Capítulo 01: Segreos - Pt.2

2654 Words
Nova York, Paraíso Thais Walker andava sozinha pela cidade-refúgio de Nova York. Estava procurando por Jared Blackwood, o barqueiro que a Morte havia escolhido para ajudar Leonard em sua missão. Desmond, porém, estava um pouco mais afastado do grupo, já que desde seu reencontro com Ally, ele estava passando mais tempo com ela – era óbvio ver que, mesmo sem as memórias de vida, ela estava se apaixonando por ele. Todavia, quem mais preocupava a garota era Leonard. Durante os meses que passaram em Nova York, ele m*l ficou em casa. Saía todos os dias, sem Týr, e voltava apenas de noite. Diversos machucados pelo corpo; uma vez, chegou com o braço quebrado – que ela consertou imediatamente. Queria saber com o que estava metido. Eram tempos sinistros no Paraíso, ele poderia estar fazendo literalmente qualquer coisa. Muitas vezes, ficava semanas e semanas sem aparecer. A dica que ele havia dado de que Jared estava morando nas docas provou-se errada, já que assim que ela foi conferir, não encontrou o homem; as pessoas que frequentavam as docas alegavam que há semanas não viam Jared por lá e nem sabiam para onde tinham ido. Desmond fizera um plano para procura, do qual Leonard não participava, pois tinha compromissos; Týr sabia do que se tratava, mas não contava para Thais. Desmond e Ally faziam a parte de Desmond; Týr estava fazendo a parte de Leonard e Thais fazendo a sua. A garota bufou, irritada. Ela tinha que cobrir Manhattan e o Bronx, enquanto Desmond procurava pelos Queens e Brooklyn e Týr ficava com Staten Island. Felizmente, para ela, já tinha feito quase todo Bronx; naquele dia, porém, fugiu um pouco da estratégia e resolveu visitar o centro de Manhattan. Quando era criança e ainda estava viva, Thais lera vários livros que se passavam em Manhattan, alguns que contavam o lado bom da cidade e outros que contava os segredos mais sombrios daquele lugar. Ela gostou e amou cada um deles. Estava tão imersa em seus pensamentos que não notou quando chegou a Broadway. Sendo uma das avenidas mais famosas do mundo, ela estava completamente diferente de como os livros descreviam, com todos aqueles telões passando propagandas de peças de teatro, filmes e muito mais – ela podia imaginar mais ou menos como funcionava o feitiço que sincronizava o Paraíso a Terra, por isso, sabia que as peças aqui eram as mesmas que passavam lá, a principal diferença eram os atores. Encontrou um pequeno café em uma esquina, cujo clima agradável chamou-lhe a atenção. Sentou em uma mesa próxima a janela, por onde poderia ver boa parte da rua. Um garçom aproximou-se dela e, ao ver a cara triste de sua cliente recém-chegada, voltou ao balcão, pediu um café, e retornou a mesa. Sentou diante dela, abriu um sorriso, revelando dentes perfeitos e maravilhosamente brancos. – Você não parece muito feliz. – Ele disse, arrastando o copo de café na direção dela. – O que aconteceu? – Eu estou procurando por esse homem, um amigo. Mas não o encontro. – Thais afirmou, mesmo sabendo que Jared era a menor de suas preocupações. – Talvez eu possa ajudar. Todo mundo que vive em Nova York já passou por aqui, e eu costumo me lembrar das pessoas. Qual o nome dele? – Jared. Jared Blackwood. – O barqueiro? Sei quem é, ele costuma vir aqui uma vez por mês, de fato, esteve aqui sábado passado. – Ele pareceu ficar um pouco decepcionado consigo mesmo, por não poder ajudar mais a garota diante de si. – Eu soube que ele trabalha nas docas, mas não sei onde mora. Sinto muito. – Já estive nas docas. Desde que colocaram os muros, ninguém mais está trabalhando por lá. Ele, então, desapareceu. Ninguém sabe aonde ele foi parar. – Quer saber, eu conheço alguém que mora aqui perto que talvez saiba alguma coisa sobre Jared. Conhece a cidade? – Não muito. – Confessou. – Bem, se quiser, vou sair do serviço em uma hora. Posso te levar até lá. Thais pensou e sentiu-se estranha. Sabia que as pessoas no Paraíso eram extremamente gentis e estavam sempre dispostos a ajudar, mas não pôde deixar de imaginar que aquele rapaz estava paquerando-a. Sorriu e sentiu as bochechar esquentar – e se odiou por isso –, mas aceitou o pedido. – Sou Jensen, pode me chamar de Jen. – Ele se apresentou ao se levantar para voltar ao trabalho. – Thais. – Ela respondeu com um sorriso envergonhado. Durante uma hora, ela esperou. Observou o rapaz trabalhando, servindo as pessoas com um sorriso no rosto tão simpático que era capaz de conquistar qualquer cliente, mesmo que no Paraíso as pessoas não conquistavam umas as outras. Ao fim do expediente do rapaz, os dois pegaram o metrô para o norte e desceram em uma rua pouco movimentada àquela hora do dia. Tratava-se de uma rua residencial, com vários prédios pequenos, de três ou quatro andares, onde havia apenas um ou dois apartamentos por andar. Jen andou confiante pela rua; sabia exatamente aonde ir. Parou diante de uma casa, uma das poucas na rua, que era feita de tijolos vermelhos. A porta era cor de madeira clara, mas com a maçaneta no centro; alguns desenhos em volta dela enfeitavam a porta de maneira belíssima, ornando perfeitamente com o lugar. As janelas eram do mesmo material e, por dentro, algumas cortinas floridas enfeitavam. – Não... – Thais falou, imediatamente reconhecendo a casa. Lembrou-se de um dos momentos mais tristes de sua vida. Após a morte de John, seu primo, ela e seus pais vieram para o velório e enterro em Nova York. Thais se viu ainda menina entrando naquela casa, sua visão turva por causa das lágrimas; ela foi até a sala de estar, onde o caixão de John estava. Lembrou-se de ter debruçado sobre ele para ver o rosto de seu primo uma última vez; ele estava sem os óculos. Então, ela começou a gritar de tristeza que John não enxergava sem os óculos; ele precisava dos óculos. Sua mãe puxou-a para longe do caixão e a levou para a cozinha, onde ela bebeu água com açúcar para se acalmar. Lágrimas escorreram nos olhos de Thais, que rapidamente as secou. Não saberia explicar para Jen o que estava acontecendo. Apenas ao ver aquela casa foi que percebeu que não se lembrava do que havia acontecido após sua morte. As memórias eram confusas; lembrava-se de que a Morte havia lhe mostrado John; lembrava-se de eles seguiram para Julgamento juntos, mas depois disso, não era capaz de lembrar mais coisa alguma. Não sabia, ao menos, se John estava no Paraíso ou não. Mas aquela casa... Não poderia ser coincidência. E se alguém estava morando nela, só poderia ser ele. Tinha que ser ele. Thais deixou um Jen confuso para trás, quando correu até o batente da porta e, desesperadamente, tocou a campainha. _____________________________ Nova York, Paraíso Os socos de Lana vinham rapidamente na minha direção, tão velozes que eu m*l conseguia desviar. Se não fossem os meses de treinamento, eu acabaria mais uma vez com um olho roxo. Em minha defesa, a última vez que fiquei com o olho roxo foi por causa da distração, a mesmas que ela estava usando nesse momento – e eu tinha certeza que esse era o objetivo dela. Lana vestia shorts legging que iam até um pouco acima dos joelhos; sua barriga lisa estava à mostra e os s***s estavam bem presos em um top. Ela tinha curvas maravilhosas, o que tornava a distração cinco milhões de vezes mais eficaz. Seus cabelos pretos estavam presos em um r**o de cavalo simples, todavia, a franja estava na altura das sobrancelhas e, consequentemente, cobrindo a testa. Seu soco era muito forte e machucava quando me atingia, mesmo que ela estivesse usando luvas de treinamento acolchoadas. Apesar de ter lutado todo o caminho desde Nova Jerusalém a partir do dia de meu Julgamento até chegar ali, naquele momento, eu não era muito experiente. Eu lutara sempre usando uma espada encantada que fazia meu corpo mexer-se sozinho, por isso, quando ela se ofereceu para me ensinar a lutar de verdade sem uma espada, eu aceitei. Essa oferta foi feita no dia seguinte ao meu encontro com ela em Nova York, logo após ter deixado a japonesinha, Aiko, em sua casa. O chute veio completamente de maneira inesperada, já que nos quase três meses que treinamos, ela não costumava usar as pernas para atacar ou defender. O estilo de Lana focava praticamente o tempo todo na parte de cima do corpo, apesar de não ser nem um pouco previsível – principalmente quando, sem querer, ela invocava um raio e quase me eletrocutava. Para esquivar de sua perna, eu me abaixei, dobrando metade do corpo e, no mesmo momento, fui capaz de acertar um soco firme na dobra do joelho em que ela se apoiava. Lana, surpresa, foi ao chão, batendo com relativa força no confortável tatame do ringue em que treinávamos; incrédulo, eu me afastei, olhei para ela com os olhos do tamanho de laranjas, e falei em alto e bom som de animação: – Eu ganhei! Depois de dois meses apanhando feito um cachorro, eu ganhei! – Só faltava eu fazer uma dancinha de alegria. – Não se sinta tão feliz. – Ela respondeu, levantando-se e com um sorriso superior no rosto. – Se eu tivesse usando meus poderes, você estava frito. Literalmente. – Eu sei, eu sei. – Conformei-me. – Mas, até que fui bem para alguém com um coração e sem uma espada mágica, não é? – Mais ou menos. Quer outro round? – Ela me perguntou com um sorriso que indicava que ela estava gostando demais de bater em mim. – Mas dessa vez, vou usar meus poderes. Acho que já está pronto. – Claro. – Respondi, animado, sabendo que Thais iria ficar uma fera quando visse os machucados naquela noite, isto é, se eu resolvesse voltar para casa. – Foi muito difícil convencer Taavi a permitir que te explicasse isso, já que você não é um de nós oficialmente, mas como você é filho de um Heartless e carrega nosso símbolo nas costas para lá e para cá, ele achou que não teria problema. – Ele apontou para o centro do ringue, indicando para que sentássemos; sentei de pernas cruzadas, como se fosse meditar; e ela sentou meio de lado, com as pernas dobradas para trás. – Os poderes do Heartless vêm da natureza, e não de nós mesmo. Nós não criamos, nós manipulamos. Vou usar eu mesma como exemplo. Você sabe que eu uso eletricidade, certo? – Se sei? – Retruquei de maneira brincalhona. – Você me salvou algumas vezes, lembra? – Sim. – Ela também sorriu; de fato, ela tinha me salvado várias e várias vezes antes, ela me salvou em Roma, em Paris, quando chegamos à Inglaterra, em Londres. – Bem, eu não crio eletricidade, mas eu a trago da terra. Por exemplo, raios se formam quando as cargas negativas de uma nuvem de tempestade são atraídos pelas cargas positivas do solo. Eu sou a nuvem e dentro de mim existe um excesso de carga negativa. Para lançar os raios, eu puxo a carga positiva do solo e crio eletricidade dentro de mim. Então, eu manipulo essa eletricidade da maneira que eu desejar. – Entendi, eu acho. – Respondi; eu já tinha assistido algum programa de televisão sobre isso alguns anos atrás, quando ainda estava vivo. – Cada um de nós tem uma fraqueza, a minha eu já falei, a dos outros, você saberá em tempo. – Você não falou, não. – Retruquei, ao ver que ela levantava, tomava água de uma garrafa que estava num canto do ringue e se preparava para lutar. – Se você prestou atenção no que eu disse, vai saber o que fazer. – Ela piscou. Enquanto eu levantava, eu tentava lembrar-se das palavras que Lana havia dito, mas aquele top simplesmente desligava minha mente toda vez que estávamos conversando! Ela fez um movimento com os pés, fazendo pequenos meio círculos; notei pequenos raios azuis saindo da terra e envolvendo seu pé. Então minha ficha caiu; eu sabia o que precisava fazer, apesar de não saber como. Pelo menos, eu tinha um objetivo. Trocamos socos por várias horas, até que a luz do lado de fora se tornou alaranjada e, então, vermelha, indicando o dia estava acabando, e a noite estava prestes a começar. Lana aproveitou minha pequena distração com o horário para acertar um soco forte nas minhas costelas, não chegando a causar qualquer ferimento grave, mas me dando um choque mais forte do que os que eu tinha levado até então. Sabia que ela estava me punindo por não prestar atenção completamente no combate. Quando a noite começou e os outros Heartless vieram reclamar que nós estávamos monopolizando o ringue, Lana e eu decidimos dar o treino por encerrado naquele dia. Nós iriamos jantar juntos em um restaurante muito bom próximo ao Central Park, que estava a poucos quarteirões dali. Eu tinha prometido a ela que, quando estivesse pronto, iria contar tudo o que havia acontecido antes da minha morte e sobre minha jornada com Týr por Godheim, que terminou em um dos piores acontecimentos da minha vida. Eu estava pronto, e, mais do que isso, eu precisava falar com alguém que não fosse Týr sobre aquilo. E Lana sempre fora minha melhor amiga, até ela morrer. Depois de tomar banho e vestir minhas roupas regulares – exceto meu sobretudo; eu não precisava dele para um jantar com minha ex-namorada, a não ser que os Filhos ataquem de repente, mas se for o caso, Týr o traria para mim. Fomos caminhando mesmo, afinal, a Nova York do Paraíso não era perigosa e não existia crime, mesmo em tempos de guerra. Tratava-se de um restaurante francês maravilhosamente lindo, com detalhes em madeira e dourado, ornando perfeitamente com a luz e com o lustre de cristais e diamantes. O lugar estava lotado, e nós tivemos de esperar aqueles dois meses e pouco para conseguirmos jantar ali, pois era o único dia e horário disponível. Após o jantar – que apesar de muito gostoso, não chegou a m***r minha fome, já que almas sem corpos, como Lana, não tinham a necessidade de comer e apenas o faziam por prazer – eu passei a contar tudo que havia acontecido depois de Lana morrer. Contei sobre todos os nossos amigos do Colégio Andersen e como cada um tinha seguido a vida; contei sobre as coisas estranhas que aconteceram por lá, como algumas pessoas desapareceram e outras morreram. Quando o assunto chegou a Elena, ela ficou surpresa, já que Elena não parecia ser meu tipo; rapidamente, mudamos de assunto. Chegamos ao momento de minha morte, o acordo que fiz com a Morte; contei sobre as outras seis pessoas que ele tinha escolhido para ajudarem com o plano maluco, e que Thais era uma dessas pessoas – eu evitei contar sobre nosso “relacionamento” em Londres. Contei sobre Godheim, sobre minha irmã, e como isso me levou ao reencontro com Elena. Sem dúvida, relembrar o momento em que vi m*******r uma cidade e ver como o desejo de me ter de volta a levou por um caminho sombrio; e como, no fim, o anjo teve que tirar seu coração para que o mundo fosse mais seguro. Eu entendi, mas até colocar aquelas palavras na mesa para Lana, eu não havia aceitado o que o anjo fizera. Muitas coisas haviam mudado desde que trocara minha vida pela de Elena. Eu havia feito uma promessa a ela, mas que agora já não tinha qualquer significado. Ao vê-la como vi, todas as minhas razões despencaram. Eu me senti sem rumo; eu simplesmente não sabia o que fazer, e contei isso para Lana. O resto da noite eu passei chorando, no colo de Lana, em seu quarto no esconderijo dos Heartless.
Free reading for new users
Scan code to download app
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Writer
  • chap_listContents
  • likeADD