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Além do Preconceito - Morro

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Blurb

O destino transformou numa só, a vida de quatro personagens completamente distintos, mas, que possuem um elo em comum: a vontade insana de não serem mais dependentes do passado e nem das decepções que quebraram seus corações e marcaram suas vidas da maneira mais c***l e fria.

Aryela Salgari é uma mulher deslumbrante e tão poderosa quanto o sobrenome que carrega. Porém, por trás da aparência perfeita e muito dinheiro, ela ainda é aquela garotinha quebrada que não conseguiu superar as dores de um passado turbulento. Apesar disso a loira mascara seus traumas ostentando e, fazendo uso de um humor para lá de tóxico. Mas, tudo muda completamente quando seu caminho se cruza com um perigoso chefe do tráfico e um garoto rebelde que fará com que seus dias nunca mais sejam o mesmo.

Marcos, vulgo Marcão controla o tráfico a sangue frio na favela da Nova Holanda. Sua única filha e a avó a quem considera como mãe representam o pouco de humanidade que restou em seu coração. Ele só não contava que a pedra de gelo que havia em seu peito iria quebrar logo com uma mulher que é o seu completo oposto. Literalmente. Ela fará com que sua vida dê voltas inimagináveis, quase um mergulho no inferno.

Guto quer ter uma vida normal, sonha em ser um garoto como os outros, mas, infelizmente a vida tem sido bastante c***l desde que ele se entende por gente. Sem registro. Sem amor. Sem pais. Sem muitas expectativas quando o destino finalmente resolve dar as cartas e colocá-lo no seu devido lugar.

Laurinha é uma menina de coração grande. Seus sonhos são modestos, mas a realidade que vive faz com que eles sejam distantes demais para se concretizarem. Ela só queria que seu pai vivesse em paz, longe do perigo e da c***ldade que o ronda devido ao seu cargo no tráfico. Mas, enquanto isso não acontece, — se é que realmente acontecerá — ela busca conforto na relação do seu amigo de infância, a qual gostaria muito que fosse algo mais.

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1
Um ARYELA Olhei-me no espelho que cobria boa parte da parede do meu quarto e sorri. Sorri pelo corpo magro, com tudo em seu devido lugar. Sorri pelo cabelo naturalmente loiro e hidratado, pelos traços finos que marcavam meu rosto me deixando com uma carinha de Barbie, então estendi meus braços, fitei meus pulsos controlando o emocional que rapidamente fez minhas lágrimas escaparem. Sim, eu tinha tudo. Beleza, dinheiro e glamour nunca me faltaram... Mas, eu confesso que apesar de ter tudo, às vezes, na verdade quase o tempo todo, eu me sentia vazia, e era um vazio que doía, eu sentia meu coração sangrar, eu me sentia perdida num monte de lembranças horríveis e, eu tinha que me aliviar... Ali estava meu alívio, marcado profundamente sob minha pele. Marca sob marca. Cicatriz sob cicatriz. Meus pulsos nunca mais deixaram de arder, meus braços sangram e latejam com a frequência que eu acho necessária. Mas fora isso, eu, Aryela Salgari, levo a vida perfeita, ou talvez a vida que muitos acham perfeita. [...] — Bitches! Não é nada disso, somos apenas solidárias. Eu amo os animais, principalmente os cachorrinhos e enquanto eu puder farei o possível para ajudá-los. Imagina o quanto não deve ser difícil para eles viverem em uma periferia, largados no meio da chuva, correndo o risco de levar uma bala perdida... – Não demorou para Lorena me interromper. — Verdade, mas esse risco também vale para as pessoas de lá Ary, acho que eles não vão gostar muito da ideia de existir um projeto tão interessante voltado para os animais enquanto os próprios moradores estão largados pelo resto da sociedade. — Lô, eu não sou nenhuma vereadora, honey. Eu apenas prometi a mim mesma que agora que voltei para o Brasil iria me esforçar para ser uma pessoa melhor, uma mulher mais humilde. O dinheiro é meu, e eu ajudo quem eu quiser, e pode ter certeza que eu jamais gastaria um único centavo com essa gentinha da periferia. Castrar os cães e gatos de lá já é uma ação e tanto. — Só me responde uma coisa gata: Se você não gosta da favela vai ir lá pra quê? Você já está fazendo sua parte dando seu precioso dinheiro! — Isso não é o suficiente, amada. As pessoas precisam saber que uma Salgari pisou na favela em ação beneficente, vai pegar bem pra imagem da Salgari Construtora e pra mim diante da alta sociedade. — Alta sociedade, como se as Trix precisassem se preocupar com isso. – Lucas revirou os olhos sorrindo cheio de deboche para mim. – Estamos num nível bem superior a isso, somos as Kardashians da zona sul do Rio. Nós rimos. — Somos mais do que isso, duvido que as Kardashians subiram no morro alguma vez na vida! — Olha, do jeito que são viciadas nuns negões, aposto que sim! – Lorena estreitou os olhos ajeitando os cabelos de maneira sexy. – Mas eu não julgo, eu tô indo lá porque estou sentindo que hoje vou conhecer o homem da minha vida… Já tô imaginando ele no alto da laje com um fuzil gigante nas costas e um rádio na mão gritando: – Pega a visão mano! – Ela disse engrossando a voz, e naquele momento vi os olhos da minha amiga brilharem mais que seus cabelos, ela era uma louca deslumbrada. — Ai… Acho que não quero ir mais não… Tenho medo da Lô se envolver com outro bandido e ferrar com nossas vidas mais uma vez. — Ah Lucas, para com isso, a Lô gosta de bandido estilo mafioso…   Lucas me cortou. — Aquele neguinho do Brooklyn era mafioso?! – Lucas afirmou irritado. – Acho que não, um homem da máfia jamais se prestaria ao papel de roubar um Porsche pintado de pink! — Will era diferente, ele tinha um gosto exótico… Coisas de quem mora no Brooklyn mesmo… Eu amava ele… De verdade. — Você já disse isso outras 500 vezes. Mas eu ficaria surpresa é se um n***o não roubasse o carro dela, é só isso que eles fazem. Falando nisso, vou ligar pra minha assessora e perguntar se os seguranças estão realmente preparados para isso. Eu liguei e sim, eles estavam. Chegamos ao Vale das Trix, o nome da minha ong recém criada com o objetivo de ajudar os cãezinhos e gatinhos carentes das ruas, até porque são pouquíssimos deles que tem o privilégio de encontrar uma mãe como eu. Meu amor por cães vem desde cedo, acho que tem a ver com o fato de uma geração de Chihuahuas acompanhar minha família há décadas, quando Tinkerbell nasceu foi amor à primeira vista, me derreti toda no momento em que vi aqueles olhinhos fechados, as patinhas e orelhinhas encolhidas, fofa e muito linda. Hoje, quase uma década depois nos tornamos best friends, amo minha princesinha e o melhor de tudo é que Tinker é tão vaidosa e fashion quanto eu, nós duas usamos peças exclusivas e sempre aproveitamos ao máximo o que os spas e pet shops tem a nos oferecer. [...] Tinker não parecia estar tranquila, também, como pudera? estávamos diante de um morro imenso, casas horríveis que pra ser sincera ainda tenho dúvidas se aquelas coisas aglomeradas uma na outra mereciam serem denominadas. Coisa de negros, infelizmente havia muitos por ali, subindo e descendo a escadaria em que estávamos próximos a todo momento, estava sendo difícil esconder meu nervosismo e desconforto com aquilo. O ambiente era péssimo, até o cheiro conseguia ser r**m. Mesmo com minha princesa nos braços, meus melhores amigos do lado, seguranças, assessoria e a equipe de assistentes veterinários, era quase impossível lidar com o que estava acontecendo. Sem contar o sacrifício de subir aquela escada esquisita, aquilo sem dúvidas destruiria meus Louboutins novinhos. — Senhorita Aryela… – Larissa não tinha uma feição nada boa por trás dos óculos de grau. – Infelizmente eles não autorizaram a subida dos seguranças, já o fotógrafo será acompanhado por um dos… — Um dos? – Arqueei as sobrancelhas cheia de sarcasmo. — Traficantes. – Larissa, minha secretária pessoal estava me acompanhando. Eu claramente fiquei surpresa com a incompetência e, também com a coragem que ela teve de dizer aquilo olhando em meus olhos. Audácia demais pra uma suburbana. – Eu sei que parece r**m… Mas pelo que fiquei sabendo, eles só mexem com quem mexe com eles. Eu ri, mas ri tão alto que Tinker acabou escapando dos meus braços. — Não brinca?! Amada, achei que você estivesse trabalhando nisso a mais de quinze dias. Como eu, Aryela Salgari vai subir no Morro da Nova Holanda sem seguranças? — Senhorita Aryela, infelizmente nem a polícia entra aqui, era de se esperar que os seguranças também não conseguissem. Mas não se preocupe, tenho um amigo que mora aqui, ele é um professor respeitado na comunidade, fique despreocupada, com ele estaremos seguras. Tive vontade de gritar, de mandar aquela otária ir para o inferno, mas eu pensei duas vezes e me acalmei. Talvez ela estivesse certa e mesmo se não estivesse, eu me via na obrigação de me arriscar, vim a trabalho e se tem alguma coisa na vida que eu levo bem a sério é o meu trabalho. Aprendi muito com meu pai e agora mais do que nunca é o momento certo de criar, superar bloqueios, de me arriscar para provar à ele que eu estou mais que preparada para assumir seu lugar na empresa. Larissa precisou ligar para o amigo algumas vezes, o homem demorou pouco mais de 30 minutos para chegar até nós, sugando meu precioso tempo. Lorena não parava de retocar a maquiagem e ajeitar o cabelo, Lucas estava fascinado com a pobreza do lugar e fotografava até o valão responsável por todo m*l cheiro. Quanto a mim, eu estava preocupadíssima, não precisava olhar muito para saber que ali facilmente poderia se contrair várias doenças como dengue, chagas, entre outras. Praticamente tomei banho com repelente e fiz o mesmo com Tinker, mesmo contra sua vontade. — Senhorita Aryela, me sinto honrado de ser seu guia por aqui na Nova Holanda, apesar da má fama, aqui é sim um lugar de pessoas de bem. A propósito, nem me apresentei, me chamo Bernardo e sou professor de história. – Bernardo era um homem baixinho, n***o, gordo, que aparentemente não fazia a barba a mais de um mês. Ele simplesmente coçou a barba antes de me estender a mão, tive que deixar Tinker escapar propositalmente para sair correndo atrás dela até o tal professor recolher o braço.  Não havia necessidade disso. — O prazer é todo meu, professor Bernardo, esse lugar é de uma riqueza e tanta. Quero uma foto para registrar esse momento incrível, vem todo mundo! – Chamei minha equipe e meus amigos. O fotógrafo fez vários clicks, eu também fiz questão de postar algumas imagens nos meus stories. Me arrependi de vir num morro de saltos, meus pés não demoraram muito para sentir o impacto dentro dos sapatos apertados, por sorte, Larissa se lembrou que era uma excelente assistente e trouxe consigo um par de tênis imaginando que eu fosse precisar. Não fez mais que a obrigação dela, mesmo assim agradeci para não parecer uma mulher rude, seca. Lorena e Lucas estavam realmente apaixonados com tudo que viam, eu até entendia porque nós não estávamos acostumados com isso, nascemos em berços de ouro, estudamos juntos no melhor colégio do Rio e para fechar com tudo, nos formamos em Harvard, moramos juntos no exterior e essa com toda certeza foi a melhor fase da nossa amizade. Nos aproximamos na adolescência, éramos os excluídos. Eu depressiva, Lorena com má fama por causa do pai charloteiro e Lucas por ser gay, sozinhos éramos uma m***a, mas quando nos juntamos não teve para mais ninguém, nos tornamos os vilões, o jogo se inverteu e assim nos tornamos irmãos de alma e coração. Assim que foi anunciado que estávamos recolhendo animais para castrar e vacinar, logo vários moradores vieram nos procurar. Um dos assistentes veterinários sugeriu que recolhêssemos os cãezinhos na casa de uma moradora que cedeu espaço numa casinha muito brega. A senhora nos ofereceu bolo, café, foi muito receptiva, parecia até que nunca havia visto pessoas de nível na vida, coitada. — Podia existir mais pessoas como a senhora, dona Aryela. Tem rico que fica de nariz em pé, falando m*l da gente como se nós tivéssemos culpa das coisas que acontecem por aqui. — Imagino. – Ajeitei os óculos escuros observando atentamente a bajulação da senhora. — Mas é assim, eles tinham que ficar aqui no mínimo uma semana para conhecer nossa realidade. Deus me livre, quem é que quer saber disso? — Não se preocupe dona Odila, eu sou diferente e farei o possível para mudar essa impressão r**m que as pessoas têm de vocês. Agora vamos tirar mais fotos. – Nunca havia sido tão elogiada nas redes sociais, postei várias fotos com os animais e crianças negras. Meus seguidores logo se comoveram, alguns até se ofereceram para contribuir também, eu disse que iria fazer uma vaquinha online para ajudar os animais e as pessoas daquela comunidade, estava muito empenhada com a causa. As fotos eram essenciais, fazia uma grande diferença no meu trabalho voluntário, o r**m de tudo era tocar naquela gentinha, não via a hora de chegar em casa e ficar de molho na minha banheira regada com sais marinhos.   [...] A tarde nunca demorou tanto para passar, mas finalmente acabou. No final de tudo recolhemos mais de 30 cães e alguns gatos. Tudo ocorreu como havíamos planejado, foi um dia diferente, porém rentável, e era isso que importava. Estávamos descendo pela rua principal quando passamos em frente a um bar de quinta e meus amigos tiveram a brilhante ideia de turistar pela favela. — Bitches! Para tudooo! Aquilo é um boteco, eu nunca entrei em um, deve ser mara! – Fazia tempo que não via Lucas tão empolgado. — Mara aonde viada? Que lugar h******l, meus olhos sangram só de olhar para aquilo. — Ary, hoje eu não tô com paciência pra te aturar, olhe pra lá, parece que tá vazio, vamos dispensar essa galerinha e beber um pouquinho só pra descontrair depois de um dia tão cansativo. — Lô disse cheia de expectativas. — Perdeu gata, são dois votos contra um. As trix vão para o boteco sim, e se você não for por bem eu te pego pelos cabelos e te arrasto como as faveladas fazem uma com as outras quando descobrem as amantes dos machos! – Lorena e Lucas caíram na risada. Não havia nada a ser feito, sempre respeitamos essa coisa de 2 contra 1 e não seria hoje que eu faria desfeita. Tratei logo de me despedir da minha equipe e olhar gratificada cada cachorrinho que estava indo ser tratado como merecia. Apesar de tudo, meu medo era inegável, até então não havia visto nenhum movimento estranho, mas eu estava ciente de que não estava num lugar seguro. — Pode ficar tranquila, senhorita Aryela, aquele é o bar do seu Joca, é um lugar de família. Olha, para vocês se sentirem mais confortáveis faço questão de servir de companhia, é só me pagar uma gelada! – Bernardo bateu em meu braço demonstrando uma i********e inexistente. — Muito obrigado, professor Bernardo, pode pegar o quiser. – Lucas agradeceu e eu fiquei sem entender o motivo. Atravessamos a rua e quando entramos no barzinho me senti fora do mapa, de cara fitei as garrafas de bebidas baratas enfileiradas e cobertas de poeira na prateleira atrás do balcão, a mesa de sinuca era velha, do lado uma daquelas TVs antigas que nem se fabrica mais marcava presença, sobre o balcão também tinha uma estufa com frango frito e ovos cozidos deixando tudo muito brega. Como alguém poderia pagar para comer aquilo? Meu estômago chegou a embrulhar. — A melhor cerveja que tem aqui é Antártica. — Eu já tomei e não é tão r**m assim, pode pegar. – Lorena disse para seu Bernardo enquanto nos sentávamos numa mesinha enferrujada. – Aquela máquina de música ali funciona? — Com certeza, é só comprar fichas! – Bernardo abriu um sorriso descarado, como se estivesse pedindo o dinheiro da minha amiga. Ela lhe deu uma nota de cinquenta. – Compra 25 fichas, o troco pode ficar para o senhor.  — Muito obrigado, vocês têm um coração enorme. — Ah quê isso, o que vocês escutam por aqui? — Um Raça n***a, Zeca Pagodinho… Lucas interrompeu o moço. — Não mesmo querido, até parece que eu estando num boteco de favela vou perder a oportunidade de chacoalhar minha raba com um funk proibidão! O moço sorriu, Lucas pegou as fichas e fez questão de montar uma playlist enquanto eu olhava para o balcão procurando alguma coisa decente para beber. Black Label era a melhor opção por ali e eu não perdi tempo. — Pega leve v***a, estamos longe de casa. – Lorena ergueu o copo de cerveja me convidando para um brinde. – Não vá se descontrolar. — Relaxa linda, vou ficar nesse copo mesmo, até porque estou com a Tinker, e odeio dar m*l exemplo pra minha princesa. Quase deixei meu copo cair quando a primeira música começou a tocar, era um funk escroto da mulher Pepita que meu amigo amava. — Ai que maravilha, aí mas que gostoso, rebolar com tudo dentro em cima desse garoto! – Lucas cantarolava com as mãos apoiadas na máquina de música, tremendo a b***a enquanto Tinker latia do seu lado. – O que essas piranhas estão fazendo com a raba na cadeira? Se joga! Estamos no morro bebê! Lô e eu rimos, mas acabamos perdendo a graça quando do nada apareceram algumas garotas esquisitas, com roupas vulgares e muito m*l encaradas. Elas se aproximaram da nossa mesa mexendo no cabelo. — Fala Bernardo, tô vendo que tu tá com dim dim, desce uma aí pra gente. – A menina simplesmente pegou uma cadeira e se sentou conosco sem ao menos pedir licença, fiquei chocada com a inconveniência e com medo de alguém dali s********r Tinker. Olhei para trás me tranquilizando ao vê-la do lado de Lucas ainda. — Ah Sabrina, quem me dera, contínuo duro, quem tá pagando são elas. – Bernardo olhou para mim e Lorena deixando o clima nada agradável. — Podem pegar os copos, cerveja é o que não vai faltar nessa mesa! – Lorena sorriu carismática encarando as adolescentes inconvenientes. Levantei-me no mesmo instante, me afastando daquelas estranhas. Antes de me aproximar de Lucas peguei a garrafa de uísque que ele amava. — Só bebendo e dançando mesmo pra esquecer que estou aqui. — Para com isso e trata de mexer essa raba seca! – Ele sorriu e logo eu comecei a dançar com ele, afinal de contas, eu também sou filha de Deus, não é mesmo? — Caramba, aqui tá enchendo… Quando chegamos não tinha ninguém! — Mas é claro, Lorena liberou a cerveja, honey. — Lorena liberou a cerveja para aquelas meninas? Elas são crianças Ary! Meu Deus, essa maluca é um problema em vida… – Lucas parou um pouco, respirando fundo para conter a raiva. – Quer saber de uma coisa? f**a-se, eu vou é beber porque sei que daqui a pouco vai dar m***a! Me dá isso aqui! – Ele tomou a garrafa da qual eu já havia provado alguns goles. Bebemos mais enquanto o bar ia enchendo. Dançamos, curtimos ao máximo subindo e descendo. O álcool fazia bem a parte de me deixar à vontade mesmo não estando no meu meio, por um momento eu só quis curtir e esquecer dos problemas. Tínhamos o costume de dançar sobre as mesas nas festas em que íamos, como as dali não nos passavam segurança, subimos no balcão do bar mesmo, Lucas e eu arrasávamos dançando uma dessas musiquinhas que só falava gaiola e nada mais. — Quem diria hein amiga! – Bateu no meu braço, aparentemente ele estava muito mais bêbado que eu. – Caramba, até lá fora tem gente, as coisas por aqui acontecem mesmo! – Gargalhou alto provando mais do uísque. — É mesmo! – Eu só queria dançar, curtir, aproveitar cada segundo. Era exatamente isso que estava fazendo até o movimento fora do bar parar por completo, dando espaço para duas motos chegarem, ambas pilotadas por dois homens armados. Com exceção da música, tudo parou. As garotas pararam de dançar, os bêbados se levantaram mesmo com dificuldade, o dono do bar se ajeitou, o clima ficou diferente enquanto Lucas e eu continuávamos em cima do balcão sendo os únicos dali chamando atenção. — Calma… Não se mexa… Respira… Só respira… – Disse baixinho, suspirando sem parar enquanto lágrimas de verdade cortavam suas pálpebras. Ainda não havia tomado coragem de verdade para focar no que estava acontecendo, mas decidi observar atentamente quando dos quatro, dois homens entraram no bar. Todos cumprimentando-os com respeito mesmo com fuzis enormes tomando conta de suas costas. Um deles lembrava um índio, alto, corpo definido marcado pela pele amarelada e o cabelo incrivelmente n***o e liso, oscilando mais do que os de Lorena. Porém o outro foi o que realmente me deixou travada, fiquei completamente paralisada fitando os olhos negros com uma expressão maliciosa, cheia de ódio. Ele era n***o, pouco mais alto do que o colega, cordões pesados com vários quilates de puro ouro marcavam seu pescoço, assim como tatuagens esquisitas cobriam seu peitoral deixando-o com um ar intimidador. O pior de tudo é que eles vinham à nossa direção, minha cabeça começou a girar, tudo parecia em câmera lenta. Aqueles olhos… O brilho era o mesmo…  De repente, uma mistura de medo, nojo e pavor tomaram conta de mim. — Pode ficar calma, a gente só quer saber quem são essas mulheres cheia da grana que tá bancando geral aqui dentro! – O índio abriu um sorriso sarcástico enquanto se aproximava. – É difícil encontrar mulher rica e gostosa por aqui… É ou não é patrão?! – Arqueou as sobrancelhas esperando uma resposta. — Difícil? Nem existe. – Ele inclinou o pescoço para cima sondando o meu olhar como se procurasse por algo. – Aê loira, paga uma cerveja pra mim também, não custa nada. – O homem apertou minha perna fazendo meu corpo inteiro reagir em arrepios, meu coração disparou causando dores no meu peito, minha respiração ficou falha e naquele momento minha única vontade era evaporar para não ter que tornar a olhá-lo. Demorei para reagir, mas no final das contas tive que adverti-lo: — Tire sua mão de mim. Agora! – Fui direta, tão fria que os olhos das pessoas no bar se arregalaram assustados. — Quê?! – Estreitou os olhos, apertando minha panturrilha com mais for — Tô falando inglês por acaso? — Eita p***a! – O índio disse encarando o amigo enquanto um sorriso fino se desenhava em seus lábios. — Eu disse: Tire sua mão da minha perna! – Gritei apavorada, me esperneando até conseguir me soltar, aproveitei a oportunidade para me sentar e descer logo daquele balcão ridículo. Muda e sem olhar para nada, segui enfurecida, com as mãos trêmulas, com meus pulsos palpitando implorando para sangrarem. Prestes a sair daquele ambiente h******l de quinta categoria, senti uma mão pesar em meu ombro me puxando bruscamente para trás. — Pra quê esse estresse todo? Não é em toda ocasião que eu mordo. – Piscou maliciosamente me deixando ainda mais atordoada, meu corpo estava fervendo quando ele teve a audácia de acariciar meus cabelos. Aqueles olhos… Aquele toque… — Fique longe de mim! – Não me aguentei, me afastei, mas antes disso lhe acertei um t**a no rosto que estalou alto. – Seu macaco! Pobre! Favelado! — ARY! ARY! – Vi Lorena correndo desesperada até mim, com os olhos cheios de lágrimas, ela se enfiou entre nós no momento em que se aproximou. – Perdoe minha amiga, ela é esquizofrênica. – Forçou um sorriso cínico para o traficante que não parava de acariciar o lado da face que acertei. – Você estava procurando a mulher que estava bancando todo mundo… Sou eu mesma... E te digo mais, eu sonhei contigo, estamos predestinados. Você é o homem da minha vida e eu sei disso! – Lorena não esperou para tomar a boca do n***o, beijando-o com intensidade, desesperada. — É agora v***a, vamos fugir enquanto ele come a Lorena! – Lucas puxou meu braço enquanto Tinker latia assustada no seu colo. Olhei para fora vendo o paredão de homens armados cercando a porta. Eu ainda estava muito nervosa, minhas pernas bambeavam, meus braços tremiam enquanto meu coração doía por tanta violência em que batia. O que havia me restado de esperanças desapareceram quando o homem empurrou Lorena para longe e veio até mim trincando os dentes, exalando uma fúria que podia ser sentida. Chegou perto me pegando pelos cabelos, me exibindo como um troféu barato enquanto as pessoas de fora o ovacionavam. — Geral aqui viu, todo mundo tá de prova que essa p*****a me chamou de macaco e os caralhos! O que é que a gente faz com os racistas aqui na Nova Holanda? — Vai pro micro-ondas! – As pessoas não paravam de gritar e apoiar aquilo como se fosse certo. — Isso aí, fogo nos racistas! Gente da tua laia na minha área não se cria. Xamã! Fecha o bar, tira geral daqui e traz a gasolina. Mesmo com Lucas caindo de joelhos nos pés dele e Lorena criando mil e uma justificativas pelo que eu fiz, ninguém foi capaz de fazê-lo mudar de ideia. Fiquei feliz porque pelo menos Tinker se safou, uma lágrima escapou dos meus olhos quando olhei nos seus pela última vez, ela uivou baixinho enquanto nossas lembranças invadiam meus pensamentos.    Era como se alguém estivesse me anestesiado, eu não sentia nada, nem pensava enquanto ouvia as gargalhadas dos bandidos formar um mantra aterrorizante em minha cabeça. Um Deja vú que eu não veria mais. Desta vez não havia saída, talvez eu tenha errado, mas não me arrependia porque provavelmente eu faria tudo outra vez. — Pelo jeito ela é daquelas famílias que tem bala na agulha, melhor a gente pedir uma recompensa, tu não acha? – O índio perguntava enquanto despejava a gasolina sob meu corpo. — Esse tipo de coisa deixa o morro pixado, e eu tô fugindo de problema, cara. A gente queima e joga fora como faz com os outros, não dá em nada. Tu acredita que ela tava tirando várias fotinhas pra posar de ativista? Essa filha da p**a tava tirando onda com nossa imagem! Desgraçada, racista! — Que pena, tão linda… – O índio me encarou com pena enquanto o n***o continuava me fitando com o olhar duro. — Parece uma Barbie, que vai derreter agorinha. – Ele tirou uma caixinha de fósforo do bolso. – Fala teu nome p*****a! — Aryela, Aryela Salgari. E eu espero de verdade que você tenha pesadelos comigo pelo resto da sua vida! – Sorri com sarcasmo, pouco me importando se eu iria viver ou morrer, até porque para uma vida que nunca teve sentido, viver não fazia tanta diferença. Um sorriso fino contornou seus lábios enquanto ele riscava o palito.  — Pode crê, quando tu chegar no inferno fala pro capeta que o Marcão mandou um beijo. – Foi isso que ele disse antes do fósforo se acender.

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