TERCEIRO CAPÍTULO

2323 Words
Estou sentado numa dessas cadeiras de plástico. Seguro um copo com suco de goiaba e observo tudo à minha volta. Meu pai está conversando com um grupo de homens, entre eles, o Marcus Rezende. Depois de um tempo, vejo que eles estão começando a se sentir mais tranquilos com a presença dele. Eu odeio me mudar. Odeio mesmo, mas, ainda assim, eu sempre torço para que papai possa colocar as fábricas nos trilhos novamente. Daqui a trinta minutos vai ser meia noite e um novo ano se iniciará. Ainda não sei o que me aguarda, mas espero que sejam coisas boas. Essa é a primeira vez que me mudo nas férias, todas as outras vezes nós nos mudávamos no meio do ano letivo. Então terei até fevereiro para me acostumar à cidade, antes de voltar a estudar de fato. Vejo um grupo de garotos que parecem ter minha idade, eles estão conversando muito e rindo alto. Não dá para ouvir sobre o que eles estão falando, mas pelas suas expressões parecem estar se divertindo. Dou mais um gole no suco de goiaba terminando com ele de vez.  Estou entediado, tudo o que quero é estar em casa. Ficar quieto no meu canto. Pode parecer meio deprimente, mas deprimente mesmo é ficar num lugar onde não se conhece ninguém e nenhuma pessoa dá a mínima para você. Volto a olhar para meu pai. Ele se vira para mim e faz um leve aceno me chamando. Penso seriamente em recusar, mas sei que não posso; então me arrasto até lá. Tento formar um sorriso, mas acho que não sou bem sucedido com isso. Sou péssimo em disfarçar minhas emoções.  – Tudo bem, filho? – pergunta. – Tá sim, pai – digo. – Depois dos fogos a gente vai embora, certo? Confirmo com um aceno de cabeça. Enquanto estou ali conversando futilidades com ele. Na verdade, futilidades para mim, pois ele está falando dos funcionários que já conheceu durante esse tempo que estamos aqui e que está feliz por ter sido bem recebido. Vejo a esposa de Marcus e sua filha, vindo até nós. – Getúlio – diz ela empolgada. – Esse assado está uma maravilha. – Vejo um pedaço do assado no prato que está em sua mão. – Muito obrigado, Abigail – diz meu pai, sorrindo. – Fico feliz que tenha gostado. – Geralmente fico com ciúmes quando aparece uma comida melhor que a minha, mas isso está dos deuses. – Ela coloca mais um pedaço na boca. Eles riem alto. – Está faltando pouco para a meia noite. Normalmente a gente vai até a praça e depois dos fogos voltamos para cá. Tudo bem? – Perfeito! – diz ele. Olho meu celular. Já são onze e quarenta e cinco. Vejo as pessoas saindo para a rua e imagino que todas estão caminhando para a praça ver a queima de fogos. Abigail foi andando junto de Marcus e meu pai e eu os seguindo de perto. Não demorou muito para chegarmos até à Praça das Flores, que no momento está lotada. Os telões estão ligados passando o show da virada. Paramos próximo a um desses telões. Meu pai voltou a conversar com Marcus e sua esposa. E eu volto a ficar sozinho, mesmo aqui estando cheio à minha volta. Decido ir andar um pouco pela praça, pois percebo que eles não irão sair dali. Passeio por entre os canteiros de flores. O cheiro que vêm delas é maravilhoso. Estou me sentindo muito bem nesse momento. De um jeito que não me sentia há um bom tempo. Então ouço a contagem regressiva começar: – Dez, nove, oito… Eu estava sozinho na praça entre as flores, então foi nesse momento que o vi. Um garoto que usava uma camiseta branca um pouco larga, uma calça jeans desbotada e com vários cortes na altura das coxas. Ele era branco, mais branco que eu. E olhava diretamente para mim, assim como também eu olhava para ele. Então foi quando eu vi seu cabelo. Ele estava num corte super moderno, arrepiado para o lado direito, seus fios não eram nem curtos nem longos demais. Porém o que me chamou mais atenção era o fato de seu cabelo ser azul.  – Três, dois, UMMMM… Feliz ano novo! – Todos gritam em uníssono.  Os fogos começaram a explodir no céu acima de nossas cabeças. Rapidamente eu desvio meus olhos e prendo minha atenção para as várias cores que explodiram lá no céu n***o. Por um momento eu fiquei perdido em meio a tanta beleza. Aí voltei a olhar para baixo, sendo que o garoto do cabelo azul havia sumido. Mas antes de eu fazer qualquer movimento com minha cabeça uma voz soou ao meu lado. – Feliz ano novo! – A voz dele era suave, porém firme. E aí vi que o garoto do cabelo azul estava ao meu lado. A essa distância pude ver melhor seus cabelos, cada fio azulado arrumado em uma perfeição bagunçada. – Feliz ano novo para você também – respondo. Ele olhava para o céu com um sorriso no rosto. Um sorriso sincero, mostrando todos seus dentes, formando duas covinhas nas bochechas. Ele volta à atenção para mim e eu tratei de olhar para os fogos que ainda explodiam. – Qual é o seu nome? – pergunta ele. – Max – respondo, finalmente olhando nos olhos dele. Assim como seus cabelos, seus olhos eram azuis. Um azul intenso e muito expressivo. Que pareciam ler minha alma. – Prazer, Max. Me chamo Heitor – diz ele estendendo a mão para mim. – Ah… – Não sei o que dizer. Ele continuou com a mão estendida, então eu apressei-me em apertá-la. Seu aperto de mão era forte e passava segurança. – Prazer – digo.  – Você não é daqui. – Não foi uma pergunta, estava mais para uma constatação. – Agora sou – digo sorrindo. – Acabei de me mudar para cá. – Legal. Está gostando da pequena cidade de Jardim Primavera? – indaga. – Eu cheguei hoje, só conheci alguns funcionários da fábrica que meu pai trabalha. – Então você é filho do cara que meu pai não parou de falar durante todo o mês? – Ele balança a cabeça sorrindo. – Seu pai trabalha na Direction? – pergunto. – Sim. Ele é o responsável técnico. Você já deve ter conhecido ele, já que passou o dia todo esperando para receber vocês. – Pera aí. Seu pai é o Marcus? Ele abre um sorriso ainda maior do que o anterior.  – É ele mesmo – confirma Olho bem para ele. Heitor não faz o perfil de pertencer àquela família. Não se parece nenhum pouco com Marcus. Além dele não estar na festa em sua casa. Mas pensando bem, os olhos de sua mãe são iguais aos dele, mas seus olhos tem uma iluminação própria, que neste momento não consigo descrever. – Mas por que você não estava na festa, pelo menos eu não o vi lá. – Fui ver alguns amigos. Agora estou voltando para lá. Ficamos em silêncio por um tempo. – Você vai voltar para minha casa? – pergunta ele. – Sim, vou. Meu pai está por aqui junto dos seus. – É tipo um ritual. Todos os anos eles dão aquela festa e na hora da virada, vêm até aqui para verem os fogos. Passados sete minutos os fogos cessaram e vejo algumas pessoas voltando para suas casas. Mas a praça continua cheia. Vejo algumas crianças brincando, um casal de senhores se beijando e dois homens dando um abraço apertado. Quando olho de novo para o garoto do cabelo azul ele está sorrindo para mim. – Vamos para minha casa. Quero trocar de roupa, pois tá muito calor – diz ele. – Sim está bem quente. Tudo o que eu queria era mergulhar na piscina de casa, mas meu pai não vai deixar de jeito nenhum – confesso. – Você tem piscina na sua casa? – pergunta ele. – Tenho, e ela está cheia até a borda. Mas papai mandou fechá-la. – Você ainda não nadou nela? – Infelizmente. Ele abre um sorriso bem largo. Mesmo não o conhecendo direito sei que ele está tramando algo. Como eu sei? Não faço a menor ideia. Apenas sei. – Vamos fazer assim. Vamos à minha casa e eu troco de roupa. Depois a gente vai direto para a sua. Ela é longe daqui? – Não muito. A praça agora está bem mais vazia. A maioria das pessoas que ficou é jovem. Seguimos pela praça e entramos na rua de Heitor. Seus passos são espaçados, mas não apressados. No decorrer do caminho vamos conversando sobre coisas aleatórias. Descubro que ele também tem dezesseis anos e que também está no segundo ano. E é provável que sejamos da mesma turma. Chegamos a sua casa em menos de dez minutos. Vejo meu pai assim que entramos em casa. Primeiro ele olha para mim e depois olha para Heitor, mudando sua expressão. Vamos direto nele. O garoto do cabelo azul foi cumprimentar seus pais. O vejo abraçando sua mãe quando eu fico frente a frente com meu pai. – Feliz ano novo! – digo um tanto nervoso. Ele me puxa para um abraço. – Feliz ano novo meu filho – diz ele perto do meu ouvido. Somos praticamente do mesmo tamanho. – Está pronto para ir agora? – pergunta ele e meu coração acelera. – Não pai. Quero ficar mais. Está legal aqui – minto. Ele olha para mim, me analisando. – É que fiz um amigo. Eu acho. – Ele abre um sorriso. – Aquele garoto de cabelo azul? – Sabia que ele iria perguntar. – Sim, ele mesmo – confirmo firme. – Será que vai ser uma boa amizade? – indaga. – Por que não seria? Por causa da cor do cabelo dele? – Não é isso… Eu só não quero que se meta em encrenca. Olho direto em seus olhos. – E quando foi que entrei? Ele sorri, e vejo Heitor e Marcus vindo em nossa direção. Vejo o receio nos olhos de Marcus. Heitor e seu pai não poderiam ser mais diferentes. Não se lembram em nada. Enquanto Heitor é mais branco e com os olhos azuis. Marcus é mais moreno e tem olhos castanhos e fisionomia bruta. – Gostando da festa, Getúlio? – pergunta. – Deixe te apresentar, meu outro filho, Heitor. Heitor estende a mão para meu pai. – Muito feliz em conhecê-lo, senhor Abraão. – Tudo bem, filho? – Senhor. Vou encontrar alguns amigos e gostaria de saber se o Max poderia ir comigo. Meu pai olha dele, para mim e olha para ele novamente. Ele está nos analisando. Sei que não quer deixar, mas que vai acabar cedendo. – Se o Max quiser ir – diz ele depois de um minuto. – Não voltarei tarde – digo já indo para o lado de Heitor. Atravessamos um corredor que fica na lateral da casa. Pensei que iríamos ao seu quarto para trocar de roupa, mas não digo nada apenas o sigo. Atrás da casa tem uma varanda muito grande, uma rede, uma mesa de madeira, não tão grande quanto aquela que está na festa. Algumas cadeiras e um balanço desses de criança. No final da casa tem uma espécie de casinha. Não sei direito como descrever. Mas assim que ele abre a porta percebo que se trata de seu quarto. – Bem-vindo ao QG – diz ele sorrindo. O quarto tem uma cama bem grande, vários livros em uma mesa, um sofá num canto com uma televisão grande e um guarda-roupas de madeira. A parede atrás da cama é toda preta, como um quadro n***o e tem alguns desenhos em giz coloridos. Acredito que seja ele quem desenha, mas nada muito profissional. Heitor pega uma bermuda. Sentado na cama ele tira o tênis brancos, as meias, e a calça ficando só de sunga. Então veste a bermuda e calça os chinelos. Ele sorri para mim e saímos do quarto. – Muito legal o seu quarto – digo assim que voltamos para o corredor na lateral da casa. Adentramos a festa novamente. Vejo de relance meu pai conversando com alguns amigos de Marcus. Ele não percebe quando saímos, e é até bom assim. Ele pega uma bicicleta que estava encostada na parede e sai para a rua. – Não liga de receber uma carona né? – pergunta quando para a bicicleta na minha frente. – Não, tranquilo – digo mesmo estando um pouco inseguro. Subo nos apoios da bicicleta amarela. Seguro em seus ombros e aperto forte. – Só tenta não deslocar meus ombros – diz, brincando. – Tudo bem. Foi m*l – digo tentando parecer confortável. Depois de quinze minutos estamos na porta da casa nova. Desço da bicicleta. Até que a viagem foi mais segura do que imaginei. Caminhamos lado a lado, abro a porta com a minha cópia e entramos. A casa está completamente silenciosa. Vejo Heitor deixando a bicicleta no chão mesmo e seguimos para os fundos de casa. A piscina está lá, toda iluminada. Vamos até a ponta dela. O garoto do cabelo azul se abaixa e passa uma das mãos na água e abre um sorriso. Ele olha para mim. – Vamos entrar? – pergunta. – Claro – falo. – Só me deixa trocar de roupa. – Trocar de roupa? – pergunta ele como se não tivesse entendendo. – Colocar uma sunga – explico. – Você não está usando sunga? – Estou, mas não para entrar na piscina. Ele ri alto. – Cara, estamos a sós aqui – diz ele tirando a bermuda e logo depois a camisa. Ele vai até a ponta da piscina e dá um pulo fazendo uma parte da água cair para fora. Eu sorrio. Tiro os tênis e toda minha roupa, só ficando de cueca. Chego perto da piscina e dou um pulo. A água está numa temperatura ótima.
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