Prólogo
Ares
Olho para a pista completamente frustrado, é a primeira vez que não consigo me concentrar, justamente porque sei que meu talismã não está lá, me esperando como de costume. Desvio o caminho sem sequer terminar a corrida, a entrego de bandeja para o meu adversário indo para o lugar onde ser que posso encontrá-la.
Corro pelas ruas da cidade, desesperado para não ser tarde demais. Ela tem sido meu amuleto da sorte desde que me lembro, me dando força e confiança em todas as situações. Agora, sem ela, sinto-me completamente perdido.
Chego ao topo da colina mais distante da cidade, onde costumávamos passar horas antes de cada corrida, sorrindo, brincando, observando a vista e dividindo nossos sonhos. A árvore alta onde estava marcada as nossas iniciais era onde costumávamos nos sentar, mas não há sinal dela, Jully não está lá me esperando como disse que sempre faria.
Encontro-me no tronco sentando no chão, com a cabeça entre os joelhos, procurando me acalmar. Lembro de todas as corridas, de cada vitória em que meu talismã estava presente. Sem ela sinto como se minha habilidade e treinamento não fossem suficientes.
— Pensei que estaria correndo. — Ouço sua voz doce atrás de mim. — Deveria estar na pista neste exato momento.
Olho para Jully, me perdendo dentro de seus olhos profundos, há um sorriso leve em seus lábios, mas posso ver que não está feliz.
— Você vai me deixar?
— Ares, eu adiei minha partida por muito tempo, eu não queria que fosse assim, mas não dá mais... — ela diz, visivelmente emocionada.
Sinto meu coração apertar enquanto ouço suas palavras. Eu nunca esperei que esse momento chegasse, e não queria acreditar que fosse real. Jully sempre esteve ao meu lado, incentivando-me e compartilhando das minhas paixões, e agora, ela estava prestes a partir.
— Mas, por quê? O que aconteceu? — minha voz falha, lutando para conter a tristeza que ameaça me dominar.
Jully se senta ao meu lado no tronco, segurando minhas mãos entre as suas. Seu olhar se torna ainda mais intenso e sincero.
— Ares, eu amo você e sempre vou amar. Mas não posso viver uma vida inteira adiando meus sonhos e planos. Eu tenho meus próprios objetivos, e agora a chance de ter uma carreira, preciso seguir em frente.
— Eu não posso te prender a mim, Jully, mas isso não significa que não queira tentar, não é fácil te deixar partir. — Respiro fundo, tentando encontrar forças para contornar a situação.
— Sei que não será fácil, Ares, mas espero que um dia você compreenda que esse é o melhor para nós. Não quero ser um empecilho para os seus sonhos e conquistas.
Um sentimento de perda se mistura à tristeza dentro de mim.
Ficamos sentados em silêncio por um momento, ela recosta a cabeça em meu ombro, permitindo que a realidade da situação se estabeleça. O vento sopra suavemente, trazendo uma sensação de despedida ao ar.
— Agora você deveria ir e correr, Ares. Corra como se eu estivesse ao seu lado, torcendo por você — sorri tristemente — até porque mesmo que não esteja em corpo presente, estarei sempre em pensamentos.
— Eu não posso, Jully. Vou sentir sua falta, sempre — inspiro ruidosamente. — Você se tornou meu motivo para estar lá, como posso seguir sem meu talismã?
— Da mesma maneira que conseguiu antes de mim...
Senti meu coração acelerar enquanto a adrenalina percorria minhas veias, alimentando um desejo voraz dentro de mim. Peguei seu queixo e virei seu rosto para mim, meus olhos se fixavam nos lábios dela, observando cada movimento que ela fazia enquanto me aproximava. Havia uma necessidade intensa de sentir o toque suave de seus lábios, como se fosse a única coisa que pudesse saciar a ânsia que consumia minha mente. A vontade de tocá-la era irresistível. A distância entre era curta, e eu pude sentir o calor que emana dela.
Trago seus lábios para mim e foi como uma explosão de paixão contida que se libertava. O beijo foi intenso, cheio de necessidade e paixão. Minhas mãos deslizaram por seu corpo, buscando o máximo de contato possível, como se quisesse me fundir a ela.
O mundo ao redor desapareceu. Nada mais importava.
Nossos lábios se separavam por breves instantes, apenas para voltarem a se encontrar com ainda mais avidez. A urgência e o desejo nos queimavam em cada gesto, em cada toque.
Eu queria que quele momento durasse para sempre.
Ela se afastou de mim, respirando com dificuldade, assim como eu. O sol começou a se pôr no horizonte, pintando o céu com tons de laranja e rosa. Jully se levantou do tronco, e me olhou com tristeza e ternura.
— Ares, não podemos prolongar isso. Eu preciso ir, e você precisa correr. Por favor, não me confunda ainda mais.
Meu coração apertou novamente ao ouvir aquelas palavras. Passei as mãos pelos cabelos deixando transparecer toda minha indignação.
— Por favor, Jully, nós podemos dar um jeito, diga-me o que quer? O que preciso fazer para que você fique?
Jully olhou nos meus olhos, e por um momento, vi uma luta interna refletida em seu olhar. Ela sabia que essa decisão não era fácil para nenhum de nós, mas também estava determinada a seguir seu caminho.
— Ares, já faz muito tempo que estamos, juntos, por assim dizer. Mas não posso... preciso seguir o meu próprio caminho, assim como você deve seguir o seu.
Senti meu coração se despedaçar em pedaços menores a cada palavra dela. Não estava pronto para desistir tão facilmente.
— Jully, não é sobre mudar meus sonhos. É sobre compartilhá-los com você. Nós poderíamos nos manter juntos, como sempre fizemos. Não quero perder a melhor parte da minha vida.
— É sempre sobre você e o que você quer, Ares, agora é minha vez, tivemos todo o tempo do mundo para tentar e não vai ser um beijo que vai mudar as coisas ou que vai me fazer acreditar que podemos ser mais.
A tristeza em suas palavras era palpável. Eu sabia que ela estava certa, mas ainda não conseguia aceitar. Respirei fundo e olhei para o horizonte. O cenário era bonito, mas tudo o que eu conseguia pensar era no vazio que sentiria sem Jully ao meu lado.
— Fica...
— Não...