A atmosfera entre nós, enquanto nos afastávamos dos amigos de Túlio, estava carregada de um humor misto. A ironia suave de Cristine não passou despercebida, seu sorriso irônico pintando uma expressão que conhecia bem.
— Satisfeita? Logo você fala com o seu príncipe desencantado — ela zombou, uma leveza forçada em sua voz que escondia uma preocupação mais profunda.
Voltei a olhá-la, sentindo o peso das suas palavras, mas dentro de mim, uma chama de esperança ainda ardia fraca.
— Cristine, você vai ver, você está sendo cru&l com ele — retorqui, embora minha defesa soasse frágil aos meus próprios ouvidos, uma mistura de esperança e dúvida entrelaçadas.
Houve uma mudança sutil na postura de Cristine, seu sorriso irônico dando lugar a uma expressão mais contemplativa.
— Amiga, espero mesmo por isso, de verdade, eu só quero que você seja feliz — ela respondeu, sua sinceridade transparecendo em suas palavras, um lembrete do laço forte que compartilhávamos.
Retornamos à nossa mesa, um refúgio momentâneo da tempestade de emoções que se agitava dentro de mim. Enquanto folheávamos o cardápio e escolhíamos nossos lanches, a conversa fluiu entre nós, mas eu ma'l registrava as palavras. Minha mente estava distante, perdida em um mar de incertezas e reflexões, flutuando entre a realidade diante de mim e os pensamentos de Túlio.
A sensação era estranha, desconcertante. Eu estava sentada ali, na presença calorosa de Cristine, participando de uma conversa cujas palavras ma'l conseguia absorver. Meu coração estava preso em algum lugar entre a esperança e a realidade, e eu não conseguia discernir onde realmente queria estar – no turbilhão imprevisível de emoções que Túlio trazia à minha vida ou na mesa ao lado na agradável companhia de Murilo.
(...)
A lanchonete, com seu ambiente acolhedor e cheiro convidativo de lanches recém-preparados, havia sido um refúgio temporário da montanha-russa emocional que me consumia. Cristine e eu permanecemos ali, envolvidas em uma conversa que flutuava levemente acima da superfície da casualidade, enquanto nossos lanches iam desaparecendo devagar. Os minutos se desdobraram em uma espécie de conforto momentâneo, mas como todas as coisas, chegou a hora de partir.
Nos levantamos, recolhendo nossas coisas, o som das cadeiras raspando contra o piso marcando o fim de nossa breve estadia. À medida que nos aproximávamos da porta, uma voz familiar interrompeu o movimento fluido de nossa despedida.
— Conseguiu falar com ele, July? — A voz de Marcelo, tingida de preocupação genuína, fez-me hesitar por um momento. Eu me virei para encará-lo, notando a expectativa em seus olhos.
— Ainda não, vou ligar novamente — respondi, tentando mascarar minha decepção. A sensação de ser deixada à espera estava se tornando desconfortavelmente familiar.
Ao lado, Murilo parecia uma estátua de impaciência e resignação, um suspiro profundo escapando de seus lábios antes de ele levar casualmente uma batata à boca. Seus olhos evitavam os meus, mas a rigidez de seus ombros e o aperto de suas mãos em volta da batata revelavam uma tensão que ele parecia incapaz de disfarçar.
— Ele vai atender. Acabei de falar com ele, estava sem bateria — Marcelo interveio novamente, sua confiança trazendo um vislumbre de esperança ao meu coração atribulado.
— Que bom! Muito obrigada! — A gratidão explodiu de mim em um jorro de alívio, iluminando brevemente o peso das últimas horas.
— Por nada, July. Boa noite, meninas — Marcelo disse com um sorriso, a simplicidade de sua despedida trazendo um ar de normalidade à situação.
— Boa noite, Marcelo. Boa noite, Murilo — dirigi-me a eles, meu olhar se demorando um pouco mais em Murilo, numa tentativa silenciosa de decifrar seus pensamentos. Finalmente, ele levantou os olhos, encontrando os meus. Seu aceno, embora breve, carregava uma intensidade que deixou uma marca invisível no ar entre nós.
— Boa noite, meninos — Cristine ecoou, sua voz trazendo-me de volta ao momento presente. Juntas, atravessamos o limiar da lanchonete, deixando para trás o calor da sua luz e a complexidade das interações.
Caminhamos sob o manto da noite, acompanhadas apenas pela serenidade das estrelas acima e pelo conforto silencioso de nossa companhia. As ruas tranquilas formavam um pano de fundo quase surreal para o tumulto emocional que se desenrolava dentro de mim. O silêncio entre mim e Cristine se tornava um companheiro pensativo, refletindo o caos de meus pensamentos. Túlio, com suas promessas e ausências, ocupava um vasto espaço em minha mente, plantando sementes de dúvida que germinavam em uma insegurança crescente. Sua figura, outrora tão repleta de certezas e sonhos compartilhados, agora se transformava em um enigma, cada vez mais distante e nebuloso.
Ao mesmo tempo, as expressões não ditas de Murilo, marcadas por um embaraço inexplicável, reverberavam em minha consciência. Havia algo no seu olhar, intenso e penetrante, que agitava as águas já turbulentas de meu ser. Era como se ele possuísse a estranha habilidade de enxergar além das máscaras que eu vestia, tocando os recantos escuros de dúvidas que eu tentava esconder até de mim mesma. A presença dele instigava um formigamento incomum, uma inquietação que se arrastava por minha pele, desconhecida e indesejada.
Seu olhar, tão cheio de não-ditos, parecia entender as linhas confusas de minha história sem que uma palavra fosse pronunciada. Essa conexão insensata, essa estranha sintonia com Murilo, abalava a já frágil estrutura de meus sentimentos, inserindo interrogações onde antes eu tentava desenhar pontos finais.
Assim, perdida em meus pensamentos, segui ao lado de Cristine sob o manto da noite. O mundo ao nosso redor, com suas luzes suaves e o sussurrar das folhas ao vento, contrastava com a tempestade que rugia em meu peito. Cada passo que dávamos era um lembrete da distância que eu sentia crescer dentro de mim, não apenas em relação a Túlio, mas em relação a mim mesma e aos sentimentos que, até então, julgava compreender.