31" No fio da navalha"

1683 Words
Águia A vida é mesmo cheia de surpresas. Hoje pela manhã, enquanto eu lidava com meus problemas, acabei encontrando Maria Luiza na rua. Foi uma coincidência inesperada. Quando a vi, meu coração deu um salto. Esperei que tivéssemos uma conversa amigável, mas a reação dela foi fria, quase indiferente. Ela m*l me olhou nos olhos, soltou um "oi" seco, quase como se fosse uma obrigação, e continuou seu caminho sem nem hesitar. Fiquei parado ali por um momento, surpreso e, confesso, bastante irritado. A indiferença dela me deixou perplexo. Maria Luiza e eu já tivemos nossos desentendimentos, e sei que ambos estamos chateados um com o outro. Mas, sinceramente, eu não esperava uma reação tão fria. A indiferença dela mexeu comigo de uma forma que eu não esperava. Sou do tipo que não tem muita paciência para essas coisas, e, naquele momento, toda a situação me deixou ainda mais irritado. Fiquei com aquilo na cabeça o resto do dia, sem saber muito bem como lidar com essa nova barreira que parecia ter se erguido entre nós. Minha rotina já é uma loucura por si só. Hoje, por exemplo, estava cheio de coisas para resolver. Logo cedo, fui informado sobre uma carga atrasada que está me dando uma tremenda dor de cabeça. Para piorar, tem um monte de vagabundo que me deve droga e não aparece para pagar. Esses caloteiros pensam que podem me enrolar, mas não sabem com quem estão lidando. Além disso, tive uma reunião importante com os chefes da facção para discutir a logística e as estratégias de defesa do território. E, como se não bastasse, tem uma ameaça de invasão no morro, algo que precisa ser resolvido antes que se torne um problema maior. Vida de bandido não é fácil, não. É estresse o tempo todo, perigo em cada esquina. Você nunca sabe quando pode ser a próxima vítima de uma emboscada ou de uma traição. Cada decisão, cada movimento, precisa ser calculado. Não há espaço para erros. E no meio de toda essa tensão, às vezes me pego pensando em como cheguei até aqui. Não posso dizer que me arrependo de ter entrado para essa vida. De certa forma, sinto que não tinha outra escolha. Meu pai, ou melhor, o que ele fez, foi o que me trouxe até aqui. Ele não era dono de morro nem nada, mas foi o responsável por moldar meu destino. Minha mãe, uma mulher batalhadora e amorosa, foi assassinada quando eu ainda era criança. E quem tirou a vida dela foi ele, meu próprio pai. Naquele dia, algo dentro de mim mudou para sempre. A dor e a raiva me consumiram, e eu prometi a mim mesmo que vingaria a morte dela. E foi o que eu fiz. Anos depois, quando já tinha idade e força suficientes, eu matei meu pai sem remorso algum. Ele tirou a pessoa que eu mais amava no mundo, e não sinto peso na consciência pelo que fiz. Para mim, foi justiça. A mulher que me deu a vida teve a vida tirada por ele, e eu simplesmente devolvi o favor. Essa experiência me moldou, me fez quem eu sou hoje. A partir daquele momento, entrei de cabeça no mundo do crime, buscando poder e controle. A vida me ensinou a ser implacável e a não confiar em ninguém. E agora, aqui estou eu, tentando sobreviver em meio ao caos. Cada dia é uma batalha, e cada noite é uma luta para manter a cabeça erguida. No fundo, talvez eu esteja buscando um sentido, um propósito para toda essa violência. Mas, por enquanto, tudo o que posso fazer é continuar lutando, um dia de cada vez. Mas voltando à Maria Luiza, aquela mulher mexe comigo de um jeito diferente. Tem algo nela que me pega de jeito, algo que eu não consigo explicar direito. Gosto do jeito dela, da força e da determinação que ela tem. Mesmo com as dores de cabeça que às vezes me dá, não consigo deixar de me sentir atraído. Ela é marrenta, cheia de atitude, e talvez seja isso que me atrai tanto. Não é uma mulher que se deixa intimidar facilmente, e isso me desafia, me instiga. Mas amar? Amar é uma palavra muito forte. É um sentimento que eu ainda não sei se consigo ter depois de tudo que passei, depois de tudo que vi e vivi. Meu coração é um campo de batalha, marcado por cicatrizes e dores que não se curam facilmente. Hoje, enquanto resolvia meus problemas, Letícia me mandou uma mensagem. Ela disse que ia conversar com a Malu. Letícia sabe bem como as coisas entre mim e a Malu são complicadas. Eu espero que ela consiga alguma coisa, porque essa situação está me desgastando de um jeito que eu não esperava. É como se estivesse carregando um peso extra nas costas, um peso emocional que não sei lidar. No final do dia, depois de tanta correria, fui me encontrar com os caras na esquina. Lá, a rotina é sempre a mesma: um grupo de homens cansados, tentando aliviar a tensão com um baseado. A fumaça do cigarro se misturando ao ar pesado do fim de tarde. Cada trago é uma tentativa de esquecer os problemas, de afastar os pensamentos que insistem em não ir embora. Mas, mesmo ali, com os caras, minha cabeça não para, e meu coração também não. Vida de bandido é assim, cheia de desafios, tanto dentro quanto fora do morro. Enquanto tragava o cigarro, meus pensamentos voltavam para Maria Luiza. Ela tem esse jeito de me tirar do sério, de me fazer pensar e repensar minhas escolhas. Ela me desafia de maneiras que eu nunca imaginei. Talvez seja essa força que ela tem que me atrai tanto, essa capacidade de não se dobrar, de não se deixar vencer. Mas, ao mesmo tempo, me pergunto se algum dia vou conseguir amar de novo. Se vou conseguir confiar, me entregar a alguém depois de tudo que passei. Lembro das vezes que passamos juntos, das conversas e dos momentos de silêncio. Lembro dos olhares trocados, dos toques sutis, das palavras não ditas. E tudo isso mexe comigo de um jeito que eu não sei lidar. A vida no morro já é complicada por si só, cheia de perigos e incertezas. E agora, com essa confusão emocional, tudo parece ainda mais difícil. Enquanto estava lá, cercado pela fumaça e pelo barulho da esquina, percebi que a vida de bandido é mais do que apenas correr atrás de dinheiro e poder. É uma luta constante, uma batalha diária não só contra os inimigos, mas também contra os próprios demônios internos. E, no meio de tudo isso, tentar entender o que sinto por Maria Luiza é só mais um desafio, mais uma batalha que tenho que enfrentar. Maria Luiza Já estava finalizando uma unha quando percebi que o horário de almoço estava chegando. Letícia já estava sentada na mesa, comendo e assistindo a um desenho no celular. Ela tem esse vício peculiar de comer enquanto assiste a desenhos; parece uma criança às vezes. Finalizei a última unha com cuidado, retirei o avental e a touca da cabeça, e fui lavar minhas mãos antes de pegar minha quentinha. Me sentei ao lado da Letícia, que ainda estava completamente absorta na tela do celular. Assim que percebeu minha presença, ela deu pause no desenho e me olhou com um olhar estranho, como se tivesse algo importante para dizer. Malu_ O que foi?_ perguntei, confusa. Letícia, com um tom quase conspiratório, disse: Letícia_ Me fala, que chá é esse que você tem, hein? Tá chovendo homem na sua horta, garota! Eu ri, ainda mais confusa com a expressão dela. Malu_ Que outros homens? Não estou sabendo de nada! Letícia pareceu ainda mais empolgada: Letícia_ Tem o João, o Águia, e vários outros garotos doidinhos com você!_ eu franzi a testa. Malu_ Que outros que não estou sabendo?_ Letícia fez uma expressão de quem está prestes a revelar um segredo. Letícia_ Claro que não tá sabendo, né? Seu "homem" mandou todos ficarem longe de você! Malu_ Não tenho homem nenhum_ retruquei, tentando entender onde ela queria chegar. Nesse momento, Rebeca se aproximou e entrou na conversa: Rebeca_ Não se faz de desentendida, Maria Luiza. Você sabe muito bem de quem ela está falando!_ olhei para Rebeca, surpresa. Malu_ Veio fazer o quê aqui?_ perguntei. Rebeca_ Vim conversar com minha nova patroa!_ Rebeca respondeu, animada. Levantei-me para dar um abraço nela. Malu_ Que bom que veio trabalhar aqui, amiga! — falei, feliz com a visita. Letícia, com um sorriso no rosto, comentou: Letícia_ Parabéns, Rebeca! Você vai adorar trabalhar aqui. Pode ser puxado nos finais de semana, mas você vai ganhar bem por isso, pode ter certeza! Rebeca_ Qualquer trabalho é melhor que aquele meu antigo emprego. Aquele homem é um monstro. Malu_ Isso é verdade!_ concordei. Rebeca_ Vou deixar vocês almoçar, tenho que ir pra casa. Beijo, amores! Malu_ Até mais! — disse, enquanto ela saía. Letícia, voltando ao assunto anterior, me olhou com seriedade. Letícia_ Falando nisso, tenho que te contar uma coisa! Ela começou a detalhar tudo o que havia conversado com o Águia, passando cada detalhe da conversa. Aparentemente, o Águia estava se intrometendo na minha vida de um jeito que eu não tinha notado antes. Letícia, com um olhar quase suplicante, pediu: Letícia_ Então, amiga, você faz o favor de ficar afastada do j**a por um tempinho até o baile, tá? Malu_ Tá maluca? Vou me afastar dele só porque o Águia pediu? Agora vou ficar mais perto ainda, que homem escroto._ falei irritada Letícia_ Amiga, faz isso por mim, eu quero muito beber de graça no baile!_ choramingou Malu_ Cachaceira! Vou fazer isso por você, ok?_ falei rindo Letícia sorriu animada, e nós voltamos a almoçar. No fundo, eu sabia que o ciúmes do Águia estava passando dos limites. Não era aceitável que ele tentasse afastar as pessoas da minha vida assim. Enquanto comia, não conseguia deixar de pensar no quanto essa situação estava se complicando e no quanto a interferência dele estava afetando meu dia a dia.
Free reading for new users
Scan code to download app
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Writer
  • chap_listContents
  • likeADD