Rafaela
A porta do provador rangeu ao abrir, revelando uma sala de espelhos que parecia infinita. Respirei fundo, sentindo o peso daquele momento, como se cada reflexo meu fosse uma parte da mulher que eu estava prestes a me tornar. Bia já estava lá, me esperando com um olhar meio intrigado, meio cético, os braços cruzados e o pé impaciente batendo no chão.
— Vai, Rafaela! Anda logo, quero ver se você vai gostar de algum vestido ou se isso vai ser uma perda de tempo. — Ela revirou os olhos, mas seu sorriso travesso me fez rir.
Eu sabia que Bia achava tudo isso uma besteira. Só tinha 12 anos e não entendia como o amor podia mover uma pessoa ao ponto de enfrentar qualquer desafio, mesmo com incertezas.
Vesti o primeiro modelo e, ao ver meu reflexo, me imaginei caminhando ao encontro de Miguel. Um calor bom me invadiu, uma mistura de alegria e expectativa. Estávamos enfrentando dificuldades, e nossa vida a dois m*l começara… mas cada peça desse vestido parecia unir nossos sonhos, como se toda nossa turbulência tivesse um propósito maior.
— Tá pronta? — ouvi a voz de Bia, mais perto.
Respirei fundo e saí do provador, encontrando minha irmã com o olhar surpreso. Bia fez uma careta, uma mistura de aprovação e… suspeita.
— Até que ficou bonito. — Ela admitiu, dando uma volta em torno de mim. — Mas eu ainda acho que ele não merece você, Rafaela.
Eu suspirei, tentando esconder o leve desconforto que isso me causava.
— Bia, não começa. Você é muito nova pra entender… — Eu disse, com um sorriso carinhoso. Mas ela cruzou os braços, impassível.
— Não é ser nova, Rafa. Eu vejo as coisas. Ele não apareceu pra você várias vezes, e agora quer casar? E se ele te deixa de lado depois? — Seus olhos brilhavam com uma seriedade que me surpreendia. Para ela, Miguel era um enigma, alguém que não mostrava ser confiável.
— Bia, eu sei que parece complicado, mas quando você ama alguém, a vida nem sempre é perfeita. A gente tá lutando juntos. — Sorri para ela, tocando seu ombro. — E Miguel me ama, disso eu não duvido. Ele só precisa… de um pouco de tempo pra se adaptar, você entende?
Ela balançou a cabeça, o rosto emburrado.
— Eu só não quero que você se machuque, Rafaela. Você é minha irmã e… eu ainda acho que ele devia provar que merece mesmo você.
Eu olhei para o espelho novamente, sentindo o peso das palavras de Bia. A verdade era que, no fundo, também sentia medo. Nosso começo foi uma montanha-russa, mas eu confiava em Miguel. Tinha que confiar.
Escolhi outro vestido, um modelo mais simples, e Bia soltou um “Ah!” de aprovação. Sorri e imaginei o dia em que finalmente caminharia em direção a ele, pronta para deixar todos os nossos problemas para trás.
Era um sonho. Mas às vezes, era preciso acreditar no sonho para torná-lo realidade.
Miguel
Passando pela rua, meus olhos foram capturados por uma visão que parecia saída de um sonho — a loja de noivas. E dentro dela, como uma aparição, estava Rafaela, minha linda morena, experimentando um vestido branco que iluminava sua pele e acendia seu olhar. Parei, mesmerizado, e senti o sangue ferver. Ela estava tão deslumbrante que, por um instante, esqueci tudo: as dívidas, o peso dos planos ocultos e até Beth. Só existia Rafaela, e nada mais importava.
Sem pensar, empurrei a porta e entrei na loja. O som do sino pareceu anunciar minha chegada e chamou a atenção dela. Rafaela me viu pelo reflexo do espelho e, num reflexo, cobriu o rosto com as mãos antes de se enfiar apressada no provador, tentando esconder sua timidez e surpresa. Eu sorri, achando graça de sua reação, e fui atrás dela, impulsivo. Queria tocá-la, sentir sua pele quente contra a minha, saber que ela era minha, mesmo que só por aquele momento.
— Ei! Respeite pelo menos o provador, Miguel! — A voz de Bia me parou à porta do cubículo. A irmã de Rafaela, pequena e com aquele olhar atrevido e penetrante, me bloqueava o caminho com os braços cruzados, o rosto numa expressão de censura. — Deixa minha irmã em paz.
— Calma aí, baixinha — murmurei, meio rindo da ousadia dela. — Só quero falar com Rafa. Não vou invadir, tá?
Ela estreitou os olhos e, sem desviar, respondeu:
— Então prove isso. Respeite, só uma vez.
Eu me obriguei a recuar, ainda com os olhos fixos na porta do provador, imaginando Rafaela lá dentro, o rosto corado, a respiração rápida. Respirei fundo, deixando o desejo ser domado, por ora.
— Rafaela, — falei, alto o bastante para ela me ouvir lá dentro — eu vou fazer de tudo pra gente ser feliz, entendeu? Tudo que for preciso.
Minha voz saiu firme, convicta. Bia me olhou de esguelha, sem entender as entrelinhas, mas não dei explicação. Dei um passo para trás e saí da loja, deixando-as para trás, sem olhar de volta.
Enquanto caminhava pelas ruas, um plano começava a se formar em minha cabeça, um plano ousado e arriscado. Beth tinha prometido mundos e fundos — uma vida de luxo, conforto e tudo que eu jamais poderia dar a Rafaela com meu táxi e dívidas. Era tentador demais para ignorar. Se eu casasse com Beth em segredo, conseguiria tudo o que precisava para sustentar Rafaela sem ela nunca desconfiar. Poderíamos fazer uma cerimônia simbólica para ela, uma farsa apenas nossa, e eu a manteria como minha amante, minha verdadeira esposa no coração, sem nunca saber da verdade.
Era a solução perfeita.
Naquela mesma noite, eu voltaria para casa e resolveria isso com Beth. Era uma jogada arriscada, mas tudo valia a pena para ter Rafaela ao meu lado. Ela era minha morena portuguesa, e eu não ia deixá-la escapar — nem que eu precisasse construir um castelo de mentiras para prendê-la comigo.
Rafaela
A cada manhã, os enjoos vinham mais fortes, mas eu fazia de tudo para disfarçá-los. Meu pai, Quinzer, nunca aceitaria uma gravidez antes do casamento, especialmente sabendo do jeito que ele já olhava Miguel com desconfiança. Então, cada vez que sentia o estômago revirar, eu respirava fundo e fingia estar normal.
Enquanto ele tomava o café na cozinha, sentado à mesa com um olhar fixo e severo, sentia seu julgamento pesando sobre mim. Mais cedo ou mais tarde, ele sempre trazia o assunto à tona.
— Rafaela, e esse casamento com o Miguel, foi marcado ou ainda é enrolação? — perguntou ele, os olhos duros e penetrantes. Sabia que agora que completei 18 anos, ele esperava que eu finalmente firmasse um compromisso, e eu mesma desejava isso, mas Miguel...
Era impossível esconder a verdade: Miguel estava sumido havia semanas. Os dias e as noites se passavam sem nenhuma notícia dele, e a angústia me corroía, mas disfarcei, tentando manter a expressão tranquila.
— Vai ser em breve, pai, só estamos ajustando os detalhes. Sabe como é, né? — Murmurei, forçando um sorriso e evitando o olhar, mexendo em uma mecha de cabelo. — Miguel quer tudo perfeito pra nós dois.
Ele bufou, nada convencido, e se levantou, deixando claro que não confiava na palavra de Miguel — e, talvez, nem na minha. Quando ele saiu para o trabalho, minha irmã Bia se aproximou, com aquele olhar sempre curioso e atento. Com apenas 12 anos, já era uma pequena espiã. Sabia que, por trás de sua implicância com Miguel, ela fazia isso por mim. E, naquele dia, sem que eu pedisse, ela sussurrou:
— Rafa, vou dar uma volta por aí... Quem sabe descubro o que o Miguel anda fazendo?
Apenas assenti, sem forças para impedi-la. Eu não podia sair, não podia ir atrás dele. Estava presa, entre meu pai e o medo de que Miguel realmente tivesse fugido de tudo, abandonado o que havíamos construído.
O tempo passou devagar, cada segundo me atormentando com dúvidas. Finalmente, a porta se abriu, e lá estava Bia. Ela me olhou, o rosto pálido, e eu soube que algo terrível tinha acontecido.
— Rafaela... — começou ela, hesitando, mordendo o lábio. — Ele... o Miguel... — Parou, respirando fundo. — Ele está se casando. Agora mesmo, numa igreja... com uma mulher rica.
Minha visão escureceu. A igreja, a mesma onde havíamos sonhado em nos casar. Não consegui dizer nada, apenas senti um frio mortal se espalhar por dentro de mim. Ele me enganou. Tudo não passava de uma mentira, uma promessa vazia.