Apresentações e Natal

2000 Words
As semanas que se seguiram não foram fáceis, com o resto dos testes e apresentações o tempo para vida pessoal diminuía. Magali não parecia em si, fora chamada várias vezes a PJ (polícia judiciária) de Aveiro para prestar depoimento. Falava apenas o necessário, normalmente ligado aos trabalhos ou matérias em falta dos testes, fora isso não demonstrava emoções, parecia vazia. O dia 25 chegava e com ele os problemas, a namorada de Virgílio pediu contas a Magali, queria saber a sua relação após a ver no departamento criminal em fila de espera para ser interrogada. Começou uma enorme confusão no meio de uma apresentação e por isso o professor teve de a convidar a sair. Infelizmente ela não aceitou e o segurança da portaria foi chamado para a retirar do local, tendo de ameaçar chamar a polícia caso ela voltasse. — Eu vou embora. – Magali arruma as suas coisas rapidamente e saí, já tínhamos apresentado o nosso trabalho. Saio de seguida com Sofia e vamos atrás dela. — Eu apanho o comboio. – Estava enervada. — Ela também vai, queres voltar a ouvi-la gritar. – Já tínhamos saído do prédio. - Magali! — Eu só quero ficar sozinha. – Fala cheia de lágrimas. – Já viram como ela me humilhou… — Vem connosco, a Clara deixa-te à porta de casa e podes ter o teu espaço. – Sofia tira um pacote de lenços da mala e passa-o a Magali. — Ires embora sozinha é que não é bom. Não há boa maneira de diminuir a gravidade da situação, mesmo sendo a época natalícia, o tempo de esperança perpétua e alegria. Na minha perspetiva era a pior, mas para grande parte da população é uma das celebrações mais importantes. Deixo Magali em casa, só fomos embora quando ela entrou no seu prédio. — Não vai ser uma fase fácil para ela, espero que a PJ não a chateie muito mais com a morte dele. — Tinha a mesma esperança, mas eles deviam falar muito, talvez por isso a chamem tanto. Gostaria que ela partilhasse mais, podíamos tentar ajudá-la. — Sim, mas duvido que ela queira falar mais do mesmo, afinal que raio sabe ela tanto que eles passem a vida a atormentá-la com perguntas e interrogatórios súbitos. Era algo que não tinha pensado, eles realmente deviam falar por mensagem e tiveram alguns momentos sozinhos pessoalmente, contudo não sabemos detalhes. Não tínhamos sequer informações sobre o que faziam nas tardes livres, Sofia apenas os viu no parque naquele dia, a foto foi publicada no mesmo banco. Ela devia saber algo sobre a sua vida privada, ou finalmente a polícia tinha encontrado uma ligação entre as vítimas com este assassinato. Isso ou Magali estava envolvida. — Doida! – Falo do nada. — Quem é doida? – Sofia olha para mim sem compreender, íamos caladas por um bom bocado de tempo. — Estava apenas a pensar em algo, coisas à toa… — Algo que queiras partilhar e melhorar este dia? — Julgo que só ira piorar. – Paro junto da rua dela. — Nesse caso talvez seja melhor guardar para outro dia. – Sofia respira fundo. — Será o mais adequado. – Sorriu levemente, era triste a situação e pior foi a ideia, como se algum dia, Magali fosse matar alguém, a única coisa que matava era aranha e barata — Vamos falando? — Sim, depois combinamos a troca de livros, tenho de encontrar alguns no meio das minhas pilhas. — Sim, quando achares manda-me mensagem. Sofia abre a porta e sai para a rua, fecha a porta e acena em adeus sorrindo triste antes de virar costas. Tomo o rumo a minha casa, chego e faço um chá de menta quente, Sete-Sóis dorme então não o interrompo. Mando mensagem a Sónia, não as quero deixar na dúvida. Representante — Deixei-a em casa, está segura. — Obrigada, espero que ela fique melhor. Ela disse algo no carro? — Não, fomos todo o caminho em silêncio. —Okay, ficamos mais tranquilas. No dia seguinte seria véspera de Natal, já tinha feito as minhas compras no fim de semana passado, no meio de tudo consegui 2 horas para ir ao supermercado. Entre fazer powerpoints e estudar para provas a semana tinha sido pesada e cansativa. O meu peludinho tinha dado o apoio que lhe era possível, mas ainda assim desejava por uma noite de sono em condições. Depois do que aconteceu comecei a sonhar com a minha avó, não dormia mais de 4 horas por noite, toda noite ela aparecia e cantava-me. Ela sempre me cantava uma pequena música de embalar, no sonho ela senta-se na sua antiga cadeira de cobre e almofada vermelha, eu estou deitada na minha antiga cama. Ouço a música contente, relembro o tempo que fui feliz com a sua companhia, contudo no meio da letra ela para, abre uma das pequenas gavetas da minha mesinha de cabeceira e sorri de forma estranha para mim. Não consigo falar-lhe no sonho, mas sempre acaba da mesma forma. — Nunca abras a primeira gaveta, minha pequena gota de orvalho. Acordo a suar sem motivos e não consigo dormir mais com os nervos. Era finalmente véspera de Natal, voltei a visitar a minha avó, ou ela que me voltou a visitar. Os meus pais não voltariam então iria fazer frango assado e batatas assadas com arroz branco a acompanhar. Não era fã de bebida alcoólica, mas no espírito natalício comprei licor beirão e um conjunto de copos de shot. Um gole não me mataria, arranjei até uma roupa de Natal para Sete-Sóis, era fofa, mas o fulano preferia apenas o pelo que a natureza lhe tinha dado. Depois de cozinhar coloquei Sozinho em casa 1 à dar e aproveitei o meu feriado. Tínhamos apenas uma semana entre Natal e passagem de anos, mais dois dias com sorte. Universidade a dar férias reduzidas desde sempre. O dia foi tão calmo que achei por momentos que não tinha problemas à minha volta. Quando o filme acabou dei uma olhada pelas notícias. Natal e comida de distritos eram o assunto, decorações e cidades mais natalícias. — Temos agora algumas notícias sobre o caso Sombra, faz quase 3 semanas que o suspeito assassinou um jovem estudante na pequena aldeia de Macinhata do Vouga, as autoridades continuam a apelar às pessoas para recolherem cedo e não frequentarem áreas junto a rios, lagos e praias. Mesmo que neste período o assassino não tenha entrado em atividade, os cidadãos devem manter o maior cuidado. Quem me dera que ele desaparecesse com o próximo orvalho. Não quero perder o meu espírito, coloco o Sozinho em casa 2 e deito-me no sofá. Sete-sóis sobe no sofá repentinamente e passa por debaixo do meu braço, deita-se ali e esfrega-se na minha camisola de pelo longo. Finalmente tinha companhia depois dos meus avós morrerem. — Estou feliz, tu estás feliz? – Sete-sós levanta a cabeça, de tanto que se esfregou ficou de barriga para cima. Os olhos redondos pareciam felizes, eu estava feliz, ele estava feliz, por que a felicidade tinha de ser temporária? Quando deu meia-noite todas escreveram feliz Natal no grupo, Magali foi a única que não mandou, desde que a deixei em casa não tive notícias, mesmo sendo apenas 1 dia não é normal ela não dar saudações nestas ocasiões. Sofia mandou feliz Natal tanto no grupo como no privado, tinha já os livros para trocar, eu ainda não tinha encontrado o que queria trocar com ela, mas já tinha aberto as minhas prendas, os meus pais tinham mandado uma caixa cheia de comidas e bebidas j*******s. Pelos vistos sempre tinham saído do país onde estavam, da última vez que me falaram estavam em Espanha, isso tinha sido há 1 mês. Sónia trocava presentes com a família, a avó encontrava-se confortável, o irmão apenas rasgava o papel de embrulho e vi as suas prendas, o pai ainda se encontrava sentado na mesa a finalizar o seu copinho de porto. Sónia abria os presentes que o pai lhe tinha comprado com a avó. — Ganhei os fones que queria. – O irmão ficou radiante com a sua prende, já andava no ensino médio. — Ainda bem que gostaste. – Vê-lo assim radiante era um triunfo, um rapaz com as hormonas à flor da pele passa os seus dias fechado no quarto, naquele dia ficaria emburrado no sofá. Contudo, o seu irmão mantinha uma boa ligação mesmo estando numa das piores fases da adolescência. Tinha recebido meias e um gorro pela avó, já o pai tinha oferecido o novo livro de romance de Nicholas Sparks. Ela adorava romance, tinha todos os daquele autor, agradece os presentes à avó dando-lhe um beijo e um grande abraço ao pai. Por momentos a harmonia do Natal estava finalmente instalada, duraria se tudo corresse bem até ao fim do ano, e a chegada do próximo. Gael estava, sim, emburrado no sofá da sala, odiava o Natal em tudo, prendas, luzes, vermelho, e comida que a família tradicional do pai obrigava a comer em abundância. Sempre iam para o norte festejar a época natalícia, mil e uma primas chatas, muita gente numa sala pequena e feromonas machistas para piorar a disforia ocasional. O que realmente odiava eram os comentários pelos parentes, o cabelo, a roupa, o género, que já tinha explicado mais de uma vez, todo ano eram as mesmas perguntas e todo ano recebia comentários negativos e homofóbicos. O pai era homofóbico, porque seria? Grande parte do veneno já vem do ninho, na verdade, ele apenas cresce quando se bate asas e voa para uma nova vida com uma parceira, ou parceiro, pois a idade da pedra passou, a mente tem de ser aberta ou o futuro fica mais escuro e ignorante do que nunca. Trata-se de opinião, podemos não querer acreditar, nem ter ao nosso lado, mas devemos respeitá-la quando nos encontramos na situação. Que nem l***q + respeita os tradicionais quando vem com a conversa: — A mulher foi feita para o homem. — Então somos gado ao invés de pessoas para vocês? — Devemos respeitar as regras da natureza! — Eu respeito, faço a reciclagem, trabalho e contribuo para a sociedade e economia da mesma, todo dia levanto-me cedo para melhorar a mesma, no inverno uso roupa apropriada ao clima e no verão utilizo palhinhas de metal. Apenas não quero uma relação com um homem. Coisas assim pioram a mentalidade de quem nasceu neste século, pais a abandonarem os filhos, filhos a sair de casa e por algum motivo somos piores que eles, de acordo com eles. Quando no tempo deles faziam o que queriam, às escondidas do mundo e nós que decidimos mostrar essa faceta, somos calcados por aqueles que praticaram e escondem o passado. … O filme tinha acabado, volto a colocar no canal 3 para ver o que iria dar no horário noturno, está a passar Grinch, na barra de notícias de emergência aparece a seguinte frase. — Notícia de última hora, foi presa por suspeita de homicídio uma jovem da universidade de Aveiro, suposta amiga da vítima. Que mais pode ter sido, alguma entidade que ajude esta casa, passei a CMTV e logo ouço o telefone tocar. Atendo sem nem olhar a tela. -Olá... -Vai ao canal 4, a Magali foi presa. — Sofia… - Já tinha mudado de canal, o filme que tinha colocado fora retirado do ar para dar lugar a notícia, a rua de Magali fora colocada como foto de fundo. — Eu não sei que raio se passou, mas isto está longe de acabar… - Não tinha palavras. – Clara, Clara estás aí... Nós sentimos um vazio no corpo quando algo de mau acontece, é como uma pedra, atirada parte um vidro deixando uma corrente fria passar, a corrente passa por horas, mas nós não sabemos consertar um vidro e pior não nos queremos levantar para comprar um novo. Apenas ficamos a sofrer com a corrente, pois nada é mais claro na nossa vida. -Clara…
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