Amanhecer cinzento

1507 Words
Kate Madson A noite dentro daquele banheiro foi a mais longa da minha vida. Cada sombra que se movia, cada ruído que ecoava pela casa, fazia meu coração disparar de medo. Eu estava trancada, sim, mas longe de me sentir segura. As memórias do que aconteceu, do que Steven tentou fazer, rodavam em minha mente sem cessar, me fazendo chorar até não restarem mais lágrimas. O frio do piso se misturava ao frio que eu sentia por dentro, uma mistura de nojo, raiva e um tipo de tristeza profunda que eu nunca havia experimentado antes. Era como se, naquela noite, algo dentro de mim também tivesse se quebrado, algo que eu sabia que não seria facilmente consertado. Quando finalmente ouvi mamãe se mexendo, indicando que o dia havia começado sem mim, a realidade da situação começou a se assentar com um peso esmagador. Ela bateu suavemente na porta do banheiro, sua voz cheia de preocupação. - Kate? Por que você está trancada aí dentro? Você está bem? "Estou bem?" A pergunta parecia tão fora de lugar, tão inadequada dada a noite que eu havia passado. - Não, mamãe, eu não estou bem. — Minha voz era um sussurro fraco, m*l reconhecível até para mim. Ela insistiu para que eu saísse, para que pudéssemos conversar. Com relutância, abri a porta, meus olhos encontrando os dela. Havia uma esperança tênue em mim de que, ao ver meu estado, ao realmente ouvir o que aconteceu, mamãe finalmente entenderia, finalmente tomaria meu lado. Contei a ela tudo de uma só vez. As palavras saíram de mim como uma torrente, detalhando cada momento de terror que vivi nas mãos de Steven. Mamãe me ouvia, mas eu podia ver em seus olhos, mesmo antes de ela falar, que suas conclusões já haviam sido tiradas, que sua lealdade já estava decidida. - Kate, você tem certeza de que não está exagerando um pouco? Steven devia estar muito bêbado, ele provavelmente nem sabia o que estava fazendo. — Sua voz estava cheia de uma espécie de desespero, uma súplica para que eu aceitasse sua versão dos fatos. Como ela podia pedir isso? Como ela podia esperar que eu minimizasse algo tão grave? - Exagerando? Mãe, ele entrou no meu quarto e me tocou contra a minha vontade. Como você pode chamar isso de exagero? - Kate, nós... nós somos uma família. E as famílias passam por dificuldades. Nós só precisamos... precisamos dar a Steven outra chance. - Outra chance? - A ideia era repulsiva, inaceitável. E, no entanto, era exatamente o que mamãe estava propondo. - Eu não posso acreditar que você está dizendo isso. Você está escolhendo ele sobre mim. Sobre sua própria filha. - Minha voz se quebrou com a força da minha desilusão, da minha dor. Mamãe parecia dividida, atormentada até, mas sua decisão estava clara. Ela havia escolhido Steven, escolhido acreditar na possibilidade de sua inocência, ou pelo menos na possibilidade de sua redenção, em vez de na palavra e na dor de sua própria filha. Naquele momento, percebi que a brecha entre nós havia se tornado um abismo. Um abismo de desentendimento, de prioridades divergentes, de lealdades conflitantes. E enquanto eu lutava para me fazer ouvir, para me fazer acreditar, mamãe lutava para manter a ilusão de que não havia nada de errado. Diante da resposta de mamãe, uma sensação de isolamento tomou conta de mim. Eu esperava encontrar um porto seguro em minha própria família, mas em vez disso, me deparei com um mar de dúvidas e descrença. - Mamãe, como você pode justificar o que ele fez? Não importa se ele estava bêbado ou não, o que ele fez é imperdoável. - Minha voz estava carregada de uma mistura de tristeza e incredulidade. Mamãe passou a mão pelo cabelo, um gesto de frustração que eu conhecia bem. - Kate, eu não estou justificando, só estou tentando encontrar uma maneira de passarmos por isso juntos. Talvez, se conversarmos com Steven, ele possa se desculpar, e... - Se desculpar? - Interrompi, a ideia soando tão absurda que por um momento pensei ter ouvido errado. - Mamãe, um pedido de desculpas não vai apagar o que aconteceu. Não vai mudar o fato de que eu não me sinto segura na minha própria casa. Houve um longo silêncio entre nós, um espaço cheio de palavras não ditas e sentimentos não reconhecidos. - Eu só não quero perder a nossa família, Kate. — Sua voz era quase um sussurro, revelando uma vulnerabilidade que raramente ela permitia que se visse. - Mas a que custo, mãe? — Minha pergunta pendia no ar, carregada de dor e desespero. - A que custo você está disposta a manter essa família? A conversa havia chegado a um impasse, um beco sem saída emocional onde nenhuma de nós sabia como seguir em frente. A compreensão de que talvez nunca pudéssemos superar isso, de que as feridas abertas naquela noite poderiam nunca cicatrizar, começou a se instalar em meu coração. - Eu preciso de tempo, mãe. Tempo para pensar, para... para entender como podemos seguir em frente depois disso. - Levantei-me, sentindo cada movimento pesado, como se estivesse carregando o peso do mundo em meus ombros. Mamãe assentiu, seus olhos cheios de lágrimas que ela teimosamente reprimia. - Eu só quero que saiba que eu amo você, Kate. - Eu sei, mãe. E eu também te amo. Mas isso... isso está além do amor. Trata-se de respeito, de segurança... de justiça. - Com essas palavras, deixei a sala, minha mente turbulenta com pensamentos sobre o futuro, sobre o que significaria reconstruir minha vida a partir daquele ponto. Naquele momento, as palavras de mamãe, não traziam conforto para a ferida aberta em minha alma. Eu estava perdida, navegando em águas desconhecidas, sem saber se algum dia encontraria terra firme novamente. Passar o dia trancada em meu quarto não era minha ideia de resolução, mas, naquele momento, parecia a única opção viável. Eu estava abalada demais, cansada demais para ir trabalhar. Liguei para a mãe da minha aluna e para Gavin, o gerente do cinema, avisando que não me sentia bem. Durante todo o dia, o silêncio foi meu companheiro constante, quebrado apenas pelos meus próprios pensamentos girando em uma espiral sem fim de "e se" e arrependimentos. Então, um som diferente capturou minha atenção, vozes elevadas vindas do outro lado da porta, tensas e carregadas de emoção. Levantei-me hesitante, meus pés movendo-se quase contra minha vontade em direção à origem da discórdia. A cena que se desdobrou diante dos meus olhos parecia um sonho tornado realidade. Steven, com uma mala jogada sobre a cama, atirava roupas para dentro dela de maneira desordenada. Seria perfeito, se mamãe, com as mãos trêmulas, não estivesse implorando por ele reconsiderar sua decisão. - O que está acontecendo? — perguntei, minha voz um sussurro trêmulo na tempestade que se formava ao meu redor. Mamãe se virou para mim, seus olhos faiscando com uma intensidade que eu raramente via. E então, sem aviso, ela explodiu. - Isso é tudo culpa sua, Kate! Peça desculpas a Steven, agora! Você está fazendo com que ele queira ir embora! As palavras dela me atingiram como um golpe físico, tirando o ar dos meus pulmões. Horrorizada, eu mąl podia acreditar no que estava ouvindo. - Nunca. - As palavras saíram de mim com mais força do que eu esperava, carregadas de convicção. - Ele deveria mesmo ir. Foi então que mamãe lançou a acusação que me fez vacilar, as palavras tão cruéis que pareciam envenenar o próprio ar que respirávamos. - Você não quer que eu seja feliz, não é? Primeiro, você monopolizou a atenção do seu pai, e agora que ele morreu, quer estragar meu relacionamento com Steven também! Aquelas palavras, aquela acusação injusta, me deixaram sem fala. Como ela poderia pensar assim? Como ela poderia distorcer nossa história, nossas vidas, dessa maneira? Engolindo o orgulho, as lágrimas queimando atrás dos meus olhos, eu fiz o que minha mãe pediu, mesmo que cada palavra me custasse. - Desculpe, Steven. — Minha voz estava quebrada, m*l reconhecível. Ele me deu um olhar debochado, um sorriso presunçoso surgindo em seus lábios. Sem esperar por uma resposta, sem conseguir suportar nem mais um segundo daquela realidade distorcida, virei-me e corri de volta para o meu quarto, me trancando novamente. Lá, envolta na solidão que tinha se tornado minha única defesa, eu chorei. Chorei pela mãe que eu pensava conhecer, chorei pelo amor e pela segurança que se desfizeram bem diante dos meus olhos, e chorei por mim mesma, por sentir que havia perdido tudo o que um dia considerei inabalável. Naquele momento, mais do que nunca, eu sabia que nada mais seria como antes. E enquanto as lágrimas molhavam meu travesseiro, uma resolução tomava forma em meu coração partido, independentemente do que o futuro reservasse, eu não poderia mais permanecer naquela situação. Eu precisava encontrar uma saída, não apenas pela minha segurança, mas para preservar o que restava da minha dignidade e do meu próprio senso de identidade. Eu precisava ir embora.
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