O ônibus seguia pelas estradas sinuosas que ligavam São Paulo a Paraty, cortando a paisagem verdejante que se estendia até onde os olhos podiam alcançar. A luz suave do entardecer banhava o interior do veículo, iluminando o rosto de Bruno, que estava sentado junto à janela, perdido em seus próprios pensamentos.
Enquanto observava as montanhas cobertas de vegetação, Bruno tentava sintonizar sua mente e seu coração. O conflito interno que o dominava desde que deixara Helena era uma tormenta incessante, uma batalha entre suas decisões racionais e seus desejos mais profundos. O vento sussurrava contra o vidro, como se tentasse lhe trazer algum consolo ou resposta.
Ele apertava o bilhete da passagem nas mãos, sentindo o papel amassado entre seus dedos. Com um suspiro, pegou uma caneta na mochila e começou a riscar no verso os prós e contras de sua decisão. Cada traço no papel parecia uma luta interna entre seu coração e sua mente.
No lado dos prós, Bruno listou os argumentos que haviam o levado a aconselhar Helena a se casar com Leandro. Primeiro, a distância entre eles era um obstáculo difícil de ignorar. São Paulo e Paraty estavam separadas por quilômetros de estrada, e a rotina de viagens constantes poderia corroer o relacionamento. Além disso, o fator econômico era inegável. Helena tinha um futuro brilhante no escritório de advocacia, enquanto Bruno se via à frente da modesta loja de bicicletas de seus pais. Ele não queria ser um peso para ela.
O terceiro ponto era ainda mais delicado: a família. A mãe de Helena era inflexível em sua desaprovação, e a doença de Alzheimer da mãe de Bruno demandaria cuidados constantes e esforços extras dos dois. Era uma situação complicada que poderia prejudicar qualquer tentativa de construir uma vida juntos.
E, por último, a profecia. A sombra da profecia sobre sua cabeça era como uma maldição. Ele lembrava das palavras enigmáticas cigana, alertando-o sobre o destino trágico que o aguardava se ele se envolvesse com uma mulher morena. Helena era morena, e esse pensamento o assombrava.
Ao passar para o outro lado da coluna, Bruno se deparou com um único e poderoso argumento: ele não conseguia imaginar sua vida sem Helena. Seu coração doía com a saudade antecipada, e ele sentia que estava deixando escapar a chance de ser feliz ao lado da mulher que amava. As lembranças dos momentos compartilhados, dos sorrisos trocados e das conversas profundas inundavam sua mente, tornando a decisão ainda mais agonizante.
O ônibus continuava avançando pela estrada, enquanto Bruno permanecia imerso em sua reflexão. Ele olhou novamente para o papel, para as palavras riscadas que representavam as batalhas internas que travava.
Bruno suspirou profundamente e recostou a cabeça na janela do ônibus. Seus olhos se perderam nas luzes que começavam a pontilhar o horizonte, enquanto seu coração continuava a lhe sussurrar palavras de arrependimento e dúvida. Ele fechou os olhos por um momento, tentando acalmar seu coração.
A viagem seguia seu curso, e Bruno sabia que, assim como as estradas que cortavam a paisagem, sua jornada interior também estava em andamento. Ele entendia que suas decisões eram complexas e cheias de nuances, e que não havia uma resposta única para os dilemas que enfrentava. Mas uma coisa era certa: a sombra da saudade de Helena continuaria a acompanhá-lo, independentemente do caminho que escolhesse seguir.
Enquanto o ônibus avançava pela estrada, Bruno segurou firmemente o bilhete da passagem em suas mãos, como se aquela simples folha de papel fosse um elo que o mantinha ligado a Helena. Seus pensamentos continuavam a dançar entre os prós e contras, entre a mente e o coração, entre a razão e a emoção.
***
A luz suave da lua filtrava pelas cortinas, tingindo o quarto de Helena com um brilho etéreo. Ela se encontrava deitada em sua cama, as mãos cruzadas sob a cabeça, os olhos fixos no teto. Fechando os olhos, ela deixou sua mente viajar para os momentos compartilhados com Bruno, os momentos que pareciam ter aprofundado uma conexão que ela nunca imaginara possível.
Bruno. O nome ecoava em sua mente como uma melodia envolvente, trazendo consigo as lembranças dos momentos que passaram juntos em Paraty. Helena relembrava o jeito como ele a olhava, como sua presença a fazia sentir-se viva de uma maneira que ela nunca tinha experimentado antes. Um sorriso involuntário dançou em seus lábios enquanto ela revivia as sensações que a presença de Bruno despertava.
Mas agora, a confusão preenchia seus pensamentos. Helena não conseguia entender por que, quando ela mais precisava de Bruno, ele a aconselhou a aceitar o pedido de casamento de Leandro. Ele a conhecia tão bem, deveria ter entendido o que ela estava sentindo. As palavras de Bruno pareciam contradizer o que ela viu em seus olhos, aquele desejo que não podia ser negado.
Leandro, por outro lado, representava a certeza. Um futuro delineado, uma vida que ela sempre soubera que esperava por ela. Era a escolha segura, a escolha que faria todos ao seu redor satisfeitos. Ela se imaginava como a esposa perfeita, vivendo a vida dos sonhos que tantos almejavam. Mas a imagem dela com Bruno, livre, ousada e viva, era tão irresistível quanto assustadora.
Helena virou-se na cama, buscando uma posição mais confortável para sua mente tumultuada. As palavras de Bruno ressoavam em sua cabeça: " Você deveria aceitar, Helena. Não há mais nada para você comigo, Helena. O pacote já foi entregue." Mas o que Helena sabia era que, com Bruno, ela sentia que podia ser ela mesma, sem as amarras das expectativas ou das convenções sociais.
Enquanto a lua continuava a derramar sua luz suave no quarto, Helena sentiu uma lágrima teimosa escapar de seus olhos. Ela estava dividida entre duas versões de si mesma, duas escolhas que pareciam incompatíveis. Ela queria a segurança que Leandro representava, mas ansiava pela paixão e autenticidade que encontrara com Bruno.
Helena estava deitada em sua cama, mergulhada em seus pensamentos, quando ouviu uma batida suave na porta de seu quarto. Ela se virou na direção do som, surpresa com a visita inesperada. Ao abrir a porta, seus olhos se encontraram com os de Leandro, que sorria de maneira um tanto tímida.
"Oi, Helena", disse Leandro, sua voz carregada de um tom incerto. "Regina me ligou, disse que você queria conversar."
Helena sentiu um nó na garganta ao vê-lo ali, parado à sua porta. Ela não esperava que sua mãe fosse envolvê-lo em seus problemas pessoais, e o olhar de Leandro a fez perceber como havia sido injusta com ele.
"Entre", ela disse, afastando-se um pouco para dar espaço para Leandro entrar em seu quarto.
Leandro adentrou o quarto, um olhar gentil em seus olhos enquanto observava Helena. Ela se sentou na cama, sentindo um misto de constrangimento e remorso. Era hora de fazer as coisas certas.
"Leandro, eu... sinto muito por tudo", Helena começou, suas palavras saindo em um sussurro. "Eu deveria ter acreditado em você desde o início. Acusei você sem motivo e não foi justo."
Leandro balançou a cabeça suavemente, um pequeno sorriso surgindo em seus lábios. "Helena, eu entendo por que você estava chateada. E eu quero que você saiba que nunca faria algo para te magoar. Eu faria qualquer coisa por você."
As palavras de Leandro penetraram profundamente no coração de Helena. Ela olhou para ele, vendo a sinceridade em seus olhos, e percebeu que havia muito mais em Leandro do que ela havia dado crédito.
Leandro a olhou com seriedade, sua expressão séria, mas repleta de emoção. Ele se aproximou dela, segurando gentilmente sua mão.
"Helena, eu não estou brincando quando digo que faria tudo por você", ele disse com convicção. "Eu venderia o céu só para te dar a lua. Trocaria meu destino pelo seu. E se você quisesse, eu daria a minha vida por você."
Helena sentiu o coração bater mais rápido, as palavras de Leandro tocando uma parte profunda de sua alma.
"Eu... eu não sei o que dizer", Helena murmurou, suas emoções em turbilhão.
Leandro olhou profundamente nos olhos de Helena, segurando sua mão com mais firmeza. "Helena, eu quero te dar a chance de ser feliz. Eu quero te fazer feliz. Se você quiser, eu darei o meu sobrenome a você, estarei ao seu lado, não importa o que aconteça."
Ele então mostrou novamente o anel, o símbolo de compromisso que ele trazia consigo. "Helena, você quer casar comigo?"
Ela olhou para o anel de casamento, suas lembranças de Bruno e de suas próprias reflexões se misturando em sua mente. As lágrimas inundaram os olhos de Helena, suas emoções se misturando em um turbilhão de sentimentos. Ela olhou para Leandro, vendo nele um homem disposto a tudo por ela, um homem que ela sabia que a amava.
"Sim", Helena finalmente sussurrou. "Sim, Leandro, eu quero."
Um sorriso brilhou nos lábios de Leandro enquanto ele deslizava o anel pelo dedo de Helena. Ele a puxou para um beijo caloroso, suas emoções se fundindo em um momento de pura conexão.
Ali, naquele quarto, Helena percebeu que fez a escolha errada, mas era tarde demais.