou nenhuma vez. Não sei o que ele anda fazendo, se está se endividando mais ainda, se está bem, mas, parei de pensar mais nele tentando ao menos não arranjar mais problemas.
Hoje haverá o baile dourado para todos os membros* da organização e Érika, a governanta da casa, me disse que Affonso deixou a ordem para que eu esteja pronta as oito da noite. Ele não pode comparecer sozinho e como é um evento anual e importante, não pode faltar e por isso eu sou obrigada a acompanhá-lo como a esposa perfeita.
Érika me ajudou a escolher um vestido apropriado e por ela conhecer Affonso um pouco mais, me deu dicas de como me portar com ele na frente das pessoas. Os seus conselhos foram: sorrir discretamente, não sair de perto dele há não ser que ele diga alguma coisa, responder somente algo que for falado a mim e por autorização dele, não beber muito, tentar não chamar atenção de ninguém e não olhar para homem nenhum.
Essa é a primeira vez que vou a algum evento da organização, ou seja, desde que me casei eu não tenho saído e pra piorar* tudo, vou sair com ele.
Érika não é apenas uma governanta, ela tem sido a minha companhia e acreditem, os meus cabelos têm sido cortados por ela, as minhas unhas faço sozinha, pois ela que me fornece algumas coisas e até algo relacionado a depilação, é ela que me ajuda.
Todos os assuntos relacionados a algo mais íntimo* eu só tenho a ela.
Hoje por exemplo, ela me ajudou a depilar as pernas, coxas e axilas, fiz as minhas unhas pela tarde e os meus cabelos ela já cuidou. Affonso não me deixa gastar coisa alguma e só tenho o necessário mesmo e esse necessário, é mais dado pela Érika que tem sido um suporte grande.
Há muitos anos que só convivo com homens, de primeiro o meu irmão e depois, Affonso, então, não tenho mais ninguém.
Já tomei um banho, usei perfume, coloquei o vestido e os saltos, e agora, estou em frente ao espelho olhando bem o me reflexo. Não sei o que esperar dessa noite, mas, confesso que estou esperando mais algo r**m* do que bom, porque será o período mais longo que ficarei perto de Affonso e ele não me suporta.
— Você está linda! — Érica fala com carinho me olhando.
— Obrigada, mas, queria mesmo era ficar! — Falo sabendo que é muito mais seguro.
— Mais um conselho..., muda essa carinha, Affonso percebe e não quero que ele desconte em você! — Ela diz como se estivesse com pena de mim.
— Vou tentar! — Falo respirando fundo.
Érika me informa que está quase na hora e sem pensar duas vezes, eu simplesmente a agradeço e saio do quarto indo para a sala. No meio da escada, não vejo Affonso e agradeço por isso, porque o deixar esperando seria mais um motivo dos seus surtos.
Fico de pé o aguardando por um tempo e ouço a porta do escritório se abrir.
A cena que vejo é dele todo arrumado de smoking, mas ele não está só. Há uma mulher com ele. Ela tem um sorriso enorme no rosto, usa um vestido curto, tem cabelos loiros e longos, s***s* quase todos para fora e ao me ver, ela passa os dedos no canto da boca mostrando bem o que estava fazendo ali dentro com ele.
Como falei antes, isso acontece muito e pode ser a qualquer hora.
— Até que é pontual! — Ele diz olhando para mim com a sobrancelha levantada, tentando ajeitar o laço da gravata e a mulher apenas caminha indo até a porta indo embora. — Vem ajeitar isso aqui!
— Desculpe, eu não sei fazer laço de gravata! — Respondo o vendo revirar os olhos.
— Você serve pra alguma coisa? — Ele fala passando por mim e simplesmente vai até a porta. — Não me faça te puxar pelo braço.
Ando na sua direção e vejo o carro parado bem próximo, mas ao chegar nele, Affonso diz que irei no banco de trás e não pergunto nada. Ele toma a direção e dirige as pressas onde quase não consigo pôr o cinto de segurança. Não falamos nada no percurso, fico apenas olhando pela janela do carro fechada e o frio na barriga só aumenta de uma forma que traz uma sensação r**m*.
Por mais que eu torça e peça por algo bom, sinto mais forte que essa noite não será boa.
Quando Affonso estaciona, saio do carro na mesma hora que ele e, ficamos lado a lado para entrar, mas antes, ele pega a minha mão com força a colocando no seu braço, como se eu estivesse me apoiando nele como casais fazem. Já na entrada do lugar, vejo várias pessoas já presentes e entramos devagar recebendo alguns olhares.
Affonso é cumprimentado por algumas pessoas e faço de tudo para ter um rosto amigável, mas ainda, sim, fico calada apenas direcionando o meu olhar a ele. Affonso não é um homem feio*, pelo contrário, é bonito, mas apenas por fora.
É alto, forte, tem cabelos quase loiros, olhos cor de mel, lábios finos e pele clara.
Depois de ele conversar por minutos com homens, eu continuo calada e boa parte do tempo, abaixo desejando intensamente sumir daqui. Affonso só fala asneiras, homens só falam em trabalho e viagens, e eu, não abri a minha boca um segundo sequer para nada e o meu rosto dói* por usar uma máscara de forma forçada, porque não posso mudar a minha expressão.
— Tem uma esposa muito bonita, Ricci..., com todo o respeito, é claro. — Um homem fala me olhando, mas tenta disfraçar.
— Obrigado! Mas, tenho certeza de que tem assuntos muito melhores para falarmos aqui. — Ele diz não gostando nada e engulo no seco sentindo ele apertar o meu braço.
Fecho os olhos abaixando a cabeça e ouço eles mudarem o assunto, que desde o começo tem sido algo para elevarem o próprio ego. Depois, o pai de Affonso se aproxima e conversa com o filho como se tudo estivesse perfeitamente bem e viro o meu rosto para o lado que me dá a visão da entrada e, é quando algo me chama a tenção.
Algo não, alguém e ele se chama Leonardo!