Damien
Ela era diferente de qualquer um que eu já tinha encontrado na minha vida e isso não se resumindo apenas ao reino de Astúrias. Seus olhos brilhavam quando ela nos ajudava, dava para ver que aquilo vinha do coração, nem de longe ela lembrava ser uma cria daquele reinado cheio de pessoas que se gostavam de humilhar os outros, crescer na base do sofrimento de seu próximo, não, ela amava ajudar, independente de quem fosse, contanto que seu coração mandasse
Eu nunca me atrevi a perguntar o seu nome, nem mesmo pedir que ela me privilegiasse com o som da sua voz, a guardiã que todos os dias me visitava e que de algum modo, tentava garantir o meu bem estar e de todo o meu povo, pelo menos aqueles que estava ali comigo, não tinha voz para mim, só olhar...
Mas sim, eu me atrevia a imaginar, naquele sofrimento todo que muitas vezes me fazia perguntar como eu ainda conseguir encher os meus pulmões com aquele ar fétido, eu consegui achar uma brecha na minha imaginação capaz de me fazer acreditar que eu podia sair dali, voltar para o meu reino e construir alguma coisa com aquela mulher
Damien - Sabe aonde está o resto do meu povo? Aqueles que faziam parte da minha nobreza
Eu não sabia como, mas ela sempre dava um jeito de me responder com gestos, com o brilho diferente nos olhos. A minha pergunta só fez ela mirar o dedo e apontar para os outros prisioneiros e mesmo sem ela saber o que realmente me dizia, eu percebi qual era a verdadeira resposta. Todos os prisioneiros do meu reino estavam ali, desfalecendo ali, aos poucos, ganhando os açoites dos capatazes, trabalhando arduamente na lavoura e sendo castigados caso não conseguissem colher pelo menos o equivalente ao seu peso
Deveria ter ficado mais fácil por conta da nossa perda de peso, mas só ficou mais difícil com o aumento da fraqueza. Velhos, mulheres, crianças, se algum dia eles foram poupados do trabalho árduo e separados para a escravidão nos serviços domésticos, esse dia eu nem me lembro mais, todo éramos iguais, trabalhando e cansando e desfalecendo e morrendo sem nem ficar no conhecimento de ninguém
Apenas eu, o Regente de Dominic, apenas eu era vigiado dia e noite, sob a garantia de estar vivo no dia seguinte, só para poder agradar o ego do tirano Eliel e também de sua filha Vitória, só para que eles pudesse mostrar a todo o povo qu era o melhor de todos os reis e que seu território era o mais próspero de todos, tendo o mundo subjugado, como seu súdito
Aquele dedo esticado me mostrando que todo o meu povo estava ali, do meu lado, preso, sofrendo junto comigo só me confirmou que realmente o meu povo só sucumbiu por causa da ajuda da própria população de Dominic, aqueles que tinham o poder de se comunicar com outros fora do reinado, que teriam poder suficiente para garantir segurança se algo desse errado e mesmo assim, não titubearam no momento de oferecer ajuda
A família Belmont fazia parte disso. O sangue puro de Dominic tinha se juntado com o sangue tirano de Astúrias para fazer seu próprio povo sucumbir, mas eu também não via o Grégori e muito menos o Otto, eles eu tinha quase certeza de que não estavam sob o poder do rei porque tinha visto com meus próprios olhos o meu irmão praticamente dar a sua vida em prol do seu Regente
Não, eles não estavam ali, ou tinham morrido em decorrência do ferimento, o Otto no caso, ou estavam ao longe, programando o momento certo de oferecer o seu auxílio, um que me faria total diferença, mas que eu desejava que começasse a abreviar, pois o medo já estava crescendo no meu coração, aquele que me fazia pensar que o meu fim podia mesmo ser em Astúrias, que eu não seria capaz de cumprir aquilo que prometi ao meu povo e o principal, que meu tempo estava próximo do fim e por causa disso, eu nunca mais veria os lindos olhos que me eram motivo de desejar a vida
Damien - Você viu algum de nós fora daqui? Em liberdade ou servindo ao seu rei?
Aquele foi o primeiro momento que eu senti que a guardiã parada vem a minha frente estava fazendo um esforço tremendo para não ceder à tentação de me prestigiar com o som da sua voz, eu tinha quase certeza que ela estava travando uma luta consigo mesma, só não aconteceu porque o meu descuido me fez fazer a pergunta quase na hora da troca de turno e a movimentação dos outros soldados fez com que o meu sonho dourado, parado bem a minha frente, voltasse a sua realidade e desistisse de soltar aquilo que tanto pensava
Um grande descuido, mas que naquele momento nem chegava a me afetar tanto quanto saber que aquele era o meu último momento do dia com aquela guardiã e o que me restava, era esperar, novamente, sobreviver às chacotas dos próximos soldados que teriam a minha custódia e rezar para que o rei não tivesse mais um daqueles frequentes devaneios noturnos, os que acabavam tirando o seu sono, e viesse até as masmorras procurar uma forma diferente de chamá-lo de volta, ou seja, procurar novos meios de torturar a mim e a meu povo, mas principalmente a mim, com a esperança de conseguir agradar a sua mente doentia e por consequência, dormir