CAPÍTULO 02

2414 Words
CARMIN — Vou pedir mais uma dose de morfina para ela e vocês podem ir. — A médica que nos atendeu concede. Aplicaram o medicamento para a dor. Após verificarem vimos que Desirée tinha duas costelas quebradas. — Ela passou por muita coisa, não deveria estar perto da pessoa que fez isso. — Eu acabei de conhece-la, mas vou me esforçar para não deixar ela voltar para esse relacionamento. — Afirmo. Ela assente com a cabeça e caminha para fora. — Vou preparar a papelada da alta e chamar a enfermeira. Assim que ela acordar vocês podem ir. — Avisa antes de sair. — Obrigada, doutora. Alguns minutos depois uma enfermeira entra na sala, aplica a morfina na bolsa do soro e avisa que posso assinar a alta na saída. Tentamos entrar no celular dela mas sem a senha não conseguimos acessar nada além do teclado para chamada de emergência, então não conseguimos entrar em contato com a família. Além disso, pelas circunstâncias não tenho certeza se ela iria querer que alguém soubesse o que aconteceu – é algo bem pessoal. Anoiteceu e acabei ficando aqui e esquecendo de ligar para minha mãe. Desirée ainda dorme, então aproveito e retorno, vendo que minha mãe já tinha me ligado outras trocentas vezes. Ligação on ~ — Onde em nome de Deus você se enfiou, garota? — Atende brava. — É minha culpa, eu sei. — Levanto a bandeira branca. — Me desculpe, mas aconteceu um imprevisto no estacionamento e tive que resolver. Não se preocupe, está tudo bem comigo. Só vou ter que cancelar o café, infelizmente. — Carmin, eu te liguei o dia inteiro. Precisava te pedir algo importante de início, depois começou a ser por preocupação já que você desapareceu e não costuma ficar longe do celular. Filha, o que custava avisar que estava bem? Até uma mensagem eu aceitaria. Sabe como me preocupo. — Prometo que vou te explicar tudo depois. Está bem? Você vai entender. Podemos remarcar para amanhã? — Sinceramente, café é a última coisa que estou pensando agora. Mas preciso que venha até aqui ainda hoje, preciso que me leve a um lugar. — Um lugar? — Começo a me preocupar. Isso é bem estranho. — Onde? Minha mãe não me pede para leva-la a algum lugar se não for na cidade já que ela precisa de carro para vir e ela detesta passar tempo no meio de toda essa agitação, a não ser que seja estritamente necessário. Além disso, ela não me pediria para fazer essa viagem no volante depois de escurecer. Sair daqui e ir busca-la, depois ir levar de volta... Ela nunca pediria nada disso se não fosse algo... — Promete que vai vir com todo cuidado e que só se estiver bem para isso, caso contrário peça um daqueles homens de aluguel para vir me buscar. — Eu daria risada se isso não fosse ainda mais assustador. “Homens de aluguel” que minha mãe chama são os motoristas de aplicativo, outra coisa que ela odeia porque morre de medo. — Mãe, não me assuste assim. Vamos, me diga o que aconteceu e onde precisa ir. — Preciso ir na casa da Beatrice, é urgente. Gostaria de dizer que apenas a menção desse nome não me deu um arrepio na espinha, que meu cérebro não congelou por um tempo. Até quando essa história vai mexer comigo? Definitivamente odeio o fato de ter toda a minha vida sobre controle, exatamente como eu gostaria, mas não conseguir controlar meu próprio coração quando se trata disso. — Filha, você está aí? — Sim. Só não entendi o que quer fazer lá, faz muito tempo que vocês não se veem. Não sabia que ainda eram tão próximas para fazer visitas íntimas. — Forço minha voz mais firme. — Não é bem uma visita, Carmin. Mas a Beatrice foi minha chefe por anos e não era apenas minha chefe. Passei anos na casa dela. Quando eu estava grávida de você, se não fosse ela... Ela foi minha amiga acima de tudo e preciso apoia-la agora. — Apoia-la? — É nesse momento que o resto do meu controle vai embora. — O que aconteceu, mãe? Por que ela precisa de apoio? Meu coração acelera como se eu estivesse despencando numa montanha russa infinita. Mil ideias péssimas passam na minha cabeça e me seguro para não me ajoelhar no chão e gritar a Deus que não tenha permitido tal coisa. — Mãe, pelo amor de Deus me responda. Aconteceu algo com... — Não consigo terminar a frase. Faz anos que não digo esse nome em voz alta e não é agora que pretendo desabar. — Não. O problema é com a... Luz. A situação é grave. Quando ouvi o seu “não”, meu coração se afrouxou. Mas saber que algo aconteceu com a Luz o faz se espremer de novo. Tenho certeza que Romeo desejaria a morte mil vezes, de todas as formas dolorosas antes de ver algo r**m acontecer com qualquer um da sua família, principalmente se for a Luz. — Entendo. — Reúno uma reserva de forças, prendendo as lágrimas que se formam prontas a deixar meus olhos. Prometi que seria forte e eu vou ser. — Estou resolvendo um assunto. Se prepare, estarei aí o mais rápido possível. — Tudo bem, mas fique calma, por favor. Eu não pediria se não fosse tão importante. Cuidado no caminho, minha vida. — Não se preocupe, mãe. Até mais. Ligação off ~ Suspiro, limpando uma lágrima que conseguiu me vencer. — Está tudo bem? — Ouço a voz da Desirée, ainda fraca. — Eu que lhe pergunto, como você está? Melhor? — Me aproximo colocando um sorriso no rosto. — Sim, me sinto bem. — Avisa, mas assim que se mexe na maca acaba soltando um gemido de dor. — Algumas dores, claro, mas bem. Já estou acostumada. — Ninguém deveria se acostumar com esse tipo de coisa, lembre-se disso. — Seguro sua mão, passando sinceridade. — É desumano. Você tem duas costelas quebradas, precisa usar esse colete durante alguns dias. — Aviso enquanto ela toca o tronco coberto com o colete que serve para colocar os ossos no lugar. — Você vai sentir dores no rosto também, precisou tomar alguns pontos na testa e seu maxilar estava machucado mas não chegou a quebrar. — Ele fez um estrago grande dessa vez, não foi? — Qual foi a desculpa? — Trabalho como vendedora numa loja de cosméticos lá no prédio onde você nos encontrou, ele queria que eu deixasse meu emprego. Mas eu fui trabalhar e ele... bom... Ele não gostou. — Sorri falso. — Como você... — Paro antes de completar a frase. — Nós continuamos a nossa conversa mais tarde, tenho um compromisso importante. Mas quero que saiba que você foi corajosa. Agora vai continuar sendo. Homens tem medo de mulheres confiantes e é isso que você vai se tornar. Você vai continuar trabalhando, vai usar as roupas que quiser e não esse trapo cor de b***a. Vai t*****r com quem quiser e mandar esse filho da mãe se f***r. Você é uma mulher linda e está na hora de ver isso. — Linda? Olhe para mim. Estou parecendo uma vaca abatida. — Garanto que está ótima na medida do possível. — Sorrio. Desirée é uma mulher realmente bonita, tem cabelos castanhos e pele n***a. Seu corpo é bem feito, quadris largos e coxas grossas, uma cintura fina e p****s de dar inveja – Se os meus também não fossem lindos. Mesmo estando bem machucada é possível ver que também tem um lindo rosto, os olhos verdes fazem um belo contraste com sua cor. — Obrigada, por tudo. — Ela me dá um sorriso cúmplice. — Agora vamos, você tem o que fazer e já tomei seu tempo demais. Me deixa em um hotel? — Te deixar sozinha num hotel? Nem pensar, garota. Você vai para a minha casa e conversaremos quando eu chegar. — Eu a ajudo a ficar de pé. — Você ainda nem me disse o seu nome. Vai levar uma estranha para sua casa? Além disso, sem você estar em casa? Realmente, não há necessidade. Posso tranquilamente passar a noite no hotel e ir amanhã cedo para a casa de uma amiga. — Insiste. — Meu nome é Carmin. E você não tem escolha. Assino a alta e saio levando Desirée comigo. No caminho para minha casa ela me explica que cresceu em um orfanato, nunca conheceu seus pais. Raphael, o homem que a agrediu, era sua única família. Eles namoram há cinco anos e moram juntos, de início ela não percebeu que estava em um relacionamento abusivo e depois achou que era tarde demais para sair dele. Deixei ela confortável no apartamento, após esquentar pizza no micro-ondas e deixa-la comendo reclinada no sofá enquanto assiste TV. Era quase sete da noite quando saí para a casa de minha mãe, fiz um caminho calmo como a prometi – O que fez minha mente viajar por lugares desagradáveis. Agora sem a Desirée no carro não há nada que me impeça de me concentrar na Luz, ou melhor, em como isso está afetando novamente o Romeo. Imagino como ele está, principalmente por não estar por perto. Pego minha mãe e retorno para a cidade, já notando meu corpo sentir o efeito do cansaço. Mas como não quero preocupar minha mãe, finjo estar bem. Na verdade, meu maior cansaço é a minha mente que trabalha desde que minha mãe falou o nome da Sra. Beatrice e da Luz. p***a, Romeo! Por que eu ainda tenho que ser uma menina quando se trata de você? Por que eu abriria mão de tudo para você estar bem? — Cecília! — A Sra. Beatrice chama assim que entramos na sala de estar. Ela levanta de sua poltrona confortável e vem até minha mãe, se lançando nos braços dela num abraço recíproco. — Obrigada por vir, é bom ter uma amiga nesse momento. — Como está? — Perdida. — Apenas assisto a conversa das duas. — Posso imaginar como se sente. Luz é como sua filha, ou melhor, ela é sua filha. Não posso imaginar como estaria se fosse com a minha Carmin. — Se afastam. Beatrice concorda com a cabeça. — Não posso fazer muito. Mas saiba que o que posso, eu farei. — Você sempre foi uma mulher muito prestativa e sábia. — Novamente Beatrice tem razão, minha mãe é exatamente isso. — Carmin, filha, não sabia que viria. — Sra. Beatrice. — Cumprimento. — Me desculpe, eu tive que trazer a minha mãe. Além disso, também quero saber como a Luz está. Acalme-se Carmin, é apenas a mãe dele, não ele. - Reclamo com meu coração. — Não se desculpe. É sempre bom ver você mesmo que faça muito tempo. Eu só... Estou surpresa. — Caminha até mim e me dá um abraço também. — Sentem-se, vamos conversar. Minhas bochechas coram, inevitavelmente me envergonho. Não só minha mãe, como a mãe do Romeo souberam exatamente o que aconteceu há anos atrás – Inclusive o estado que fiquei após sua partida. É desconcertante estar na frente de duas das pessoas que podem me ver sem minha máscara, que sabem dos meus pecados. — Nos diga exatamente o que aconteceu, qualquer detalhe importante. — Sentamos no sofá confortável e minha mãe inicia o assunto, para minha salvação. — A Luz é... exatamente como o nome dela. Sempre foi muito ativa, sorridente e amorosa. Ela é a nossa vida. Nós notamos que ela estava ficando cansada rápido demais. De início achamos que era só melhorar a alimentação, ter um pouco mais de descanso e pronto, ela iria melhorar. — Lágrimas silenciosas descem pelos seus olhos castanhos marcados, como os dele... — Mas não melhorou. Depois ela começou a trocar as palavras e foi o pingo d’água. O médico da família receitou os exames e... É isso. A Luz tem um tumor cerebral, está do tamanho de uma laranja e crescendo. Se isso não bastasse, está numa área arriscada e é inoperável. Ela tem apenas cinco anos... Nessa hora Beatrice desaba, seus soluços são altos e agonizantes atingindo meu coração. As palavras somem, desejo sentir a pior dor do mundo mas não ver essa cena. Luz é só uma garotinha, tem uma vida pela frente. A última vez em que eu a vi ela tinha acabado de nascer, era só um bebê, uma linda bebê com belos olhos castanhos como dos pais. Agora, a pequena garota está morrendo. Beatrice chora desesperadamente, meus olhos se enchem de lágrimas e eu faço uma viajem no tempo mentalmente. A Lara. Ela era a melhor pessoa que eu já conheci, assim como Romeo. Eles eram o casal perfeito. Não eram só altos, bonitos e sexy’s. Eles eram as pessoas mais altruístas do mundo. Antes da Lara morrer o amor deles deu um fruto. Agora, esse fruto está morrendo. Lara não merecia morrer, era a última pessoa que merecia. A Luz também, merece toda a vida que esse mundo c***l pode dar. Eu merecia ter morrido, por ter sido tão aproveitadora com as pessoas que só cuidaram de mim. A culpa que me corrói todos esses anos, que me impediu de ter me aproximado da Luz, começa a aumentar. Que tipo de pessoa eu sou? Eu mereço cada segundo de dor profunda e íntima que suportei todos esses anos. Talvez essa seja minha punição, viver com isso. — Mãe, você está... Meus olhos crescem, meu coração para e sinto o mundo girar ao meu redor. Três pequenas palavras. Uma voz. Uma tempestade de lembranças. Fortes golpes. Meu corpo começa a tremer. Não consigo me mover, com medo de que se eu levantar a cabeça até mesmo alguns milímetros e olhar... Eu o veja. Estou imaginando? Isso é outra alucinação? Não pode ser, não pode! Romeo está em algum lugar do mundo, não aqui na minha frente. Por favor, não seja você... Espero alguns segundos torcendo que ou ele continue a frase para me dar certeza antes que meus olhos o vejam, ou para eu acordar desse pesadelo. Porém, o silêncio reina na sala. Não preciso ouvir mais nada, o nada, já é a resposta que preciso. É ele, é o Romeo. Nem preciso olha-lo para sentir meu peito queimar. Para sentir o ardor do vulcão que por anos ficou inativo, entrando em erupção novamente dentro de mim. — Filho?
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