Quantas chances você tem de mudar o seu destino?
Eu tive duas.
A primeira, um novo coração que substituiu o meu, à beira de parar para sempre.
A segunda, Alexander Hamilton, um viúvo milionário e enigmático, que me tirou de um clube noturno e me deu a chance de ser babá de sua filha.
Mas... por que eu?
***
Eu era uma garota comum, de aparência comum, vivendo uma vida comum. Só que esta vida ficou perdida no pretérito imperfeito. Era.
Morávamos em uma boa casa de um bairro de classe média em São Francisco. Meu pai tinha um bom emprego como gerente de uma montadora automobilística, enquanto minha mãe se dedicava a administrar a casa. A cuidar de nós dois.
Já a minha vida, era uma mistura de escola, lições e tarefas de casa. Como eu disse, eu era uma garota comum, apenas tentando sobreviver a adolescência. Só havia uma coisa que me destacava das milhares de outras garotas de 13 anos que eu conhecia: era uma dançarina.
Não qualquer uma. Eu era ‘A’ dançarina.
Eu dedicava cada segundo livre do meu dia a dançar. Para mim, nunca existiu nada além da dança na minha vida. Eu nunca ia as festas de aniversário, porque os finais de semana eram dias de ensaios para as apresentações, sendo assim, eu não tinha amigos, tinha conhecidos.
Manter uma amizade consumia um tempo que eu não tinha. Foi uma escolha que fiz e da qual eu não me arrependo. Minha primeira professora, a senhorita Rachel, dizia que só com muita dedicação “meninas viram bailarinas” e aprender a dançar era só o primeiro passo.
Eu queria ser a primeira bailarina do ABT (Teatro de Ballet Americano) e tudo em minha vida caminhava para isso. Eu era chamada de fenômeno e teria o mundo sob minhas sapatilhas de ponta se tudo não tivesse ruído da noite para o dia como um castelo de areia.
Meu pai, um dos meus principais apoiadores, aquele que sempre me aplaudiu de pé da primeira fileira de qualquer apresentação que eu participava, morreu.
Ele partiu subitamente, vítima de um infarto fulminante enquanto fazia algo tão mundano quanto ler o jornal em nossa sala de estar, aguardando que eu terminasse de me arrumar para ir a um ensaio.
Aquela cena ficou gravada em minha memória: a xícara de café ainda fumegante ao seu lado, o jornal caído, e ele, imóvel, com uma expressão serena que contrastava com a tragédia do seu final abrupto.
Não houve tempo para adeus, para um último eu te amo. Houve gritos e caos. Corri até ele tentando colocar em prática tudo aquilo que aprendemos nas aulas de primeiros socorros.
— Um, dos, três, quatro, cinco...
— SOCORRO MAMÃE.
— Seis, sete, oito, nove, dez... sopra. Minha mãe vem correndo, e entra em choque.
— AMBULÂNCIA , — eu grito para ela, tentando fazê-la acordar. Reagir.
Ela finalmente liga para a emergência e eu volto todos os meus esforços para o meu pai.
Um, dos, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez... sopra. Eu fiquei ali, presa ao chão, tentando reanimá-lo até a entrada dos paramédicos. Foram os 23 minutos mais longos da minha vida, e foi tudo em vão. Ele morreu antes que eu o encontrasse e não importa quantas vezes eu pressionasse seu coração, nada o faria voltar a bater.
Levaram meu pai embora dentro de um saco pretø. Tão escuro quanto o meu futuro.
A tristeza profunda que se seguiu foi apenas o início. Depois de muitas análises e avaliações, procurando por respostas, os médicos revelaram que meu pai era portador de uma falha congênita no coração e, com isso, todos os olhos se voltaram para mim.
Parecia impossível que eu tivesse algo, afinal, eu sou jovem, tenho um excelente condicionamento físico e uma alimentação perfeita. Só que os exames seguintes, mostraram que genética e estilo de vida nem sempre caminham juntos.
A terrível verdade foi a de que eu havia herdado a mesma falha genética que levou meu pai tão prematuramente. Mas, para mim, as consequências eram ainda mais diretas e devastadoras.
Os anos dedicados a dança, levando meu corpo ao limite, cobraram seu preço. Meu coração se desgastou ao ponto de ter apenas 25% das suas funções. Eu precisava de uma cirurgia imediata, e esta não seria a única, apenas a primeira, até conseguir um coração compatível.
Sim, eu precisava de um novo coração ou eu dificilmente chegaria aos 18 anos.
A dança, algo que pratico diariamente desde os meus 5 anos de idade, tornou-se um risco que eu não podia mais correr. Fui forçada a deixar de lado minha paixão, meu sonho, enfrentando não apenas a perda de meu pai, mas também a perda de uma parte essencial de quem eu era.
Minha nova vida foi dentro de uma bolha, e eu fazia apenas dois caminhos, Hospital - casa / casa - hospital. Eu não podia dançar, eu não podia sair, eu não podia viver para me manter viva. Qualquer vírus passou a ser um inimigo mortal e só me restou a solidão como fiel companheira.
Eu não tinha amigos, então ninguém sentiu minha falta quando eu fui obrigada a deixar a escola. Mas, uma coisa não faltava, eram despesas médicas.
Minha mãe, que nunca trabalhou, não soube administrar o dinheiro do seguro de vida do meu pai. Depois de um tempo, ela teve que vender a casa em que vivíamos para pagar todos os nossos gastos. Mudamos para um minúsculo apartamento em um bairro mais humilde.
E tudo que eu podia fazer, era ser expectadora da minha nova vida. Um coração podia demorar uma semana, um mês ou mesmo anos. Eu estava na fila, mas minha idade, corpo e principalmente, meu tipo sanguíneo faziam que a chamada não fosse linear.
Eu vivia em uma angustiante contagem regressiva, esperando. Minha existência, se tornou tão vazia que as vezes eu desejava partir. Mas, acabar com meu sofrimento significava trazer ainda mais perdas e dor para minha mãe, e eu não era egoísta a esse ponto.
Então, um dia, depois de quase três longos anos, o telefone finalmente tocou. A voz do outro lado da linha, disse as palavras que eu já havia perdido a esperança de escutar. Encontraram um coração para mim.
A notícia me encheu de uma nova determinação. Alguém, em algum lugar, morreu. Deixou sua família, amigos e um presente precioso para um desconhecido. Uma nova chance de viver tudo que me foi negado.
E assim, quando eu acordei naquele quarto de hospital com um novo coração batendo em meu peito, eu não era mais Katherine Madson, uma garota comum, com uma vida comum.
Eu era uma jovem de 16 anos com propósitos e uma vida toda pela frente. Uma vida que deveria ser vivida por dois.