Capítulo 4

1545 Words
O choro era baixo, sofrido. Encolhida nos braços da amiga e com os pensamentos embaralhados Kenzie não fazia qualquer esforço para segurar suas lágrimas. Estava começando a se desesperar e isso não era nada bom. Situações desesperadoras exigiam calma e ela estava bem longe disso. Mas como poderia ser diferente? Espancada pelo namorado, machucada e grávida. Ela podia estar mais  fodida? — Eu estou aqui Kenzie. Por favor, tente se acalmar. Sei que a situação é crítica mas é melhor não se estressar. Precisa se recuperar e então se decidir sobre o que fará em relação ao bebê. Kenzie se afastou da amiga e olhou para ela com a testa franzida. — Decidir? Não há o que decidir, Paige. — Você está pensando em ter esse bebê? — E o que você esperava? É apenas um bebê indefeso. Ele não tem culpa de nada e eu não sou uma assassina. — Falou quase gritando. — Eu não vou matar um ser inocente. Isso nunca foi cogitado. — Ei... calma, amiga. Eu sei que você não é desse tipo. Mas é só que... dadas as circunstâncias. Porra... que merda, Kenzie. Você foi praticamente violentada. — Meu bebê não foi concebido ontem. — Tudo bem. Desculpe. Mas mesmo que você não tenha engravidado por um ato de violência você foi espancada pelo pai do bebê. Como será quando olhar para a cara dessa criança e se lembrar do Harvey? Ou você pretende perdoá-lo só porque está grávida? Kenzie negou veementemente. Há um bom tempo pensava em terminar seu relacionamento abusivo, mas o medo a fazia adiar a decisão. Mas dessa vez não deixaria passar por vários motivos. Cansou de apanhar, cansou de ser chamada de vagabunda e de ter sua lealdade sob suspeita. Entendeu que nunca amou Harvey, não era feliz ao lado dele. Somente o medo a mantinha ao lado dele. Mas agora não era apenas ela. Havia o bebê e ela jamais se perdoaria se algo acontecesse a ele por causa de sua covardia. — Eu vou denunciá-lo Paige, já disse. E não quero nunca mais olhar na cara dele. Mas entende que estou desesperada? Estou na faculdade, meu emprego não é grande coisa e ainda... meu pai. Acha que ele vai aceitar isso? Serei a maior decepção da vida dele. — Convenhamos... você já é uma decepção para ele mesmo antes de engravidar. Ele nunca a perdoou por não ter aceitado se casar com o Sam. Kenzie não podia discordar de Paige. O pai era um homem sistemático, rude e mandão. Queria que Kenzie continuasse em Somerport como professora e esposa do filho do melhor amigo. Mas aquele não era seu sonho. Houve uma briga horrível quando Kenzie se recusou a fazer o que ele queria e o resultado disso foi a ida de Kenzie para Warbury. Ela e o pai ainda se falavam vez ou outra, mas ele nunca a ajudou financeiramente... e Kenzie também nunca fez questão de pedir nada a ele. Talvez por isso sua mãe Nora tenha ido embora da cidade quando Kenzie tinha apenas quatro anos. Não suportou a truculência do marido. Mas sem emprego e sem um lugar decente para ficar, lhe foi negado o direito de levar Kenzie. Pelo menos era isso que Marlon dizia. Kenzie nunca poderia dizer se era verdade ou mentira. — Você tem razão. Talvez eu nunca conte a ele sobre isso. Vou criar meu filho sozinha. Eu sou forte. Será difícil, mas eu vou conseguir. — É isso ai. Gosto quando fala assim. Só não gostei de ouvi-la dizer que criará seu bebê sozinha. Eu estarei com você. Kenzie sorriu e voltou a abraçar a amiga. Era bom ter Paige por perto, apoiando-a em tudo. — Obrigada por tudo. — Não tem que agradecer. Eu só quero ver aquele cachorro pagar por tudo. E... Kenzie... eu acho que você deveria ligar para o tal Dean. Ou então deixe que eu ligue apenas para dizer como você está. Ele estava preocupado. — Não. JÁ foi constrangedor demais ser encontrada naquela situação. É horrível ficar tão exposta, as pessoas sabendo o quanto fui fraca e submissa a ponto de ser espancada. Não... não quero isso. Kenzie falou e suspirou. Então Dean era o nome do homem que não saiu de sua mente desde o momento em que o viu no pub. No final Harvey não estava enganado. Aquele homem mexeu com ela e Kenzie não conseguiu disfarçar. Mas isso não dava a Harvey o direito de ter tocado nela. Mas quem poderia recriminá-lo? Essa não foi a primeira vez e se Kenzie tivesse o denunciado quando ele lhe deu o primeiro tapa talvez isso não tivesse acontecido. Mas dessa vez ele pagaria. Estava dolorida e envergonhada. E daria o primeiro passo para nunca mais ver aquele homem em sua vida. Agora ela tinha um bebê que dependia dela. E era somente nele que pensaria a partir de agora. ** Paige andava de um lado a outro em seu quarto pensando no que fazer. Sua vontade era de dar uns bons tapas em Kenzie, mas ela já tinha apanhado o suficiente para uma vida inteira. Mas a raiva que sentia da amiga era tanta que não conseguia pensar outra coisa. Raiva e mágoa. — Você não pode fazer isso, Kenzie. Mas que droga! Até quando esse filho da p**a vai dominar sua vida? — Você não entende... — O que eu não entendo? Que você apanhou para caramba e fez o certo que foi denunciar aquele porco. Ele promete se vingar e você recua, fugindo da cidade, do seu emprego, da sua faculdade? Fique e enfrente. SE ele se aproximar de você novamente nós o colocaremos atrás das grades. — Não dá Paige. Olha... se fosse somente por mim pode ter a certeza de que eu ficaria e o enfrentaria. Mas agora há o meu filho. É nele que tenho que pensar. E é por causa dele que estou indo embora. Você acha que uma medida protetiva vai o impedir de alguma coisa? Há cinco dias Kenzie saía do hospital ainda cheia de hematomas, com o orgulho ferido e a certeza de carregar um filho no ventre. Do hospital foram direto para a delegacia onde formalizou a queixa contra Harvey. E quando Paige pensou que as coisas começariam a entrar nos eixos Kenzie surge com aquele absurdo. — Está segura aqui comigo, Kenzie. — Você sabe que não. Olha... será só por um tempo. Harvey vai cansar de me procurar. Posso deixar pistas falsas do meu paradeiro e talvez ele também saia de Warbury. Então poderei voltar. Eu juro que farei isso. Derrotada, Paige se sentou na cama. Concordava que o bebê, embora filho do crápula precisava ser protegido, mas não aceitava que Kenzie tivesse que mudar toda sua vida por causa daquele infeliz. Decidida, suspirou pesadamente e encarou Kenzie. — Pois muito bem... irei com você. — O que? Não... não posso fazer isso com você. Eu não vou... — Cale a merda dessa boca. — Paige falou apontando o dedo. — Você é minha melhor amiga, caramba. Não vou abandoná-la nesse momento. O emocional de Kenzie estava um caos. Talvez o medo após a denúncia contra Harvey tenha contribuído para seus pesadelos cada vez mais frequentes. Tentou falar com o pai várias vezes sem sucesso. Ele sequer retornou as ligações, embora Kenzie tenha deixado vários recados. Estava bem óbvio que não poderia contar com ele. Não fazia ideia do paradeiro da mãe. Estava só. Não. Não estava. Havia sua melhor e talvez única amiga. Admitindo para si mesma, Kenzie sabia que não estava em condições de recusar. Aproximou-se da loira e a abraçou forte ao mesmo tempo em que liberava o choro há dias guardado. — Eu nunca vou conseguir pagar tudo o que faz por mim, Paige. — Vai conseguir sim. Sendo feliz. Sabe... eu sempre quis ter uma irmã. É o que você é hoje para mim, Kenzie. Uma irmã. Choraram abraçadas. Kenzie ainda não sabia seu destino, mas sabia que era um recomeço. **** No mesmo dia em que Paige e Kenzie partiram de Warbury com destino a uma pequena cidade do Texas, três semanas após o incidente, Dean recebeu um torpedo de um numero desconhecido em seu celular. Apesar de nunca ter recebido nenhuma ligação de Paige e não saber mais nada sobre Kenzie, ele ainda tinha esperança de saber alguma coisa sobre ela. Estava obcecado por aquela mulher, essa era a verdade. Até mesmo chegou a ir ao apartamento dela, mas tudo o que conseguiu descobrir foi que ela não voltou lá após aquele acontecimento. Entretanto, suas esperanças ruíram quando viu o teor da mensagem. — Olá Dean. É a Paige amiga da Kenzie. Desculpe não ter dado noticias, mas foi um pedido dela. Olha, você me parece uma pessoa legal, mas siga sua vida. Quero que saiba que Kenzie o agradece por tudo. Ela denunciou o crápula, mas infelizmente está grávida dele. E por isso estamos deixando Warbury. Espero que seja feliz. — Grávida. Dean disse e jogou o celular sobre a cama. Grávida. Do homem que a espancou. Admitiu sua derrota, levantando-se e caminhando para o banheiro. Queria ter tido a chance de pelo menos conversar com a adorável Kenzie. Mas o destino não quis assim.
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