Desabafo

1411 Words
Kate Madson Assistindo ao amanhecer pela janela do apartamento de Emma, percebi que não havia conseguido dormir nada. Tudo o que aconteceu me fez abrir uma porta trancada a sete chaves e quando enfrentamos os esqueletos escondidos no armário, a visão, com certeza, não é das mais agradáveis. Comecei a questionar meu relacionamento com minha mãe, o que era amor e o que era mentira. Quando tudo está bem, como quando meu pai estava vivo, é muito fácil confundir as coisas, mas após a sua morte, eu me vi tanto tempo como a culpada por todos os problemas que enfrentávamos que me deixei cegar para a realidade. Mesmo agora, ainda havia uma chama de esperança dentro de mim, pequena e frágil, que se alimentava da ideia de que, ao ver meu recado, minha mãe ligaria me pedindo para voltar, dizendo que mandou Steven embora para sempre. Mas, conforme o sol subia, cada hora que passava sem a tão esperada ligação, desvanecia um pouco dessa esperança, deixando para trás apenas o eco da minha própria angústia. Enquanto eu continuava perdida em pensamentos, Emma finalmente despertou e saiu do quarto, esfregando os olhos. Ela se espreguiçou brevemente antes de me notar sentada no sofá, ainda com o olhar fixo no celular. - Bom dia, Kate. Você conseguiu dormir alguma coisa? - Emma perguntou, enquanto caminhava em direção à cozinha. - Bom dia. E não, nada de sono. - Respondi, tentando mascarar a exaustão em minha voz. Emma franziu o cenho em preocupação, abrindo a geladeira. - Você comeu alguma coisa? - Emma perguntou, enquanto colocava um pote de iogurte e frutas no balcão. - Não, eu... Eu não queria mexer nas suas coisas. - Confessei, sentindo-me um pouco envergonhada por minha hesitação. Emma parou o que estava fazendo e se virou para me olhar diretamente, seus olhos expressando uma mistura de surpresa e reprovação. - Kate, você está na minha casa, e aqui você não precisa pedir permissão para comer ou fazer qualquer coisa. - Ela caminhou até mim, segurando minha mão. – Você é minha amiga, não uma estranha, e enquanto estiver aqui tem liberdade para fazer o que quiser. - Desculpa, Emma, eu só... não queria abusar da sua gentileza. — Disse, sentindo uma onda de gratidão pela preocupação dela. - Não é a***o nenhum. - Emma sorriu, me puxando gentilmente para a cozinha. - Vamos, vou fazer um café da manhã decente para nós. E você pode me ajudar. Assim, não vai se sentir tão fora do lugar aqui. Concordando, segui Emma até a cozinha. Enquanto ela preparava o café, a simplicidade do momento me fez sentir um pouco mais em casa, um pouco menos perdida. Entre as fatias de pão torrado e os ovos mexidos, encontrei um espaço para respirar, para sentir menos o peso da minha situação. - Obrigada, Emma. Sério, eu não sei o que faria sem você agora. — Disse, verdadeiramente grata. - É para isso que servem os amigos, Kate. Para estarem lá, não importa o que aconteça. - Ela me deu um sorriso reconfortante, e por um momento, eu quase consegui esquecer o caos que me esperava do lado de fora daquele apartamento. Quase. O calor do café em minhas mãos era reconfortante, e enquanto o vapor subia da xicara, perfumando todo o ambiente, comecei a contar tudo a Emma. Não apenas os eventos da noite, mas tudo o que vinha se acumulando desde que Steven entrou em nossas vidas. - Depois que ele tentou me atacar, eu... eu consegui me trancar no banheiro a tempo. - Minha voz tremia ao relatar o incidente, as palavras trazendo de volta o terror daquela noite. Emma me ouviu com uma expressão séria, seus olhos nunca deixando os meus. Quando terminei, ela colocou sua xícara de café na mesa com mais força do que pretendia. - Aquele filho de uma putä. - Mas, o mais difícil de tudo, foi que minha mãe escolheu ele. Ela não se importou nem com o fato de que eu saí de casa, ou melhor, fui obrigada a sair de casa para me sentir segura. - Kate, você é incrivelmente forte por aguentar tudo isso. Mas, agora, precisamos ser objetivas. Você tem que denunciar o Steven à polícia. - Eu queria denunciá-lo, eu realmente queria. Mas não posso fazer isso, pela minha mãe. Ela o ama tanto que escolheu ficar ao lado dele, apesar de tudo, e eu não posso estragar a felicidade dela novamente. - Você não deveria ter que sacrificar sua segurança e bem-estar pela felicidade sua mãe. Päu você encontra disponível em cada esquina, agora filho? Até onde eu sei ela só tem você, deveria te priorizar acima de qualquer bêbado brocha, porque, vai por mim, quase todo bêbado é brocha. - Ela me disse com todas as letras que sacrificou anos da vida dela por mim. - E você não tem se sacrificado também desde que se recuperou? Para onde foi seu sonho de ser uma grande bailarina, seu dinheiro e agora sua casa. É hora de parar de pensar na sua mãe e começar a pensar em você. Eu suspirei, sentindo o peso esmagador das palavras de Emma. O conselho dela fazia sentido, mas havia camadas de emoções e histórias que não eram fáceis de simplesmente deixar para trás. - Eu sei, Emma. E esta será a última vez... pelos anos que ela cuidou de mim. Apesar de tudo, ela ainda é minha mãe. - Respirei fundo, sentindo uma onda de determinação se formar dentro de mim. - Deixar o canalha do Steven livre será a última coisa que eu abro mão pela minha mãe e já que eu não vou mais voltar para casa, ele não será um problema. Minha dívida está paga. Se ela é ou não feliz, isso não é mais responsabilidade minha. Emma franziu os lábios, visivelmente insatisfeita com minha decisão. - E você? Há quanto tempo você não é feliz? Eu fiquei momentaneamente sem resposta, atordoada pela pergunta que eu costumo evitar desde a minha recuperação. Emma suavizou sua postura, talvez achando que havia sido dura demais. - Olha, Kate, eu estou aqui para você, não importa o que você decida fazer. - Eu sei, e obrigada. Por tudo. - Sorri, genuinamente grata por ter Emma ao meu lado. Ela me retribuiu o sorriso. - Eu só... eu só não sei o que fazer agora. - Confessei, sentindo a magnitude do problema que enfrentava. - Você tem habilidades, Kate. Vamos encontrar um lugar onde você possa dar aulas de dança que pague melhor do que suas poucas alunas particulares. - Nenhuma escola contrata uma professora sem um curso ou uma carreira sólida. Eu não tenho nenhum dos dois. - Talvez seja hora de você finalmente se inscrever naquele curso de bacharelado em dança que sempre quis. - Mas e o dinheiro? Além de pagar as aulas, agora terei que pagar aluguel... - A preocupação era evidente na minha voz. - Nós daremos um jeito. - Ela disse com uma determinação que fez parecer possível. - Além disso, há bolsas de estudo, oportunidades em outros trabalhos... Vamos explorar cada opção disponível. Naquele momento, sentada na cozinha de Emma, uma sensação de paz começou a substituir o turbilhão de emoções dos últimos dois dias. Pela primeira vez em muito tempo, permiti-me acreditar que um novo começo era possível, que a dor do abandono poderia, eventualmente, dar lugar a algo melhor. - Agora, tente descansar. Você está com uma cara péssima. - Descansar é um luxo para os ricos, Emma. Eu tenho uma aluna as às 10 horas e de lá vou para o cinema que Gavin me deu o turno da tarde. - Não sei como você ainda está naquele lugar, Kate. - Não é todo mundo que contrata uma jovem transplantada com apenas o ensino médio. – Dou um sorriso cansado, – mas não é um trabalho tão ruïm assim, já que foi lá que eu te conheci. - Se precisar, eu posso ajudar com algumas despesas até você se estabilizar. - Não sei se consigo aceitar isso, Emma. Você já está fazendo muito em me receber aqui. - Kate, somos amigas ou não? Além disso, eu ganho bem no clube. - Muito obrigada, Emma. Eu tenho algum dinheiro guardado, o suficiente para pagar minhas despesas por um tempo, só preciso ir ao banco sacá-lo. Emma me abraçou rapidamente. - Não se esqueça de considerar tudo que falamos. - Vou sim, pode deixar.
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