Romão
Terminei de limpar as botinas e coloquei no murinho da área de serviço.
— Eu não sei nada sobre o trabalho do papai, muito menos, como administrar um negócio. Eu serei, somente, um peso para ele. Meu trabalho é com a terra, os bichos, com eles eu me dou bem e não com um bando de gente metido a b***a.
— Bom, você é quem sabe, eu quero o melhor para você e não acho que você terá uma oportunidade de crescer na vida, enfiado num fim de mundo como esse.
— Eu estou bem aqui com vocês, eu não preciso de dinheiro, ou ser rico para ser feliz.
Ela deu de ombros.
— Seu pai está no escritório, ele quer falar com você.
Dei o segundo beijo do dia nessa mulher que me botou para fora aos berros. A parteira disse que ela quase morreu na hora do parto, tiveram que levá-la às pressas ao hospital. O médico falou que não poderia mais engravidar, por causa de uma complicação no parto, e tiveram que retirar o útero, era por isso que eu era filho único.
Papai conheceu mamãe quando eu já tinha um ano de nascido e ele cuidou de mim como se eu fosse seu filho. Queria ter a casa cheia de pimpolhos, mas a ela só teve a mim. Sabendo dessa vontade de papai, mainha contou que não poderia mais engravidar. Mesmo assim, eles se casaram, porque se amavam muito.
Dona Meire nunca falou sobre meu pai verdadeiro e eu nunca perguntei. Sabia que era doloroso para ela, e também nunca me fez falta, pois, o senhor Ismael, soube muito bem cumprir esse papel na minha vida.
Passei pela cozinha, segui pelo corredor, até chegar ao escritório. Ouvi-o falando no celular bem “aporrinhado”. Entrei sem bater e sentei-me no sofá no canto do escritório, enquanto ele terminava a ligação. Estava em frente à janela, de costas para mim, “esbravejando” ao celular.
— Eu tenho certeza que o Geraldo está me passando a perna... Robson, aquele desgraçado está me devendo muito dinheiro, eu vou desfazer a sociedade com ele... Eu não quero saber, eu quero que você descubra e me conte, é para isso que eu te p**o.
Fiquei olhando para os lados, procurando algo que me distraísse, não gostava de ficar ouvindo as conversas do papai.
— Ele está aí? Coloca ele na linha... — continuou ele. — Ouça aqui, seu filho de uma rapariga. — “Rapariga” significava moça em Portugal, eu li isso em algum lugar. — Você não pode colocar a minha fazenda como garantia, a dívida é sua... Eu não vou vender a minha fazenda para pagar sua dívida, se vira, foi você que fez... A fazenda era do meu avô, que passou para o meu pai, que quero passar para meu filho e um dia, para o meu neto...
Parecia que a coisa estava feia mesmo para o papai.
— Não é problema seu? Seu filho da... — Algo o impediu de falar coisa feia. — Desligou na minha cara? Aaaahhhhhh!!!!!! — Agora estava explicou o porquê ele não xingou.
Ele lançou o celular na parede com força, que se “espatifou” todo.
— Problemas na Quitanda? — falei cautelosamente para que ele não se aborrecesse comigo.
— Esses desgraçados... — Ele se virou para mim e se assustou. — JESUS! Você está pelado!?
— Que exagero! Eu estou de toalha, Cidinha levou a roupa que mainha tinha separado para mim, para atazanar o meu juízo. Acabei de chegar do campo, tomei uma chuveirada e vim para cá. Mamãe falou que o senhor queria falar comigo, não queria te incomodar, pois, o senhor estava falando no celular.
— E não deu tempo de ir trocar de roupa, enquanto eu estava em um telefonema?
Bem pensado, eu devia ter feito isso mesmo.
— Eu não queria perder tempo
Mentira! Essa ideia não passou pela minha cabeça.
— Bom, já que está aqui, eu preciso conversar com você.
— Estou à disposição.
Ele deu um sorriso fraco e encostou-se na sua mesa. O senhor Ismael era dez anos mais velho que mamãe, cabelos lisos e grisalho, olhos castanhos e um furo no queixo. Ele era um homem bem “afeiçoado”, mainha era “abilolada” por ele. Se na minha velhice, eu fosse a metade do homem que era painho, podia dizer que estaria forte como um touro reprodutor, ainda dando no coro.
— Eu sei que você gosta da terra, da colheita e dos gados. Eu também gosto pode acreditar, mas eu preciso de você comigo na cidade grande.
— De novo essa conversa, seu Ismael?
Levantei-me do sofá “aporrinhado”.
— Filho! Eu preciso de sua ajuda, aqueles desgraçados estão me roubando, você é bom nas finanças e o único que eu confio. Olha só para essa fazenda, você pode transformar esse lugar, é uma pessoa que aprende rápido, é o cara mais inteligente que eu conheço e eu preciso que me ajude.
— E quanto a fazenda? Quem vai administrar? — falei preocupado com aqueles coelhos danados, que me “aporrinhavam” comendo minhas verduras e legumes.
— A gente contrata alguém da sua confiança, mas preciso de você comigo.
Bufei. Sentia o desespero do meu pai, não podia deixa-lo na mão.
— Tudo bem, o que eu tenho que fazer?
Papai abriu um sorriso de orelha a orelha, nunca vi ele dando esse sorriso antes, a não ser, para minha mãe todas as manhãs.
— Eu vou precisar viajar, quero desfazer a sociedade, porque Geraldo quer fazer empréstimo no banco e colocar a fazenda como garantia, eu não concordo com isso, mas ele não me dá ouvidos. Quando voltar a gente conversa.
— Quando vai viajar?
— Amanhã!
— Vai levar a mainha?
Papai sempre levava a mamãe nas suas viagens, dificilmente, eles se separavam.
— Não, essa será uma viagem rápida e não quero aborrecê-la.
Papai sempre preocupado com o bem-estar da mamãe. Quando eu conhecer uma mulher queria me virasse do avesso, como acontecia com eles dois. Eles eram apaixonados um pelo outro, e apesar de não procurar casamento, sonhava um dia ter isso.
Papai sempre dizia que ele era quem mandava na casa, mas quem mandava nele era a mamãe, ou seja, era ela quem mandava na casa.