Luna
Ao despertar com os primeiros raios de sol, sinto uma mistura de cansaço e determinação. Desde que me mudei para o majestoso casarão dos Castillo, minha vida mudou de maneira inesperada. Abandonei o aconchego da casa dos meus pais, situada em uma pequena vila nas montanhas, para enfrentar um novo começo em um mundo completamente diferente.
Meu pai, que outrora fora um agricultor robusto, agora enfrenta dificuldades que o impedem de trabalhar como antes, tornando-se dependente da minha renda. Em Sevilha, onde vivíamos, o papel das mulheres jovens muitas vezes se resume a trabalhar em tabernas tradicionais, onde a competição é feroz e as oportunidades são escassas.
Quando recebi o convite de Marta, minha antiga vizinha, para trabalhar no casarão dos Castillo, enxerguei nele uma oportunidade valiosa. O salário é bom e, com isso, poderei apoiar minha família. Essa é uma chance que eu não poderia deixar passar, embora eu tenha minhas reservas e uma esperança silenciosa de que não venha a me arrepender dessa escolha.
Com um suspiro de resignação, desvencilho-me dos lençóis e me preparo para o dia. Coloco o uniforme simples, mas digno: uma camiseta branca de mangas curtas e uma jardineira azul-marinho. Nos pés, sapatos pretos confortáveis. O uniforme está um pouco apertado, então planejo conversar com Marta sobre isso mais tarde. Prendo meus cabelos castanho-claros em um coque firme e sigo para o casarão, determinada a enfrentar os desafios que me aguardam.
Ao atravessar os elegantes corredores do casarão, sou envolvida pelo som do mar batendo nas rochas. As guitarras flamencas ecoam à distância e se misturam ao tilintar das xícaras na cozinha, onde Marta já está ocupada com os preparativos matinais. Com seu sorriso acolhedor, ela me saúda ao entrar na cozinha, lembrando-me minha mãe pela idade e pela aura de calor e conforto que transmite.
— Bom dia, Marta — digo, tentando soar casual, embora a tensão da noite passada ainda esteja presente na minha voz.
Marta levanta o olhar do fogão, o seu sorriso caloroso quebrando a rigidez da minha manhã.
— Bom dia, Luna! Como foi sua primeira noite na casa? Dormiu bem?
Bem m*l.
— Sim — minto, escondendo o desconforto da noite passada.
Ao observar a cozinha, sou envolvida por um espetáculo de beleza e funcionalidade. Este espaço é o coração pulsante do casarão dos Castillo, um santuário de aromas e cores que encantam os sentidos. As paredes são adornadas com uma paleta de tons modernos e elegantes, e as grandes janelas permitem que a luz natural ilumine o ambiente, criando padrões hipnotizantes no chão de azulejos espanhóis. O design é um equilíbrio entre a tradição espanhola e o luxo contemporâneo, com armários de madeira escura e puxadores dourados, contrastando com o brilho das superfícies modernas.
No centro da cozinha, uma ilha espaçosa serve como o epicentro das atividades culinárias, onde Marta exerce sua arte com graça e destreza.
— Depois do café, te apresentarei à família.
Sento-me à mesa, olhando para as xícaras de café.
— Já tive o desprazer de conhecer Alejandro...e seu pai também. — Digo, minha voz carregada com um tom de desânimo.
Marta arqueia uma sobrancelha, interessada.
— Ah, você conheceu o senhor Castillo? E pelo jeito não foi um bom começo?
Pego uma xícara e me sirvo de café, buscando as palavras certas.
— Foi um encontro... intenso. Achei o senhor Alejandro Castillo bastante imponente e distante. É o tipo de homem que faz você se sentir pequeno com apenas um olhar.
Marta escuta atentamente, os seus olhos demonstrando empatia.
—Dios! Pelo visto o encontro de vocês foi bem tenso mesmo.
— Sim. E não é apenas a sua autoridade que me causa essa impressão, mas uma aura de crueldade sutil que o cerca. A sensação de estar à mercê de seu julgamento é... perturbadora
Enquanto falo, meus pensamentos voltam à cena. Há algo no olhar dele que é, ao mesmo tempo, frio e vulnerável. É difícil de explicar, mas parece que uma parte dele está em constante conflito interno. Essa dualidade só o torna mais complexo e me deixa ainda mais confuso
Marta corta meus pensamentos dizendo:
— Alejandro tem uma forma muito peculiar de se relacionar com as pessoas. Aquele jeito distante e a sensação de julgamento que você percebe são, infelizmente, parte de quem ele é. Ele carrega um grande peso e responsabilidades, e isso acaba moldando a maneira como ele interage com os outros. Mas, com o tempo, ele tende a se acostumar com você e pode até mostrar um lado mais acessível.
Dou um pequeno suspiro, tentando processar as suas palavras.
— Talvez você tenha razão. Só espero que, com o tempo, eu possa encontrar um equilíbrio aqui, sem ter que me perder na complexidade desse mundo.
Marta sorri novamente, um sorriso de encorajamento.
— É um começo, Luna. E lembre-se, cada dia é uma nova oportunidade para encontrar seu lugar e entender melhor as pessoas ao seu redor.
Agradeço a Marta com um sorriso leve, tentando absorver as suas palavras. Enquanto tomo o meu café, a sensação de estar um pouco mais alinhada com o que está por vir me dá um pequeno alívio.
Enquanto Marta se ocupa com os afazeres na cozinha, fico em silêncio, tentando ordenar os meus pensamentos. O café nas minhas mãos ainda está quente, mas o calor que ele deveria me proporcionar não consegue dissipar a inquietação que tomou conta de mim desde que cheguei aqui.