Ciclo de problemas

1410 Words
Kate Madson Três meses se passaram desde que Steven entrou em nossas vidas de uma forma mais permanente, e, desde então, parece que cada dia se torna um pouco mais pesado do que o anterior. Meu despertador soa antes mesmo do sol raiar, marcando o início de mais um dia longo e cansativo. Enquanto me arrasto para fora da cama, sinto o peso não apenas do cansaço físico, mas de algo mais profundo, uma espécie de desânimo que se agarra à minha alma. Steven, por outro lado, parece ter se acomodado confortavelmente na nova vida, uma vida em que as responsabilidades parecem ser algo alheio a ele. Todos os dias, tem uma nova desculpa para não procurar trabalho, cada uma mais falsa que a anterior. "O mercado está difícil", ele diz, ou "Eu quero encontrar algo que realmente goste, não apenas um trabalho qualquer". No início, tentei ser compreensiva, lembrando-me das palavras de mamãe sobre dar tempo ao tempo. Mas, à medida que os dias passam, minha paciência diminui, especialmente porque sinto que toda a carga financeira caiu sobre os meus ombros. Para sustentar a casa e guardar um pouco de dinheiro para meu sonho de cursar o bacharelado em dança, dou aulas particulares de balé para meninas pequenas. Há algo mágico em ensinar dança, em ver o brilho nos olhos das crianças à medida que aprendem cada novo passo. Eu vejo a Kate de 5 anos em cada uma delas, vejo os sonhos que, aos poucos, luto para recuperar. É um dos poucos momentos do dia em que me sinto verdadeiramente viva, conectada a algo maior que a rotina desgastante que se tornou minha vida. Tenho espalhado anúncios perto de escolas e shoppings, na esperança de atrair mais alunas e, com isso, aumentar um pouco a renda. À noite, o trabalho no cinema é um contraste gritante com as aulas de balé. É um ambiente menos pessoal, mais mecânico, rostos novos indo e vindo todos os dias. As longas horas em pé, verificando ingressos e lidando com clientes nem sempre pacientes, drenam o pouco de energia que me resta. Mas cada noite de trabalho significa um passo a mais em direção à minha poupança para a universidade, um sonho que desde que Steven apareceu na minha vida, parece cada vez mais distante. Chego em casa exausta, quase arrastando os pés, e frequentemente encontro Steven no sofá, perdido entre séries de televisão ou jogos no celular, uma realidade que só alimenta minha frustração e tristeza. Mamãe tenta manter a paz, sempre mediando, sempre tentando encontrar o lado bom das coisas. Mas, à medida que os dias passam, até ela parece ficar sem palavras para justificá-lo. Minha depressão se aprofunda na silenciosa aceitação de que talvez eu nunca consiga juntar o dinheiro necessário para as taxas da universidade. O curso de bacharelado em dança não é apenas uma formação, é a realização de um sonho, a chance de transformar minha paixão em minha vida profissional. Nesses momentos eu me sinto falhar duplamente. Falho com a Kate menina, que prometeu nunca desistir e com a nova Kate, que se comprometeu em ser digna do coração que bate em seu peito. No dia que fui levada para a cirurgia do transplante, eu rezei. Não á Deus, que parecia ter se esquecido de mim quando me presenteou com o pior dos corações, mas ao meu anônimo salvador. Jurei a ele ou ela que se tudo saísse bem eu iria viver. Viver por nós dois. Mas tudo que tenho feito nos últimos anos é sobreviver. Deito-me à noite, olhando para o teto no escuro, perguntando-me como as coisas chegaram a esse ponto. Questiono-me sobre o futuro, sobre minha capacidade de suportar essa rotina, sobre o que será de nós se as coisas não mudarem. E, no silêncio da noite permito-me chorar, não apenas pelo cansaço ou pela tristeza, mas pela sensação de estar presa em um ciclo sem fim de problemas. Quando cheguei em casa esta noite, exausta das longas horas de trabalho, percebi que Steven não estava. ‘Um alívio momentâneo’, pensei, uma chance de conversar abertamente com mamãe sem a sua sufocante presença. Ela estava na cozinha, preparando algo para comer, uma cena tão comum que quase me fez esquecer as razões da minha frustração. - Mãe, precisamos conversar. - tentei manter minha voz firme, apesar do cansaço. Ela me olhou, seus olhos refletindo a compreensão de que a conversa não seria fácil. - Sobre o que quer falar, querida? - Sobre Steven... e sobre dinheiro. - Respirei fundo, buscando coragem. - Não acho justo que eu esteja trabalhando tanto para sustentar a casa, enquanto ele não faz nada para contribuir. Mamãe suspirou, como se estivesse esperando por essa conversa, mas ainda assim desejasse evitá-la. - Eu sei, Kate. Eu sei que está difícil, e eu agradeço muito por tudo que você tem feito. Steven... ele só precisa de mais tempo. - Mais tempo? Mãe, já se passaram três meses. Ele nem parece estar tentando. E eu... eu estou me matando de trabalhar. Não consigo nem juntar dinheiro para a universidade porque tudo vai para as despesas da casa. Houve um breve silêncio, um daqueles momentos em que palavras não ditas falam mais alto. - Eu não entendo como você pôde gastar tudo que o pai deixou... - Deixei escapar, a frustração tingindo minhas palavras de arrependimento quase que imediatamente. Mamãe se ofendeu, sua expressão mudando de preocupação para algo mais duro, mais ferido. - Kate, você acha que eu queria estar nesta situação? - Sua voz estava carregada de uma mistura de raiva e autodefesa. - Seu pai me deixou com uma hipoteca ativa e uma filha doente, e eu fiz o melhor que pude com o que tínhamos. Não é como se eu tivesse gastado tudo por capricho. Houve contas, dívidas que precisávamos cobrir, e você sabe melhor que ninguém de onde vinham estas dívidas. Eu era a fonte das dívidas, mas também era uma adolescente. Mamãe costuma falar sobre o passado, como se eu fosse a culpada pela vida que ela tem hoje. Talvez eu seja, por isso aceito a tudo que ela decide sem reclamar. - Eu sei, mãe, eu só... — Tentei recuar, percebendo que tinha ido longe demais. Mas o dano estava feito e eu podia ver a mágoa em seus olhos. - Kate, você não tem ideia do quanto eu tenho lutado para manter tudo em pé. - Ela continuou, a voz embargada pela emoção. - E agora, com Steven, eu estava apenas tentando encontrar um pouco de felicidade, talvez um novo começo para nós. Eu podia sentir o peso de suas palavras, o discurso sobre sacrifícios e responsabilidades, mesmo que não concordasse com todas elas. - Eu só... estou cansada, mãe. Cansada do rumo que nossa vida está tomando. - Minha voz quebrou, revelando a exaustão e a desolação que sentia. - Eu entendo, querida, e eu sinto muito. Mas culpar Steven pela vida que você leva é extremamente injusto, com ele e comigo. Não foi de mim que você herdou esse problema cardíaco. - Ela se aproximou, tentando me abraçar, mas eu recuei, frustrada. Houve um momento de silêncio entre nós, uma tensão pairando no ar pelo impasse em que nos encontrávamos. - Eu vou tomar um comprimido e tentar descansar. - Mamãe disse por fim, encerrando a conversa. - Isso me deixou com uma dor de cabeça terrível. Ela se afastou, caminhando em direção ao quarto, deixando-me sozinha com meus pensamentos. Eu sabia que tinha ido longe demais, que minhas palavras haviam cortado mais profundamente do que pretendia, mas a resposta dela também machuca e não consegui ficar calada. Não dessa vez. Também fui para o meu quarto, o coração pesado, a mente atormentada pela conversa que acabara de ter. Eu estava chateada, sim, mas mais do que isso, estava exausta. Exausta de lutar, exausta de tentar manter todos felizes e ser a única infeliz, exausta de tentar alcançar meus próprios sonhos enquanto o mundo parecia conspirar contra mim. Deitei-me na cama, o corpo dolorido pedindo por descanso, mas a mente girando em um turbilhão de pensamentos e preocupações. Naquele momento, tudo o que eu queria era esquecer. Esquecer as responsabilidades, esquecer as lutas, esquecer a conversa dolorosa e inútil que acabara de ter. E, com essa vontade de escapar, deixei-me cair no esquecimento do sono, esperando que, de alguma forma, o amanhã trouxesse respostas, ou pelo menos um pouco de paz.
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