GABRIELA
Tomei um copo de água enquanto esperava pra atender o novo paciente.
Preciso ser eficiente, porque ainda não fui definitivamente contratada aqui no hospital. Estou em fase de experiência, estágio remunerado e realmente quero trabalhar aqui.
Eu gosto das pessoas daqui. Me dou bem com todo mundo e os pacientes são uns amores comigo.
— Seu paciente já está pronto. — a enfermeira falou a mim quando saiu do quarto dele e ainda me alertou com um sorrisinho. — Esse é medroso, viu.
— Percebi. — sorri andando pro quarto do paciente. — Voltei!
Sempre chega pacientes assim, jovens, aqui no hospital. E os motivos são quase sempre os mesmos. Troca de tiro... Perseguição...
Espero que esse não seja por um desses motivos. Não quero julgar por aparência.
— Então, cê vai fazer essa dor parar mermo, Doutora? — ele se ajeitou no leito com um leve sorriso nos lábios.
— É o meu objetivo. — coloquei um travesseiro encima do outro, debaixo da perna machucada dele.
— E como é que cê vai fazer isso?
— Drenagem linfática para tirar o inchaço.
Comecei a fazer o procedimento e ele ficou só observando. Não era um trabalho tão fácil por causa do grande curativo que fizeram.
— Opa, vai ficar alisando minha perna é? — ele deu uma risadinha. — Sério mermo que isso vai desinchar minha perna?
— Bom, funciona na teoria e já funcionou na prática um monte de vezes. — respondi sorrindo.
Eu gosto quando os pacientes ficam impressionados com as técnicas que nós usamos. Nem todo mundo conhece fisioterapeutas. Nem sabe o que fazemos.
Resumindo: nós somos f**a. Tratamos das doenças sem sem remédios. É isso.
— Eu quero isso todo dia, viu? — ele ficou todo empolgado e eu levantei o rosto e sorri.
— Se precisar eu estarei aqui. — continuei o meu trabalho.
— Quando foi que cê se formou? Cê parece ter a mesma idade que eu.
— No tempo normal. Com 17.
— Cê é o que o povo chama de nerd?
— Não. — balancei a cabeça sorrindo. — Eu sou o que chamam de pobre que precisa fazer alguma coisa pra mudar de vida.
— Tamo no mermo barco então.
— Você também estuda?
— Não. Não tive essas oportunidade.
Agora preciso fazer a pergunta de sempre.
— Como você se machucou?
— Ah... Cê não vai querer saber não. — ele deu uma risadinha.
— Quero sim. As respostas pra essa pergunta nem sempre são as menos assustadoras, então talvez eu nem fique surpresa com o que me falar.
Ele ficou calado por um tempo, me analisando, como se estivesse decidindo se deveria me contar ou não.
— Tinha uma troca de tiro e eu tava passando de moto... E o tiro pegou em mim. Depois a gente caiu e quebrei a perna.
— Caramba! — fiquei admirada. — Desculpa a palavra, mas é que parece coisa de filme.
Coitado. Vai ver nem tinha nada haver com isso e acabou no hospital.
— É. Só que na vida real a coisa é braba. — ele lamentou.
— Imagino. Eu tenho medo quando saio daqui sozinha. Ninguém sabe quem vai estar na esquina, o que tá rolando quando trocamos de quarteirão... Saio daqui quase correndo. — admiti.
— É perigoso mesmo pra uma garota como você. Você sabe se defender? — me fitou novamente de um jeito analítico.
— Não. Obviamente não. — ri de nervosa. — Se eu quebrar uma das minhas mãos tentando aprender alguma luta, fico sem emprego. — expliquei.
— É. Continua assim com essa mão boa. Porque aquela enfermeira que faz meus curativo, eita mulher das mãos pesada!
Eu ri demais. Todo mundo fala isso dela.
— c*****o, cê é bem bonita.
Agora fiquei sem jeito. Não esperava por um elogios desses no meio dessa conversa.
— Cê sempre recebe esses elogio, né? — seus olhos estavam fixou em meu rosto, mas eu só olhava pra ele pela visão periférica, pois estava tentando dar o meu melhor no trabalho.
— É... — balancei a cabeça com as bochechas corando.
Sempre recebo, mas não de um cara bonito que nem ele. Aí eu fico bem sem jeito mesmo.
— Cê tem...
Antes que ele perguntasse alguma coisa eu falei. — Terminei.
— Já?! — sua pergunta soou como um protesto.
— Sim. Como está se sentindo? — retirei os travesseiros de baixo da sua perna.
— Com vontade de mijar.
— Ótimo, sinal que a linfa foi drenada.
— E ainda fala difícil... — ele comentou me encarando de um jeito engraçado e tentou levantar da maca.
Fiquei tão sem jeito que depois de colocar uma cadeira de rodas pra ele, também peguei minha prancheta torcendo pra minhas bochechas não estarem muito coradas.
— Tenho que ir. — ok? Cuidado ao colocar essa perna no chão. Você ainda vai passar por cirurgia.
— Você volta quando? — ele sentou na cadeira.
— Amanhã.
— Ainda? Mas e se eu precisar de você de novo? Quando eu voltar do banheiro, talvez minha perna volte a doer.
Gente... Que isso! Ele é muito do manhoso.
— Eu não posso cuidar de você o dia todo, Felipe. — ri da ideia dele. — Tenho outros pacientes e tenho certeza que você não vai mais precisar de mim. — andei em direção a saída.
— Injustiça, quando aparece a melhor doutora só fica um instante com a gente... Vou reclamar na diretoria.
Eu não consigo parar de rir.
— Tchau. — balancei a mão de costas e fui a procura do próximo paciente.
Já vejo que esse rapaz vai pegar muito no meu pé.