Acordo algumas horas mais tarde. Sem pressa me levanto, colocando novamente os shorts que deixei sobre a cadeira do computador. A temperatura do quarto está ideal, o que me deixa com menos vontade ainda em ir nessa festa de réveillon, é provável que o calor insuportável continue firme, e ficarei muito incomodado com a temperatura. Mas nada posso fazer; daqui a pouco meu pai entrará pela porta perguntando se estou pronto para a festa.
Abro as cortinas e vejo que já está noite. Deve ser quase nove horas. O céu está escuro e com poucas estrelas, mas a lua está cheia e brilhante. Não há uma nuvem sequer. Abaixo vejo a piscina, ela ainda está descoberta e a água reflete as luzes da lua e de casa. Eu sorrio por um momento. Queria muito poder entrar na água agora, mas sei que meu pai surtaria e me colocaria de castigo antes mesmo do novo ano começar.
Então decido ver a roupa que usarei nessa noite. Não quero nada que for quente e abafado, pois já basta esta cidade. Logo escolho uma camisa de botão creme de manga curta e uma bermuda jeans. Coloco sobre a cama e abro a porta para chamar pela a empregada, porém, me lembro de que ainda não temos uma empregada, o que diz que eu vou precisar passar minha roupa, uma coisa que detesto.
Saio do quarto a procura do ferro de passar. Não faço a mínima ideia de onde ele deve estar, mas procuro mesmo assim. Nos cômodos de cima há nenhuma evidência do ferro, então desço as escadas e começo a sentir o cheiro do assado de papai, o cheiro é delicioso, assim como o sabor.
Sem demora, minha boca se enche de saliva. Já tem meses que não o vejo cozinhando seu famoso assado. Ele sempre gostou de cozinhar, algo que faz sempre que pode, mas a última fábrica não foi adaptada e ele acabou tendo de fechá-la. E ele detesta fechar qualquer fábrica. Sempre tentando mantê-las de pé, contudo, dessa vez, não teve jeito.
Chego à cozinha olho para a piscina iluminada e minha vontade de nadar aumenta, mas não quero entrar numa discussão desnecessária com ele. No momento, o vejo fazendo seu molho secreto, mexendo a panela sem parar. Ele está usando um avental preto, uma camisa polo branca e uma bermuda cáqui, assim como eu, ele adora ficar descalço em casa.
Vejo que está cantarolando alguma música, concentrado. Quando ele percebe que estou ali ele abre um sorriso para mim. Mas logo volta sua atenção para a panela.
– O cheiro está ótimo, pai – digo me aproximando e olhando para o molho vermelho que papai não para de mexer.
– Obrigado, filho! – ele sorri, desliga o fogo, e volta a mexer por mais um tempo.
A fumaça sai da panela assim que eu aumenta a velocidade em que mexe o molho.
Sorrio para ele.
Pelo menos um fio de esperança. Já que ele está fazendo o assado, provavelmente não irá para a festa, e ficaremos apenas nós dois numa janta de virada, como outras vezes já ficamos.
– Pensei que iríamos para a tal festa de réveillon – digo só para confirmar minha suspeita.
Ele para de mexer, pega um pano de prato que estava sobre a bancada, seca a mão e se vira para mim, me analisando.
– Mas nós vamos – diz ele ainda me encarando, destruindo o único fio de esperança que tinha de ficar em casa.
Resmungo alguma coisa. Então ele pega uma travessa de vidro de uma das gavetas embaixo da bancada e a coloca sobre ela. Besunta azeite nela, pega a panela de pressão e acrescenta os pedaços de carne e as fatias de bacon. Logo depois joga o molho por cima.
– Vi o senhor preparando o assado e pensei que iríamos ficar em casa jantando.
– Você se enganou, filho. Estou fazendo o assado para levar para a festa. – Ele olha para mim e provavelmente não consigo esconder meu descontentamento já que completa: – Sei que você deve estar cansado por causa da viagem, mas precisamos fazer isso. Quero conhecer alguns funcionários. Eles pensam que sou o vilão da história, que não estou aqui para ajudar, e quero mostrar a eles que não precisam ter medo de mim, que só vim para somar. – Uma pausa. – E não quero que se repita o que aconteceu da última vez – finaliza.
– Também não, pai. Só estou um pouco cansado mesmo – minto.
– Podemos voltar mais cedo. Tudo bem? – Ele pega a tampa da travessa.
– Tudo sim! – Sorrio. – Sabe onde está o ferro de passar? – pergunto. – Preciso passar minha camisa e minha bermuda.
Ele sorri para mim, colocando a travessa sobre o fogão.
– Faz o seguinte: toma banho que eu passo suas roupas.
Agradeço com um sorriso aberto. Uma coisa que odeio é passar roupa, nunca fica muito bom, e ele sabe disso. Subo as escadas e pego minhas roupas, saio do quarto e o encontro no corredor com o ferro de passar na mão.
– Pronto!
– Vai lá tomar banho, vou deixar suas roupas passadas juntas das minhas na minha cama – diz pegando minhas roupas.
– Obrigado.
Fico no chuveiro mais tempo do que o normal. A água está numa temperatura ótima. Quando saio do banheiro sinto uma brisa mais fria entrar pela janela que deixei aberta, o que me fez sorri. Vou até ela e novamente olho a piscina lá embaixo. Entro no quarto do meu pai, ele está no banho ainda, ouço-o cantarolando uma música antiga. Minhas roupas estão passadas ao lado das suas, eu as pego e volto para meu quarto. Termino de me secar e me visto.
Coloco I Wanna Dance With Somebody do Ben Rector para tocar no meu computador e pego meu All Star branco e meias limpas, depois que os calço, volto até o banheiro e arrumo meu cabelo, dançando ao ritmo da música. Passo um pouco de gel e um pouco de água, para ele não ficar muito rígido.
Volto para o quarto com um vidro de perfume na mão, passo um pouco pelo meu corpo e em algumas áreas estratégicas. Visto a camisa e me volto para o espelho. Meu cabelo está legal. Meus olhos castanhos estão normais, e sinto-me bonito. Antes de sair do quarto, meu pai abre a porta.
Passamos na cozinha para ele pegar o assado e vamos para a garagem, ele me dá a travessa para mim e entramos no carro. O assado ainda está quente, o que incomoda um pouco quando apoio a travessa em minhas coxas. Mas tento ignorar. Saímos de casa. A temperatura diminuiu bastante e agora o ar está fresco. Bem melhor do que quando chegamos, horas antes.
Meu telefone começa a tocar e mesmo sem ver o identificador de chamada sei exatamente quem é. Viro-me para meu pai, que está me olhando de r**o de olho.
– Não vai atender? – indaga.
– Sim. Claro – digo puxando o telefone do bolso. – Alô – atendo.
– Boa noite, meu amor. Tudo bem com você? – Ouço a voz dela um pouco trêmula.
– Tudo sim, mãe e com a senhora?
– Estou bem também – diz ela.
Ela fica um minuto em silêncio. Sinto-me incomodado com isso, mas espero.
– E como tá seu pai? – pergunta ela, finalmente quebrando o silêncio.
– Ele está bem, quer falar com ele?
– Não. Não. Tudo bem. E como tá a casa nova, agora está morando perto de mim.
– Não tão perto assim – digo e logo me arrependo.
Ouço alguém falando ao fundo. Não consigo distinguir o que a pessoa diz.
– E o que vai fazer hoje à noite? Vão ficar em casa mesmo?
– Estamos indo para uma festa de réveillon – digo baixinho.
Voltamos a ficar em silêncio, mas dessa vez sou eu que o quebro:
– E a senhora, o que vai fazer?
– Meu filho, eu só passei para mandar um beijo. Pensei que você viria para cá agora que estamos mais próximos. Mas não vai ser dessa vez – ela solta uma risada estranha, e sinto um aperto no peito. – Será que poderia me ligar depois da virada?
– Vou tentar ligar sim – prometo, mesmo sem certeza.
– Tá bom. Eu te amo muito, muito mesmo.
– Eu também te amo mãe – digo finalizando a chamada.
Volto a olhar para meu pai.
– O que ela queria? – pergunta ele.
– Só falar comigo. Pensou que eu iria passar a virada com ela.
– Entendi – diz ele voltando sua atenção para a rua.
Vejo algumas pessoas seguindo na mesma direção que nós estamos indo. Alguns andando, outros de carro ou bicicleta. Depois de alguns minutos voltamos à Praça das Flores. Agora as várias lâmpadas que vi mais cedo estão iluminando toda a praça, várias pessoas estão por todo o lado. Um grande caminhão está estacionado numa das ruas. Três telões estão distribuídos pela a praça. Vejo papai olhando pela janela aquelas plaquinhas com o nome das ruas.
Depois de contornarmos a praça duas vezes, entramos em uma das ruas que dá acesso a ela. E estacionamos alguns minutos depois. A casa que paramos é grande, mas não tão grande quanto a nossa. Ela é toda pintada de azul claro, vejo algumas pessoas entrando pelo portão que está aberto.
– É aqui – diz papai. – Vamos.
– Pai, não esqueça que você prometeu que voltaríamos cedo.
– Sem problema, filho – diz ele sorrindo.
Saímos do carro. Ainda estou levando o assado. Vejo-o falando com algumas pessoas, então entramos na casa. Observo um quintal bem amplo. Uma mesa grande com uma toalha branca num canto, com vários pratos, travessas, copos e talheres. Como na praça, aqui também está com várias lampadinhas iluminando todo o quintal.
Sigo meu pai de perto. Passamos por várias pessoas com suas taças e copos na mão. A maioria é mais velha. Deve ter a idade de meu pai, mas vejo um grupo de garotos e garotas que provavelmente têm mais ou menos a mesma idade que eu. Eles estão conversando e ninguém olha para mim. Normal.
Vejo que meu pai está indo na direção do homem que nos recebeu mais cedo em nossa nova casa. Vejo que ele está conversando com outros homens. Chego à conclusão que Marcus é o anfitrião da festa, pela atenção que os outros homens estão dando a ele. Quando ele nos avista abre um sorriso. Pelo menos dessa não consigo detectar seu nervosismo.
– Boa noite, senhor Abraão! – cumprimenta ele apertando a mão de meu pai.
– Pode me chamar de Getúlio – diz meu pai também sorrindo. – Bela casa que você tem.
– Obrigado. Vejo que trouxe algo, não precisava ter se preocupado – diz ele olhando para a travessa em minha mão.
– Está tudo bem Marcus, eu realmente gosto de me enfiar na cozinha de vez em quando. E queria apresentar meu assado.
– Vamos, vou lhe apresentar minha esposa e minha filha. Acho que elas estão na cozinha.
Seguimos Marcus pelo quintal e entramos na varanda. A casa é muito bonita. Os móveis de madeira, e os quadros nas paredes dão um ar bem culto a casa. Passamos pela sala de estar, e entramos em um corredor que deu direto na cozinha. Lá encontro três mulheres e uma garota que parece ter minha idade.
– Boa noite! – diz meu pai a todas.
Elas respondem educadas.
– Querida, este é o Getúlio Abraão. Estará assumindo a fábrica na próxima semana.
Uma mulher muito branca, loura e com os olhos azuis intensos se aproxima de nós.
– Getúlio esta é Abigail, minha esposa. Aqui está Zélia, mãe de Abigail, e Milena minha filha. E está é Carolina, uma amiga da família.
– É um prazer conhecer todas vocês – diz meu pai sorrindo ao mesmo tempo em que aperta a mão de Abigail. – Este aqui é meu filho Maximiliano. – Dou um passo à frente.
– Trouxeram algo, não precisavam se incomodar – diz ela se aproximando de mim.
Entrego a travessa em sua mão, o que me trás certo alívio.
– Já expliquei a seu marido que não foi incomodo nenhum. Inclusive gosto de cozinhar – diz meu pai.
– Sendo assim tudo bem – diz ela entregando a travessa a sua filha. – Milena, leve essa travessa para a mesa, sim?
– Ok! – diz Milena. Sua voz é delicada, como toda sua aparência.
– Que tal irmos para a festa. Preciso lhe apresentar alguns homens da fábrica, Getúlio – diz Marcus conduzindo meu pai para fora da cozinha. Eu os acompanho logo atrás.