"Como está a linda princesa hoje?"
Digo lhe desferindo um sorriso por entre o uniforme, mas que ela mesma não consegue ver, apenas imaginar através das expressões de meus olhos. Princesa Vitória me viu poucas vezes sem meu traje e em todas elas, não deixou de enfatizar nossa semelhança, apenas com algumas ressalvas, em suas palavras.
“Calma demais, se importa muito com as pessoas, perdoa fácil”, ainda me lembro de todas as suas expressões...
Princesa Vitória – me diga, por quê sempre demora a me ver? Os afazeres do palácio têm sido mais importantes que reservar um pouco de tempo para conversar com sua princesa?
Apesar de sua aparente cobrança, nós duas sabemos que essa interação não é adequada para uma princesa e uma serviçal, muito menos permitida e mesmo assim, ela me diz como se fôssemos as melhores amigas.
Em certos momentos sinto a amargura em suas palavras. Em muitas ocasiões imaginei o quanto seria grandioso pertencer à realeza, mas todas as vezes que vejo a princesa em seus momentos de melancolia e praticamente implorando para que vá vê-la e ouça seus lamentos, vejo que nem sempre o que é bom para os outros, também é bom para mim.
Aurória - Não diga isso princesa, sempre estarei à disposição, só me parece que esses prisioneiros são mais importantes para seu pai do que os tantos outros que já passaram por aqui, então temos que estar sempre mais alertas
Neste momento consigo ver a filha do rei Eliel. Suas expressões mudam e seu semblante se torna sombrio.
Vitória- Deve ser porque se trata daquele regente. Ele é um bastardo, não tem sangue azul e ainda assim se achou no direito de ocupar uma posição tão importante quanto a dele, desmerecido...ele deve saber qual é o seu lugar e até acho que meu pai tem usado de sua benevolência para com ele.
Quero lhe falar que ela está errada, que foi por causa de seu governo que o território de Dominic se tornou muito próspero, que ao contrário de seu pai que só sabe explorar o povo em demasia, o prisioneiro em questão se importa com todos, mas principalmente, com os mais necessitados. Quero gritar que mesmo nesta condição, o que ele mais tenta é privar seu povo das punições desnecessárias e que faz tudo isso por amor e respeito, mas...me coloco em meu lugar e apenas consinto com a cabeça, olhando para o chão.
***
Os dias têm passado mais lento que o normal. O olhar de esperança daquele povo já não mais se vê, ele foi usurpado pelo desejo de vingança, que agora, é mais que evidente. Seu líder está cada vez mais debilitado e os soldados, na verdade, nem mesmo o rei entende o porquê seu corpo não se entrega à escuridão da morte.
O que eles não sabem, o que nunca saberão é que escolhi meu lado e ele não está no reino de Astúrias
Ao final do dia, prossigo com minha ronda costumeira e passo em revista por todas as alas das masmorras. Por dentro, as câmaras são separadas entre si por grades e suas paredes externas são de pedra, grossas, maciças, impossibilitando fugas.
Beatrice e Valentina estão ao meu lado, elas sempre estão e aceitam minha decisão. O que o rei não entende é perfeitamente explicado por nós que por muitas ocasiões escondemos alimentos nos quais temos acesso por nos permitirem que frequentemos o palácio e levamos aos prisioneiros. Muitas vezes, nós deixamos de comer para oferecer o mínimo de alimento para eles. Nunca falam nada, acho que nem tem mais forças, mas aceitam de bom grado e nos olham com gratidão.
Nos últimos dias, a depravação foi elevada a vários patamares no reinado de Astúrias, assim como os banquetes oferecidos pelo rei a seus nobres súditos. As mulheres prisioneiras tem sido trazidas com frequência até os salões reais e estupradas loucamente pelos nobres da corte, aqueles homens agem como animais ou pior que isso.
O rei faz questão de marcá-la, não apenas seus corpos, mas seu coração e mente ao soltar frases como "isso é culpa de seu regente".
As orgias chegam a ser tão absurdas que os soberbos nobres acabam até por introduzir objetos em seus corpos, além de seus membros nojentos e as obrigam a tocar uma nas outras. Os prisioneiros não são polpados, nem homens nem mulheres.
Os parentes são obrigados a se tocarem, oferecendo um grande espetáculo à corte, mas Damien é o que mais sofre, ele sempre está presente, a raiva sempre está presente, o ódio e agora, mais do que nunca, a vingança.
1 ano como prisioneiros
Hoje conseguimos esconder um saco de mercadoria, que deveria ser destinado ao banquete real, para oferecer aos prisioneiros. Eles também tinham direito a uma alimentação de qualidade, não sei porquê os outros não viam isso. O que de tão errado eles fizeram?
Os empregados estão alvoroçados, correndo de um lado para o outro para poder atenter a todos os caprichos do rei
Os soldados já foram orientados quanto às funções da noite e as rondas nas masmorras, e a princesa não se importou em solicitar minha princesa em seu dia de escolha de vestidos pomposos, então ninguém percebeu nosso pequeno desvio.
As masmorras continua com sua apresentação sombria, úmida triste...isso nunca muda e nunca me acostumo com esta podridão. Os prisioneiros, amuados em suas celas, são corroídos por doenças, sem ajuda e nem cura
Fizemos um rápido plano, minhas primas e eu. Não teríamos muito tempo, mesmo com toda a nobreza em festa e os soldados sendo designados a se aglomerar em frente ao palácio garantindo a segurança...tínhamos que ser rápidas.
Os prisioneiros nunca escutaram nossas vozes - a não ser por aquele detalhe no primeiro dia de suas estafias, quando a princesa solicitou a minha presença - nem mesmo viram nossos rostos, a ajuda sempre veio com discrição e cuidado, não podíamos correr o risco de sermos pegas, a punição com certeza seria a morte, mas não antes de sofrermos com as humilhações do próprio rei Eliel.
“Meu Deus, eles estão piores que da última vez”, penso ao olhar seus corpos jogados pelo chão das celas... “meu Deus”...
Atendemos um a um o mais rápido que pudemos, mas seus corpos debilitados estavam nos atrapalhando. Mais alguns passos e encontro seus olhos negros, não tinham raiva, não tinham medo e naquele momento nem mesmo vingança, tinha algo diferente, ele estava desistindo...
Pego algumas frutas e pão e corto em pequenos pedaços, mesmo em sua imponência, que não estava mais tão altiva, ele necessitava de ajuda e assim mesmo, neste momento, eu ouço sua voz em súplica
Damien – Dona...Belle...
Olho para trás e vejo os resquícios das lindas moças com as mão entre as grades. Me lembro quando as vi pela primeira vez, apesar das marcas de sol em suas faces, elas eram muito muito lindas. Não me pareciam da nobreza, e agora me lembrando, nem se vestiam como um, mas estavam no meio do povo e se importavam com seu regente. Estas têm sofrido mais do que as outras mulheres, porque se colocam à frente de Damien quando em um açoite eminente e algumas vezes, até trocam prazeres sexuais por um momento de sossego, não a elas, nunca para elas, sempre para ele.
Indo em direção à sua cela, tento auxiliá-las a se alimentar, estão tão magras, tão tristes
Acredito que a maioria estaria morta sem sua ajuda soldado, espero poder retribuir um dia, soou a voz de Dona, muito mais como um sussurro.
“Ajude-o, ele precisa viver, muito mais que a gente”, a voz de outro prisioneiro veio por entre as grades. Era um jovem, bonito, muito parecido com o regente, mas com os cabelos num tom mais claro e um pouco mais baixo
Me volto à cela de Damien e continuo com meus cuidados
Seus olhos me parecem mais calmos e mesmo entre as grades, ele se atreve a tocar em minha face, próximo aos olhos, no lugar aonde o uniforme não esconde... “um dia eu vou sair daqui, um dia eu vou matar aquele maldito rei, um dia eu vou tirar meu povo deste lugar e levá-los de volta aonde eles nunca deveriam ter saído e neste dia eu te levarei comigo”.