QUARTO CAPÍTULO

2195 Words
Seus olhos estão fixos nos meus. Seus cabelos azuis balançando no ritmo da água. Ele abre um sorriso para mim e sobe rapidamente, fico mais alguns segundos embaixo d’água e subo logo em seguida. Ficamos quase três minutos prendendo a respiração para ver quem ganharia. – Eu ganhei! – exclamo assim que submergi. – Cara, você é quase um peixe – diz ele fazendo-me rir. Jogo água nele. – Você que é um fraco – digo. Ele joga água em mim em resposta. Mas volto a mergulhar. Por baixo d'água, vou nadando até me aproximar dele. Quando volto à superfície, fico parado à sua frente. Ele está sorrindo para mim, então retribuo com um sorriso. Seus cabelos estão caídos de um jeito engraçado, mas não digo nada. Ficamos em silêncio por um bom tempo. Aos poucos ele começa a se aproximar de mim. Nós estamos em total silêncio. À medida que ele vai se aproximando de mim começo a ouvir sua respiração entrecortada. Então ele coloca uma de suas mãos em meu rosto. Afaga meus cabelos molhados aos poucos, se aproximando ainda mais e só nesse momento é que percebo que ele está prestes a me beijar. Meu coração começa a acelerar, sinto sua respiração contra a minha, vejo seus olhos se fechando, seus lábios ficando entreabertos, e sinto-os tocando nos meus e só nesse momento é que recuo para a margem da piscina. Ele olha para mim confuso. – Desculpa – digo. O garoto do cabelo azul abaixa os olhos, mas depois os ergue. Ele se aproxima de mim mais uma vez, não da mesma forma quando ele veio para me beijar. Apenas vem nadando normalmente. – Max, me desculpa. Eu pensei que você era… – Ele parou de falar na metade da frase e percebo certo constrangimento de sua parte. – Pensou que eu fosse gay – completo sem demonstrar meu nervosismo. – Sim. Mas me desculpa. Eu imaginei errado. – Não tem problema, Heitor – digo sorrindo para ele. – Eu devo ter dado a entender isso. Mas tá tudo bem, é sério. – Posso ser sincero? – pergunta ele e eu concordo com um aceno de cabeça. – Você deu a entender mesmo. – Ele volta a sorrir. Jogo água em seu rosto. Eu sorrio também tentando passar naturalidade, mas meu coração ainda está pulsando na minha garganta. Então eu mergulho mais uma vez e me aproximo dele, novamente por debaixo d’água. Quando eu subo estou de novo à sua frente. Eu me aproximo dele e dou um beijo em seu rosto. Ele sorri. – O que foi isso? – indaga. Dou de ombros e volto a nadar. A verdade é que nem mesmo eu sei o que foi. Vejo-o me seguindo de perto. Então paro no meio da piscina. Ele para também, ficando a menos de meio metro de distância de mim. – Amanhã meus amigos e eu vamos passar o dia na prainha – diz ele. – Se você quiser vir com a gente não tem problema não. – prainha? – pergunto. – Meu pai nunca me deixaria ir para a praia – digo rindo, mais para mim do que para ele. – Mas não é a praia, nada de Copacabana para nós da cidade de Jardim Primavera. É uma cachoeira que tem aqui. – Ah, cachoeira – digo ainda não entendendo muito bem. – Mesmo assim ele não deixaria. – Ele é daqueles superprotetores? – pergunta ele. Nego com a cabeça.  – Não é só isso. Ele tem um problema com água – digo, não sei se posso contar isso para ele. Pelo menos não ainda. – Entendi, mas ele não precisa saber né – diz ele dando de ombros. Eu sorrio.  – Acho que não. Que horas vocês vão? – Bem cedo, a gente precisa fazer uma trilha longa e vamos de bike. – Então te encontro bem cedo aqui na porta – digo. – Calma aí. Vou até a mesa onde deixamos nossas roupas e pego seu celular. Peço para ele desbloquear, vejo uma foto dele usando óculos escuros e sorrindo para alguém como protetor de tela. Atrás dele há uma cachoeira. – É para aqui que nós vamos? – pergunto mostrando a tela do celular dele. Ele acinte, sorrindo. Digito meu número e dou um toque. Ouço a chamada lá na mesa. Vou até lá e coloco o celular dele no mesmo lugar. – Agora você tem meu número – digo. E dou um pulo na piscina. Quando subo vou para perto dele mais uma vez. Ouço o barulho de um carro parando em frente da minha casa. Ouço o portão automático se abrindo e meu coração volta a acelerar, mas por outro motivo. Deixo transparecer em meu rosto, pois o garoto do cabelo azul logo se aproxima de mim. – Meu pai está chegando. Ele não pode ver a gente aqui na piscina, ele surtaria – digo. – Então vamos logo. Saímos da piscina em silêncio e vestimos nossas roupas. Por sorte ele estará um pouco alcoolizado e não perceberá a água no chão. Pelo menos até de manhã. Ouço-o abrindo a porta da frente. Vejo a luz da sala de estar sendo ligada pela janela. Passos ecoam por dentro da casa. Estamos andando bem devagar pela lateral da casa. Tentando não fazer barulho algum. Entramos na garagem em silêncio e Heitor pega sua bike. Abro só uma parte do portão que é suficiente para ele passar. – Max, valeu pela piscina – diz ele dando uma piscadela. Dou uma risada curta. – Quando sair de casa amanhã, me avisa que te espero aqui fora – digo. – Boa noite, Max – diz ele. – Boa noite, garoto do cabelo azul. Meu coração aperta logo após eu cumprimentá-lo. Não foi algo premeditado, simplesmente saiu essa frase, contudo ele abre um sorriso e fico um pouco mais calmo. Ele sobe em sua bicicleta e aos poucos vai sumindo ao longe. Volto para casa em total silêncio, não posso deixar meu pai me ouvir chegando, meus cabelos ainda estão molhados e com certeza ele irá suspeitar. Vejo a luz da sala se apagando e acho que ele subiu para seu quarto. Pelo menos é o que espero que aconteça. Entro em silêncio, mas como naquelas cenas clássicas de filmes, meu pai está sentado no escuro e só o vejo quando novamente ele liga a luz da sala. – Oi, pai – digo tentando passar naturalidade, mas tenho certeza que isso não acontece. – Sem fingimento, Maximiliano – diz ele. Sua voz é firme e acusatória. – Sobre o que o senhor está falando? – pergunto dissimulado.  – Max, eu vi a bicicleta daquele garoto, eu vi o chão da piscina todo molhado. Não sou i****a – diz ele. Não tem mais como fingir. É claro que ele viu a bicicleta, é claro que ele chegou nessa conclusão em questão de segundos. Enganar meu pai é algo quase impossível, tanto para mim como para o resto da humanidade, ele é mais esperto do que parece. Mesmo um pouco alterado. – Até parece que você não sabe que não gosto de você perto de uma piscina. Até parece que você não se lembra… – Que não me lembro? É claro que não me lembro. Eu só tinha três anos de idade pai – digo, já cansado disso. – Mas isso é muito sério. Você não pode fazer essas coisas, até onde sei poderia acontecer algo com você. – O que aconteceria numa piscina de casa pai? – O mesmo que ocorreu da última vez. – Só que hoje estou com dezesseis anos, não sou mais criança. Sei exatamente o que estou fazendo – digo. Ele se levanta e vai até o bar e pega uma dose de uísque. Fico olhando enquanto ele bebe todo o líquido âmbar de um gole só. – Mesmo assim, o que você fez foi imprudente – diz ele depois de um tempo apenas me analisando. Eu o olho nos olhos. Penso em rebater, mas decido continuar quieto. Tudo o que queria nesse momento era tomar uma chuveirada e dormir. Por algum motivo, que não consigo compreender, aqui ficou muito quente subitamente. – Você sabe que não gosto que se aproxime de piscina nenhuma, mas você quer continuar insistindo nisso. – Acho que você precisa entender que não tem perigo de nadar um pouco. Quanto mais agora que nos mudamos para uma cidade extremamente quente – falo. Ele volta a colocar uma dose de uísque em seu copo. E novamente bebe tudo de uma vez. – Foi aquele garoto não é. Fico em silêncio, estava demorando. – Foi ele quem te convenceu a vir para cá, não é. Ele é filho de Marcus, provavelmente deve ter vindo aqui ou o pai dele falou sobre a piscina, então quando soube que você era meu filho, quis logo vir aqui para nadar. – Mais uma vez você chegou à conclusão errada – rebato. – Cheguei? – pergunta ele, formando um sorriso meio torto no rosto. Detesto quando ele faz essa cara. – Eu o chamei. Eu estou o dia todo olhando para aquela piscina. Tudo o que queria era mergulhar e ficar de bobeira por um tempo. – Max… – Pai, estou cansado já. Tudo o que quero é tomar um banho e dormir. Já vai dar cinco da manhã e estamos aqui discutindo uma banalidade. – Agora eu sou banal – diz ele. – Você? Não. Você não é banal, mas essa fixação nele, essa superproteção que você tem em mim já me cansou. Não tenho mais três anos. O que aconteceu, já aconteceu há tanto tempo que sequer eu me lembro. Agora somos apenas nós dois. Já não me basta a mamãe vivendo como ela vive, agora você também, não dá. Por favor. – Amanhã mesmo arrumarei alguém que feche essa piscina, se você sonhar em entrar nela novamente o colocarei de castigo por um bom tempo. Fico em silêncio por um tempo. – Posso dormir agora? – pergunto. Ele se vira para encher o copo mais uma vez e resmunga algo que não consigo compreender. Decido deixá-lo sozinho e vou para meu quarto. Subo as escadas pulando três degraus por vez e abro a porta rapidamente. Fecho-a com força. Sinceramente, não aguento mais isso. Tanto ele quanto minha mãe ainda vivem presos ao passado. É claro que me sinto m*l também e talvez sempre me sentirei. Não quero que pensem que sou insensível, mas essa é a minha vida. Agora sou só eu aqui e preciso ir atrás dela. Viver ela. Não me esconder mais no meu quarto, por trás das minhas revistas em quadrinhos ou dos meus jogos, livros, filmes e música. Tiro minha roupa que está toda molhada, e deixo no canto do banheiro. Entro no chuveiro e fico embaixo da água gelada por um bom tempo. Tento esvaziar minha mente, mas em vão. Penso no meu pai, na minha mãe. Lembro-me de quando eu era criança. Do forte abraço que recebi do meu pai. Das lágrimas de minha mãe. Lembro-me da água. Dos cabelos azuis dele, de seu sorriso. Da forma como sua boca roçou rapidamente a minha. *** Acordo com meu celular tocando ao meu lado. Se eu dormi por uma hora foi muito. Mas estou bem disposto. Atendo o telefone, dando fim no seu toque. – Alô – digo. – E aí Max, já tá pronto? – Ouço a voz dele animada do outro lado da linha. – Você acabou de me acordar – falo ainda deitado. – Então não demora, em quinze minutos tô aí – diz ele. – Vinte. – Ele ri do outro lado. – Tudo bem então. Vinte minutos! – Tchau. Fim da chamada. Levanto-me e vou direto ao banheiro. Escovo os dentes e tomo um banho rápido. Não demoro nem três minutos. Volto para o quarto, pego uma bermuda e uma camiseta do Deadpool. Pego minha única sunga de praia e a visto. Logo depois coloco minhas roupas, penteio o cabelo de qualquer jeito e pego um boné preto. Volto minha atenção para o espelho. Sorrio perante a imagem de mim mesmo. Olho pela janela e vejo a piscina com a água agora refletindo a luz do sol. Provavelmente essa será a última vez que a vejo assim. No fundo isso me incomoda, mas decido ignorar. Depois de passar um pouco de perfume, desço até a cozinha com uma mochila nas costas. Dentro dela coloco dois pacotes de bolachas e uma garrafa d’água. Coloco-as junto da toalha e da HQ que estou levando, provavelmente não vou ler, mas sempre gosto de levar uma comigo. Escrevo um bilhete para papai e deixo na porta da geladeira. A primeira coisa que ele faz quando acorda é preparar seu café, então ele com certeza vai ver. Saio para a rua. Ela está quieta, sem nenhuma pessoa passeando. Então o vejo, vindo em sua bicicleta, mais rápido que consegue, com um sorriso estampado no rosto. Seus cabelos azuis voando seguindo o ritmo do vento, junto com sua camisa quadriculada azul, que está aberta, combinando perfeitamente com seu cabelo.
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