Beatriz
Eu não imaginei que está aqui na casa da Dani seria tao legal, seus irmãos tão atenciosos, sua mãe que é um amor de mulher, eu só não estava conseguindo entender por que o Raphael me olhava daquele jeito, por que ele me encarava o tempo inteiro, mas ao mesmo tempo parece que não queria que eu estivesse ali.
Procurei não ficar muito próximo dele, eu já me sentia um pouco zonza por causa do
champanhe que tomei rápido demais, mas estava longe de estar bêbada. Mas, mesmo assim eu tremia sobre os saltos quando vi o Raphael atravessando por entre as pessoas na sala de estar e vindo em minha direção e dos irmãos dele,com quem eu estava tendo uma conversa bem animada.
Eu sentia que ele me observava conversando com o James e o Diego e talvez tivesse gargalhado um pouco mais alto do que o normal, só para fazê-lo pensar que eu não estava nem um pouco interessada nele.
__ Me ligue amanhã e eu consertarei o pneu furado para você Bia.
Quando o Diego disse aquelas palavras com um sorriso que me fez corar. Não porque estivesse atraída por ele. OK, eu era humana e, de todos os homens da família Simpson, Diego era, sem dúvida, o mais bonito dentro de uma escala técnica que media a altura dos ossos da mandíbula e a distância entre os olhos.
A questão era que, o que quer que fosse aquela sensação borbulhante proveniente da completa atenção do Diego nao chegava nem aos pes do terremoto que estava acontecendo dentro de mim, apenas pelos lindos olhos do Raphael do outro lado da sala, me cortando ao meio. Um terremoto que me sacudia, ameaçando revelar partes de mim que eu jurava estar escondidas, trancadas em baixo de sete chaves.
Eu abri a boca para agradecer o Deigo pela ajuda, mas, antes de conseguir fazer isso, o Raphael se colocou no meio de nós.
__Saia daqui, Diego James. Onde está a Luna?
Apesar do champanhe, a minha boca estava muito seca para responder.
__ Sua mãe a apresentou a outras crianças. Acho que estão dando uma olhada na sala de jogos no porão.
__ Que bom. Precisamos conversar. Algum lugar com mais privacidade seria melhor para você.
Apesar de sempre estar relaxado ao lado da Luna, perto de mim ele era sempre muito tenso. Mesmo assim, agora ele parecia mais sério que o normal. Havia alguma coisa errada, eu tinha certeza disso, mas não sabia dizer o quê. É claro que eu não o conhecia o suficiente ainda para decifrar seu jeito.
Eu passei pelas portas de vidro que davam ao pátio vazio, seguida tão de perto por ele que podia sentir seu calor enquanto saíamos no ar frio. Eu caminhei ainda mais para dentro da escuridão, longe dos convidados que bebiam, comiam e riam ao mesmo tempo. Ele tirou a sua jaqueta de couro e me ofereceu.
__Aqui está.
Não havia nada gentil ou romântico em suas palavras bruscas ou em seu tom de voz. E, mesmo assim, quando ele colocou a jaqueta sobre os meus ombros, antes que eu pudesse recusar, nada pude fazer a não ser me sentir tocada por aquele gesto. Eu adorava o cheiro do Raphael, o jeito que o odor de fumaça parecia sempre estar impregnado nele, um perfume absolutamente exclusivo.
__Sobre o que precisa falar comigo?
__Apagar incêndios é o meu trabalho, Bia. Sou treinado para lidar com situações perigosas e até mesmo fatais. Quando os bombeiros se machucam, ou é porque não tomaram as providências necessárias ou é por causa da força natural do fogo, que não se pode controlar. Não deveria ficar se desculpando com a minha mãe pelo que aconteceu comigo.
__Mas é verdade. Se eu tivesse...
__Eu deveria ter carregado dois pesos mortos fora dali, mas você não desistiu em nenhum momento. Em nenhum momento, até saber que sua filha estava em segurança.
A luz vinda das lanternas decorativas penduradas nos galhos dos carvalhos me permitia ver a expressão no rosto dele.Puro respeito. Por mim.
__Você foi maravilhosa, Bia. E não quero que se sinta culpada pela minha participação no incêndio. Jamais.
__ Obrigada por dizer isso, apesar de achar que não consigo mudar o que estou sentindo.
__Nem eu.
Nos olhamos fixamente, o ar entre nós provocando faíscas e correntes elétricas. De repente, eu não sabia se ainda estávamos falando do incêndio... ou da tensão sensual no ar.
__Não deveria ter trazido você aqui fora.Está muito frio aqui sem uma lareira. Vejo você lá dentro daqui a pouco, depois que conseguir acender o braseiro.
Claramente, esta era a maneira de ele se livrar de mim. E eu sabia que deveria ser inteligente para ir embora antes que qualquer das faíscas entre nós pegasse fogo. Mas que droga! Eu não gostava de sair concordando com todos os termos dele. E eu definitivamente não gostei quando ele se afastou como se eu já tivesse saído e começou a encher os braços com a madeira que estava por perto.
Nenhuma mulher gosta de pensar que poderia ser esquecida tão facilmente. Mesmo eu que jurei não querer a atenção do homem em questão.
Sabendo que minha teimosia me prejudicava, eu fui em direção à pilha de madeira e peguei vários pedaços que pareciam bons.
— Você não vai entrar?
Eu imaginei que a maioria das mulheres com quem ele saía provavelmente obedecia prontamente às ordens daquela boca linda, e ajoelhei ao lado do braseiro embutido que ele estava destampando.
__Achei que pudesse ajudar a acender o fogo. Isso é fantástico. A Luna vai me implorar por um desses em nosso quintal. Ela é uma grande fã de sanduíches de biscoito com marshmallow e chocolate.
__ Seu apartamento tem quintal?
__ Não o apartamento temporário em que estamos agora. Mas, assim que encontrarmos um novo lugar, é provável que tenha.
No entanto, mesmo enquanto eu falava, já sabia que nunca faria isso, pois ficaria muito preocupada com o fogo se espalhando do braseiro para o prédio.
__ Espero que encontre logo um lugar ideal, Bia. Já estive em milhares de incêndios em milhares de casas, mas não é a mesma coisa de ter acontecido comigo. Sinto muito por tudo o que deve ter perdido.
__Eu também.
Eu não queria dizer isso a Luna, em vez disso, acreditava que minha filha precisava que eu fosse forte.
Independentemente do que eu dissesse, meus pais se preocupariam assim, obviamente mantive a boca fechada em relação a meus sentimentos também depois do incendio. E, quanto às minhas amigas, a verdade era que, com o trabalho e os cuidados com a Luna, eu não tive muito tempo para sair com elas. Algumas das outras mães da escola eram simpáticas, mas não sentia uma conexão forte com nenhuma delas. E por isso foi tão bom ter reencontrado Dani.
__ Por sorte, a maioria das nossas fotos ainda está em meu HD, mas as coisas que tinha guardado de quando a Luna era bebê, do primeiro dia dela na escola, o primeiro dentinho... Gostaria que todas essas coisas não tivessem se perdido. Mas elas se foram e vai ficar tudo bem. Tive muita sorte em salvar a minha filha.
__Teve mesmo.
__ Por falar nisso, bom trabalho com o fogo.
Ele já havia sorrido para a Luna várias vezes, mas não diretamente para eu. A força daquele sorriso, tão absolutamente verdadeiro, sem nenhum dos truques conhecidos que seus irmãos James e Diego aplicavam, me fez querer dar mais dois passos para perto e beijá-lo.
Como se ele pudesse ouvir os meus desejos silenciosos, o sorriso desapareceu em um instante e os olhos se escureceram, enchendo-se daquele calor do qual eu não conseguia me desvencilhar, do calor que me deixava morrendo de vontade de me aproximar, para ver se conseguia esquentar todos aqueles lugares dentro de mim que estiveram frios por tanto tempo.
__Preciso voltar lá dentro e ver se está tudo bem com a Luna.
— Vá.
Eu estava a meio caminho das portas de vidro quando percebi que ainda usava a jaqueta do Raphael. Me virei e voltei até onde ele me observava fixamente e tirei dos ombros.
__Obrigada.
As pontas dos nossos dedos se roçaram, e eu estava feliz pelo clima frio servir de desculpa para os arrepios que me percorriam a pele. Só eu precisava saber que não foi a temperatura que os provocou.
Eu não esperei que ele dissesse "De nada". Simplesmente me virei e dei meia-volta em direção a um terreno mais seguro, antes que deixasse meus instintos falar mais alto.